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Aldeia  dos  índios mundurucus, às margens do Rio Tapajós, no Pará. | Fábio Nascimento/© Fábio Nascimento / Greenpeac
Aldeia dos índios mundurucus, às margens do Rio Tapajós, no Pará.| Foto: Fábio Nascimento/© Fábio Nascimento / Greenpeac

A negativa do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em conceder a licença ambiental da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, enterrou, pelo menos por ora, o projeto de tirar do papel mais uma megausina na Amazônia. Com uma sobreoferta considerável de energia no sistema, o governo ganhou tempo para repensar Tapajós e buscar alternativas para suprir a demanda futura de energia.

O leilão da usina estava nos planos do governo 2016 e, depois, 2018. Junto com Belo Monte, que tem 11,2 mil megawatts (MW) de potência, a hidrelétrica de 8.040 MW respondia por 68% da expansão hidrelétrica prevista para a entrada em operação até 2024, segundo planejamento decenal da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Fatia menor

Com um ritmo de crescimento inferior ao das demais fontes, a fonte hidráulica vem perdendo participação na matriz. Atualmente, os 90 GW de energia hidráulica representaram 61% da capacidade instalada total do país, que atingiu 147.727 mil MW em agosto deste ano. Para especialistas, a maior parte do potencial hidráulico ainda existente está na Amazônia, em terras indígenas e unidades de conservação ambiental, com complexas restrições socioambientais, o que exige que o país dê continuidade ao processo de diversificação da matriz o quanto antes.

Se uma usina programada não é feita, outros empreendimentos com a mesma capacidade precisam substituí-la. Para especialistas, a energia que vamos consumir nos próximos anos virá de um mix de fontes que terá o gás natural e as alternativas (eólica e solar) como grandes protagonistas. “A geração termelétrica a gás natural será indispensável para firmar a energia intermitente”, avalia Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. Além de dar segurança ao sistema, com energia despachável, as térmicas próximas dos centros de consumo demandariam menos linhas de transmissão, um grande gargalo do sistema hoje.

Pelo lado da oferta, a saída da Petrobras do mercado de gás natural no país – marcada pela venda de ativos da estatal na área de transporte e distribuição de gás – deve inaugurar uma nova fase para esse setor no país, mais competitiva. A empresa liderou a estruturação desse mercado no país, mas acabou se tornando uma barreira à competição. “Com a Petrobras saindo do jogo, o mercado brasileiro de gás natural tende a deslanchar”, afirma Erik Eduardo Rego, analista da consultoria Excelência Energética.

Complexo de Tapajós

A ideia inicial do governo federal era viabilizar a construção, no rio Tapajós, de pelo menos duas grandes usinas: a de São Luiz do Tapajós (8 mil MW), para entrar em operação em 2019, e Jatobá, de 2,3 mil MW, para começar a gerar energia em 2020. Além de falhas nos estudos de impacto ambiental, a construção da usina de São Luiz alagaria território indígena Munduruku e obrigaria remoção de aldeias, o que é proibido pela Constituição. Diante disso, o Ibama arquivou o pedido de licenciamento.

Além de expandir a infraestrutura de transporte, o Brasil vai precisar acelerar projetos de importação de gás. Embora a produção nacional tenha praticamente dobrado na última década, há uma escassez de oferta doméstica de gás natural. Hoje o país importa 50% do gás consumido e há uma demanda reprimida que vai aumentar no médio e longo prazos, sobretudo com a maior necessidade do combustível para a indústria e geração de energia. Além do gás que vem da Bolívia via gasoduto, o Brasil tem três terminais de importação e regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL) no Rio de Janeiro, Bahia e Ceará.

A expansão das fontes alternativas, por outro lado, é um caminho sem volta. Eólica e solar devem, cada vez mais, ganhar espaço na matriz. Especialmente no caso da geração distribuída, a solar tem grande potencial para aliviar a rede, reduzindo a pressão por grandes empreendimentos nos próximos anos, argumenta Rego.

Energia de sobra

A sobreoferta de energia no mercado ameniza bastante a lacuna deixada um projeto do porte de Tapajós e dá tranquilidade aos planejadores do setor para buscar alternativas. Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico do governo, há hoje uma sobra estrutural no sistema de 13 mil MW médios, ou 20% do consumo atual do país. Além disso, moutros 4,3 GW em novos projetos devem entrar em operação nos próximos anos.

Mesmo em um cenário de crescimento da demanda, atraso de usinas e linhas de transmissão e, até mesmo, falta de chuvas, não há risco de desabastecimento pelo menos até 2020, aponta um estudo do Instituto Acende Brasil. “Essa sobra de hoje é uma sobra momentânea, claro, mas não é desprezível. Uma coisa é decidir com uma espada apontada para a cabeça. Temos pela frente mais um ou dois anos em que a pressão pela expansão da oferta de energia diminuiu muito”, afirma Sales.

Hidrelétrica de Tapajós não é carta fora do baralho, defendem especialistas

Depois da experiência traumática de Belo Monte, há especialistas que acreditam que o projeto da usina de Tapajós foi sepultado para sempre com a decisão do Ibama.

Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, faz parte do grupo dos que defendem que ele deve voltar à cena, sobretudo, porque o país não pode simplesmente desperdiçar o potencial que ainda tem para a hidroeletricidade. “O Brasil tem ainda 100 mil MW de potencial hidrelétrico, mais de 80 mil MW só na Amazônia. Não conheço um país no mundo que abriria mão desse potencial”, afirma Sales. Segundo ele, a hidroeletricidade vem perdendo participação na matriz brasileira ano a ano, mas é renovável e barata, vantagens que fazem dela a fonte mais viável da nossa matriz.

Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, a decisão do Ibama é apenas administrativa. “O órgão rejeitou a qualidade do estudo de impacto ambiental da usina. Nada impede que novos estudos mais consistentes sejam apresentados”, afirma. Ele defende, contudo, que é recomendável ao país apostar em outras fontes. “Quando mais diversificada nossa matriz, mais segura ela será do ponto de vista de suprimento de energia”, acrescenta.

Risco diluído

“Apesar de estar prevista no planejamento de longo prazo do setor, nem os próprios agentes acreditavam que a usina de Tapajós fosse sair do papel”, afirma Erik Eduardo Rego, da Consultoria Excelência Energética. A experiência de Belo Monte, segundo ele, mostra que Tapajós é um investimento inviável.

“Grandes projetos ficarão cada vez mais raros. São grandes apostas que concentram muito risco na expansão do parque gerador, como Tapajós. Se não tivéssemos um cenário de sobra de energia, a incerteza do projeto seria um grande problema”, afirma Rego. Segundo ele, o governo tem deixado claro que daqui para frente a ideia é distribuir mais o risco entre as fontes.

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