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“Se nos preocuparmos em importar conhecimento e não máquinas, como é o costume brasileiro, conseguiremos avançar.”Júlio Félix, diretor-presidente do Tecpar | Daniel Catellano/ Gazeta do Povo
“Se nos preocuparmos em importar conhecimento e não máquinas, como é o costume brasileiro, conseguiremos avançar.”Júlio Félix, diretor-presidente do Tecpar| Foto: Daniel Catellano/ Gazeta do Povo

A flexibilidade para se adaptar a momentos difíceis e a capacidade de inovar para alcançar maior competitividade são algumas das qualidades mais importantes para as empresas. Mas apesar do esforço do Legislativo, na última década, e também das próprias empresas, processos e produtos realmente inéditos ainda são difíceis de encontrar no Brasil.

Em uma conversa com a Gazeta do Povo, dois especialistas – Mansueto de Almeida Junior, economista da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Diset/Ipea), e Júlio Félix, diretor-presidente do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) – falaram dos desafios que o país tem pela frente para corrigir falhas na gestão de recursos e incentivos destinados a pesquisa e desenvolvimento (P&D, no jargão acadêmico).

Hoje a inovação é uma "tarefa" feita mais na universidade que nas empresas. Há como equilibrar isso e aumentar a troca entre as duas instâncias?

Mansueto | Na teoria, a Lei de Inovação (10.973/2004) e a Lei do Bem (11.196/2005) mudaram a legislação e criaram mecanismos para que as empresas inovassem mais. Na década de 1990, para uma empresa ter algum benefício com P&D tinha de elaborar um projeto e mandá-lo para o Ministério de Ciência e Tecnologia. Desde 2005, ela pode contabilizar o investimento e descontá-lo do imposto de renda. Ainda sim, as regras não são muito claras e provocam certa insegurança jurídica. O Brasil também tem um número grande de multinacionais que investem muito pouco em P&D aqui, fazendo isso em suas matrizes no exterior.

Júlio | Bom, quem inova é a empresa. Mas no Brasil os pesquisadores estão nas universidades. Então, como fazer? No caso do Paraná, a Lei de Inovação estadual, que deve ser encaminhada para votação ainda neste ano, pode ser o caminho, já que ela regula a relação entre o pesquisador/acadêmico e a empresa. Hoje, a carreira do profissional pesquisador se define pelo número de artigos científicos e estudos conduzidos e publicados. A mudança começa a partir do momento em que temos um documento que define que ele também pode participar dos resultados financeiros de uma inovação desenvolvida para uma empresa e que isso também representa possibilidades de ganho e ascensão na carreira. É claro que é algo que vai demorar, mas vai acontecer.

É preciso um canal, como um departamento ou uma gerência, para isso dentro da empresa?

Mansueto | Teoricamente sim, mas as empresas brasileiras gastam pouco em P&D e poucas delas têm um setor interno voltado para pesquisa. Uma das razões é que, em alguns setores econômicos, como o de alimentos, você precisa gastar menos com P&D para ser competitivo. Há também a questão do mercado-alvo. Uma empresa francesa olha o mercado comum europeu, enquanto que a brasileira olha o mercado interno e não precisa se esforçar tanto para ser diferente.

Júlio | Depende da complexidade do negócio. Uma nova regra da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que está na fase final de edição, vai ajudar nisso, porque vai dar parâmetros, de acordo com o tamanho da empresa e outras diretrizes, para se decidir se a empresa deve ter um departamento para isso ou não.

Quando pensamos em inovação, o que é próprio do comportamento brasileiro?

Mansueto | No Brasil, o que predomina é a aquisição de tecnologia, de máquinas que melhoram processos, e a atração de investimento externo. A última Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), do IBGE, estudo que mede esse esforço de inovar, referente a 2008, mostra que a taxa de inovação na indústria brasileira é 38,1%. Mas se você perguntar o índice na criação de um produto novo no mercado nacional (algo inédito) a taxa é só de 4,1%. Ao mesmo tempo, o estoque de investimento direto externo no nosso país é de 24,4% do PIB, enquanto que o da Coréia e do Japão são de 12,7% e 3%. Essa opção de comprar a tecnologia e não de desenvolvê-la, controlando o investimento externo, é o que resultou nessa diferença entre as indústrias da América Latina e da Ásia, segundo Alice Amsden, professora do MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Júlio | Se nos preocuparmos em importar conhecimento e não máquinas, como é o costume brasileiro, conseguiremos avançar. Tentar repatriar nossos profissionais que estão lá fora ou mesmo trazer pesquisadores, ainda que estrangeiros, mas que tenham uma competência específica e necessária também é importante.

O Brasil está incentivando devidamente a inovação e a descoberta de novas tecnologias e ferramentas de gestão?

Mansueto | O Brasil não está tão ruim quanto parece. Nas pesquisas do Fórum Econômico Mundial, o país é um dos top 30 na capacidade de inovar. Embora invistamos pouco nisso, cerca de 1,2% do PIB, o fazemos mais que a Itália e a Nova Zelândia. Ainda falta melhor gestão, simplificação de regras e maior regulação (exigências que incentivem a inovação, como no setor automotivo). No mais, a inovação não é a solução para todos os nossos problemas. O alto peso tributário e os obstáculos em infraestrutura ainda são os principais entraves.

Júlio | Eu acredito que o Brasil teve um salto grande com a Lei de Inovação e também com a subvenção de recursos públicos para pesquisa. É suficiente? Não. É preciso mais avanço no arcabouço jurídico, principalmente porque colocar dinheiro público na mão de empresa privada ainda é mal visto por alguns.

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