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O envelhecimento da população brasileira avança em ritmo acelerado e já provoca efeitos significativos na economia. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam consequências como redução da força de trabalho, menor dinamismo econômico, aumento dos gastos com previdência e saúde, desafios fiscais crescentes e risco de alta na inflação.
A proporção de pessoas com 60 anos ou mais quase dobrou entre 2000 (quando eram 8,7% da população) e 2023 (15,6%). A projeção do IBGE é que esse percentual atinja 37,8% em 2070. A idade média da população também aumentou: era de 28,3 anos em 2000, passou para 35,5 em 2023 e deve chegar a 48,4 em 2070.
“O único segmento da população brasileira que continuará crescendo é o de 60 anos ou mais”, afirma Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC BR) e ex-diretor do programa de envelhecimento global da Organização Mundial de Saúde (OMS).
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O fenômeno não é exclusivo do Brasil. Segundo estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a desaceleração do crescimento populacional, o declínio da taxa de fertilidade e o aumento da longevidade impulsionam o envelhecimento em todo o mundo.
No Brasil, a taxa de fecundidade caiu de 2,32 filhos por mulher em 2000 para 1,57 em 2023. A idade média das mães aumentou de 25,3 anos em 2000 para 27,7 em 2020, com previsão de chegar a 31,3 anos em 2070. O número de nascimentos em 2022 foi o menor desde 1977, enquanto a expectativa de vida ao nascer subiu de 71,1 anos em 2000 para 76,4 em 2023, podendo alcançar 83,9 anos em 2070.
A transformação demográfica brasileira ocorre mais rápido do que em países desenvolvidos. “A França levou cem anos para atingir o número de pessoas com 50 anos ou mais que o Brasil terá em apenas 40 anos”, destaca Clea Klouri, sócia e cofundadora do Data8, uma datatech especializada em análise de tendências de mercado para a população mais idosa.
Envelhecimento reduz força de trabalho e pode afetar dinamismo econômico
O envelhecimento da população reduz a força de trabalho. O economista Eduardo Giannetti da Fonseca prevê que o pico da população em idade ativa (14 anos ou mais) ocorrerá em 2032. A pesquisadora Janaina Feijó, do FGV Ibre, alerta que haverá menos jovens entrando no mercado, o que tende a afetar negativamente a produtividade e o potencial de crescimento do país.
Além disso, idosos costumam consumir e investir menos, o que pode desacelerar a economia no longo prazo. O cenário se agrava com a baixa taxa de poupança no Brasil, dificultando investimentos em infraestrutura, educação e inovação. No quarto trimestre de 2023, a taxa de poupança foi de 11,5%, a segunda menor desde o fim de 2019. Tradicionalmente, nesse período, são registradas taxas baixas.
Segundo Giannetti, fatores culturais dificultam a formação de poupança por parte dos brasileiros. “Somos uma cultura voltada para o desfrute do momento, pouco atentos à importância de algum sacrifício agora para melhorar o futuro”, afirma.
Feijó, do FGV Ibre, destaca que o crescimento da população idosa gera uma demanda crescente por produtos e serviços especializados para esse grupo etário. Se a oferta desses bens e serviços não acompanhar o aumento da demanda, existe o risco de elevação de preços, pressionando a inflação.
Especialistas alertam que o cenário futuro pode ser desafiador para o Brasil, pois o país já apresenta baixas taxas de crescimento econômico. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 1980 e 2024, o Brasil cresceu ao ritmo de 2,3% ao ano, enquanto o mundo avançou 3,3%.
Analistas apontam que essa combinação de demanda crescente, possível pressão inflacionária e baixo dinamismo econômico reforça a necessidade de políticas públicas que estimulem a oferta de serviços e produtos para idosos e promovam o crescimento sustentável.
Maior pressão inflacionária prejudica orçamento dos idosos
A inflação preocupa especialmente a população idosa, que depende mais de aposentadorias e pensões. “Elas geralmente têm reajustes fixos ou limitados que não acompanham a inflação”, destaca Janaina Feijó. “Isso leva à perda do poder de compra e dificulta a manutenção do padrão de vida.”
Grande parte dos idosos já enfrenta fragilidade econômica. O aumento dos preços torna mais difícil arcar com despesas essenciais, como alimentação, moradia e energia. A demanda por serviços de saúde e medicamentos cresce com o envelhecimento.
Nos 12 meses encerrados em fevereiro, os preços dos medicamentos para hospitais subiram 4,2%, segundo levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para a healhtech Bionexo, especializada em soluções digitais para saúde. Para consumidores, a alta anualizada em março foi de 4,76%. O governo autorizou reajuste médio de 3,83% nos medicamentos a partir de abril, com altas maiores em produtos de alta concorrência.
Em 2023, as famílias brasileiras gastaram cerca de R$ 215,8 bilhões com medicamentos, um aumento de 9,5% em relação ao ano anterior, segundo a consultoria IPC Maps.
Os planos de saúde também pesam no orçamento dos idosos. “Ao atingir determinada idade, os reajustes são consideráveis, pressionando ainda mais o orçamento”, afirma Klouri. Desde outubro de 2022, a alta acumulada dos preços dos planos de saúde supera a inflação.
Envelhecimento da população torna necessário um rearranjo fiscal
O envelhecimento populacional pressiona os gastos públicos, especialmente com previdência e saúde. As reformas previdenciárias realizadas até agora, incluindo a de 2019, são consideradas paliativas e apenas adiaram o problema.
O sistema brasileiro permanece generoso e precisará de novos ajustes. O crescimento do número de microempreendedores individuais (MEIs) amplia o acesso à previdência e a arrecadação num primeiro momento, mas especialistas questionam a sustentabilidade do modelo no longo prazo.
Isso porque o MEI contribui à Previdência com valor menor que um trabalhador celetista, e no caso deste último ainda há a contribuição patronal. No momento da aposentadoria, porém, o MEI terá direito a um salário mínimo, mesmo valor mínimo pago aos celetistas.
Um estudo da Allianz, uma das maiores seguradoras globais, indica que o Brasil necessita de reformas moderadas a significativas no sistema previdenciário para garantir sustentabilidade e adequação. O país enfrenta desafios como sustentabilidade financeira, baixa cobertura de contribuintes ativos e a necessidade de fortalecer os ativos previdenciários.
A situação acontece em meio a um cenário fiscal que se agrava. Segundo o Banco Central, o endividamento público chegou a 76,2% do PIB em fevereiro, o pior resultado para o mês desde 2022. O país acumula 21 meses consecutivos de resultados primários negativos.
Com a expectativa de vida mais longa e a necessidade de muitos idosos continuarem trabalhando por insuficiência de renda, a pressão sobre o sistema previdenciário aumenta. “O sistema já é deficitário e não supre as necessidades da população”, diz Klouri.
A relação de envelhecimento ilustra o desafio: em 2010, havia 30,7 pessoas com 65 anos ou mais para cada 100 crianças de 0 a 14 anos; em 2022, esse número subiu para 55,2.
Feijó destaca que um rearranjo fiscal é inevitável. Os gastos previdenciários devem representar parcela crescente do déficit público. “Reformas estruturais são cruciais para garantir a sustentabilidade do sistema no longo prazo”, afirma.
A estrutura de gastos públicos precisará ser adaptada. Além da previdência, uma alocação estratégica maior pode ser necessária, direcionando recursos para saúde e educação. Isso é crucial para mitigar os efeitos negativos do envelhecimento da população e aumentar a produtividade da faixa etária mais jovem.
Investimentos em atenção primária e prevenção também são fundamentais para garantir a qualidade de vida na terceira idade. Essas iniciativas podem reduzir a demanda por serviços mais caros no futuro, melhorando, assim, a saúde e o bem-estar dos idosos.
Este é o primeiro capítulo da série de reportagens "Futuro ameaçado", que mostra os desafios econômicos do envelhecimento da população brasileira.