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Barreiras comércio exterior
Terminal de cargas do porto de Suape (PE): 10 de 77 barreiras às exportações brasileiras estão relacionadas ao ESG.| Foto: Gilberto Sousa/CNI

As barreiras sanitárias e os regulamentos técnicos ainda são as principais medidas que limitam a entrada de produtos brasileiros em outros países. Mas um novo tipo de restrição, relacionado a critérios ambientais, sociais e de governança – ESG, na sigla em inglês – vem ganhando força, principalmente nos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia (UE). Juntos, os três destinos responderam por 27% das exportações brasileiras no primeiro trimestre, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com 19 entidades empresariais elencou um total de 77 barreiras comerciais qualificadas e notificadas ao governo brasileiro. Dessas, dez estão relacionadas a critérios ESG.

Além de aumentarem os custos dos exportadores para atenderem às novas burocracias, prejudicando principalmente pequenas e médias empresas, os requisitos usados para justificar as barreiras podem ser questionáveis.

Um exemplo: com base em casos registrados em olarias, o Departamento do Trabalho dos EUA incluiu todo o setor de revestimentos cerâmicos do Brasil na lista de produtos ligados ao uso de mão de obra infantil ou forçada, desconsiderando as diferenças entre as duas cadeias produtivas. Em outra generalização, o setor de vestuário foi incluído na mesma lista.

Uma medida "antidesmatamento" em avaliação nos EUA, alerta a CNI, pode vir a desestimular todas as importações originárias de determinado país, desprezando esforços individuais das empresas. E um mecanismo em implantação na Europa, relacionado à taxação de carbono, poderá servir de restrição disfarçada ao comércio, apoiada na causa ambiental.

A gerente de comércio e integração internacional da CNI, Constanza Negri, diz que o surgimento desse tipo de barreira faz parte de um processo no âmbito internacional – especialmente na União Europeia – de proteção ao consumidor e da sustentabilidade. “Por outro lado, cria obstáculos, vai na contramão do acesso facilitado aos mercados e estabelece grandes exigências de compliance [conjunto de controles de integridade e transparência]”, diz ela.

Entre as questões ligadas ao meio ambiente, sustentabilidade e governança que se tornaram ou podem se tornar formas de restringir as exportações brasileiras estão:

  • trabalho infantil e/ou forçado;
  • desmatamento e questões ambientais;
  • emissões de dióxido de carbono; e
  • governança corporativa em casos de violação aos direitos humanos e problemas ao meio ambiente.

Trabalho infantil na mira dos EUA e da UE

O Departamento de Trabalho dos Estados Unidos (DoL) incluiu os segmentos brasileiros de revestimentos cerâmicos e vestuário na lista de bens produzidos por trabalho infantil e/ou forçado. O primeiro relatório foi publicado em 2009, incluindo as cerâmicas. Em 2012, foi incluído o ramo de vestuário.

Segundo a CNI, a medida representa um elevado risco para as exportações brasileiras e traz impacto negativo para as relações mercadológicas das atividades, uma vez que prejudica a imagem dos produtores nacionais.

Uma das queixas da indústria de revestimentos cerâmicos é de que as fontes utilizadas para inclui-la na lista do DoL se referem a olarias em geral. “Apesar de utilizarem a mesma matéria-prima, as empresas do setor de revestimentos cerâmicos e as olarias produzem bens diferentes e a lista desconsidera as diferenças entre as duas cadeias produtivas”, cita documento da CNI.

A indústria de vestuário, desde a sua inclusão na lista, vem mantendo diálogo com o DoL e apresentado regularmente informações técnicas sobre as condições de trabalho. Os técnicos do departamento americano argumentam que não podem retirar os setores brasileiros da lista sem um estudo de campo que comprove a “significativa redução do problema”.

A Comissão Europeia – órgão do bloco que trata de políticas de comércio, meio ambiente, justiça, segurança e outras – adotou, em 2022, uma proposta de regulamento para proibir a comercialização, exportação e importação pelo bloco de produtos feitos com trabalho forçado, incluindo o infantil. A CNI avalia que os principais impactos dessa medida podem ser danos à reputação das empresas, dos setores e do próprio país.

A proposta inclui os produtos importados e os produzidos internamente na União Europeia, tanto para consumo interno quanto para exportação. Embora a medida não tenha alvos específicos, a comissão destacou que os ramos têxtil, mineral e agricultura, bem como alguns setores de serviços, são os mais frequentemente citados em ocorrências de trabalho forçado.

Governos americano e britânico podem adotar medidas antidesmatamento

Outra restrição nos EUA que pode impactar as exportações brasileiras é a proibição da importação de commodities e produtos derivados provenientes de terras desmatadas ilegalmente. O Senado americano apresentou uma proposta legislativa em 2021 e, embora ela tenha expirado, o governo norte-americano já demonstrou que pretende implementar uma medida de combate ao desmatamento.

A CNI avalia que a medida poderá gerar custos elevados para as empresas se adaptarem e afetará 9,4% das exportações brasileiras. Produtos como gado, óleo de palma, soja, cacau, café, celulose e borracha seriam afetados.

A confederação aponta que as informações disponibilizadas pelo governo dos EUA sugerem que no futuro o país pode adotar medidas "potencialmente discriminatórias". Como, por exemplo, "destacar qualquer país em particular e desincentivar todas as importações originárias dele, além de desconsiderar os esforços individuais das empresas".

Medida parecida está em análise pelo governo britânico. A legislação deve exigir que grandes empresas que usem na produção ou vendam commodities de risco florestal realizem auditorias em suas cadeias de fornecimento e divulguem relatórios com o objetivo de combater o desmatamento ilegal, por meio do cumprimento das legislações de proteção ambiental dos países de origem das commodities.

A lista de produtos depende de legislação secundária, mas segundo a CNI inclui carne bovina, couro, cacau, óleo de palma, borracha, soja, milho, café e derivados desses produtos. A medida pode implicar custos adicionais e operacionais, perda de grande fatia de mercado para produtores de outros países e possível queda nas exportações.

Medida similar pode ser aplicada ainda neste ano pela União Europeia. Proposta que deve ir a votação no Parlamento Europeu busca aumentar a transparência da cadeia de fornecimento, promover o consumo de cadeias livres de desmatamento, promover a biodiversidade, direitos humanos e combater mudanças climáticas.

A confederação aponta que a medida prevê a obrigação de auditoria por transação, para provar que os produtos não estão associados ao desmatamento, bem como a legalidade de acordo com a legislação aplicável e em vigor no país de produção. Caso as obrigações não sejam atendidas, a UE proibirá que os produtos sejam colocados ou disponibilizados em seu mercado.

Os impactos comerciais, de acordo com a CNI, serão custos elevados para as empresas se adaptarem, perda de grande fatia do mercado europeu para concorrentes de outros países e possível queda nas exportações.

Questão climática incorporada aos negócios

A União Europeia assumiu a liderança na implantação do mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, na sigla em inglês), que corresponde à cobrança de tributos por países que taxam emissões de carbono ao importar produtos de outras nações que não o fazem. A medida incorpora a questão climática nas práticas comerciais. E deve ser votada ainda neste ano pelo Parlamento Europeu.

Segundo Negri, da CNI, a medida afeta principalmente produtos intensivos em energia, como os siderúrgicos, alumínio, cimento e fertilizantes.

Os principais impactos econômicos da medida sobre os produtos brasileiros são:

  • custos de reajuste do processo produtivo e ônus administrativos adicionais;
  • dificuldade de acesso ao mercado europeu; e
  • perda da participação no mercado europeu para outros países.

A CNI considera que o mecanismo, em fase de aprovação pela União Europeia, pode ser um recurso discriminatório ou que objetiva introduzir uma restrição disfarçada ao comércio internacional apoiada na causa ambiental.

A futura legislação europeia foi questionada na Organização Mundial do Comércio por diversos países no Comitê de Acesso a Mercados, no Conselho para o Comércio de Bens e no Comitê de Comércio e Meio Ambiente.

UE estuda barreira relacionada a governança sobre meio ambiente e direitos humanos

A União Europeia também pretende adotar diretiva sobre dever corporativo de auditoria (due dilligence), com o objetivo de identificar, prevenir e mitigar efeitos adversos ao meio ambiente e violações a direitos humanos, sejam eles causados por operações das empresas, de suas subsidiárias ou de terceiros com os quais possuam relações comerciais estabelecidas, mesmo se em outros países.

A CNI projeta que a medida será excessivamente onerosa aos exportadores, especialmente as pequenas e médias empresas, uma vez que gerará custos e ônus operacionais adicionais, ônus de transparência e de adaptação. Todos os setores exportadores deverão ser afetados.

Segundo a entidade empresarial, há a preocupação de que os produtores brasileiros se vejam confrontados com um cenário altamente fragmentado para suas exportações, uma vez que outros países podem adotar medidas semelhantes, resultando em exigências diferentes, acumulando custos de adaptação, além de aumentar a probabilidade de sofrerem discriminação por importadores.

Europa pode estabelecer padrões para reclamações ambientais

Outra diretriz da Comissão Europeia pretende uniformizar metodologias que embasam alegações de caráter ambiental ou de sustentabilidade. O órgão aponta que a multiplicação de padrões privados e as alegações não padronizadas fragilizam a atuação de agentes de mercado, como consumidores, empresas, investidores e administradores públicos.

A medida está em processo de adoção na UE e pode atingir diversos produtos, como suco de frutas, produtos hortícolas, carnes e alimentos processados, assim como produtos não agrícolas.

Os impactos comerciais podem ser eventuais discriminações dos consumidores europeus e danos reputacionais a produtores e exportadores brasileiros, mesmo seguindo todas as normas e padrões aplicáveis.

A CNI avalia que a obrigatoriedade de metodologias unificadas para alegações ambientais poderá restringir o acesso ao mercado europeu de maneira injustificada, ao impor regras mais restritivas para o comércio do que o necessário para se atingir os objetivos de sustentabilidade e confiabilidade do consumidor.

A entidade teme que a medida facilite comportamento discriminatório frente aos produtos importados pelo bloco. “Por consequência, se ampliarão os danos reputacionais a produtores e exportadores brasileiros, mesmo seguindo todas as normas e os padrões aplicáveis", diz o estudo da CNI.

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