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Pelas regras do Banco Central, a ata do Copom só é divulgada oito dias depois do comunicado sobre a decisão do comitê. Ler o documento não é um exercício simples. Não só por causa do palavreado técnico – na verdade, há até algum esforço para traduzir o documento para o português corrente, perceptível pela presença da expressão "dito de outra forma..." em dois ou três pontos do texto. A questão é que os diretores do Banco Central não costumam dizer as coisas de forma direta, mas de um jeito que exige algum esforço para decifrar a intenção oculta por trás de cada frase. Essa interpretação semântica do texto publicado ontem permite tirar algumas conclusões que você, provavelmente, ainda não ouviu:

1) o Banco Central não está mais perseguindo uma inflação de 4,5% ao ano, que equivale ao centro da meta. A regra brasileira permite uma variação de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo, o que implica uma "banda" de 2,5% a 6,5% para o IPCA. O texto diz que, no cenário com que o Copom trabalha, "a taxa de inflação posiciona-se em torno da meta" – sinal de que devemos esperar algo parecido com o que ocorreu no ano passado, quando o IPCA cravou 6,5% (ou seja, o teto da meta);

2) o Copom está preocupado com os aumentos salariais. O baixo nível de desemprego tem obrigado as empresas a elevar vencimentos para não perder seus funcionários qualificados. Segundo o Copom, esses reajustes podem estar ocorrendo sem que haja um aumento de produtividade. O comitê acha que esses assalariados, ganhando melhor, vão aumentar o nível de consumo, aumentando a demanda e gerando inflação;

3) a ata lista diversos argumentos mostrando que há incertezas no mercado internacional e tendências inflacionárias no horizonte brasileiro (entre elas o perigo dos aumentos salariais, mencionado acima). Mas também deixa claro que, mesmo que essas variáveis não estivessem dando esses sinais, haveria campo para reduzir juros porque a conjuntura brasileira assim o permite. "O Copom entende que ocorreram mudanças estruturais significativas na economia brasileira, as quais determinaram recuo nas taxas de juros em geral e, em particular, na taxa neutra", diz. A "taxa neutra" é uma variável econômica chave, uma espécie de segredo essencial. Teoricamente, é aquele valor mínimo que permite crescimento econômico sem provocar pressões inflacionárias;

4) o ciclo de queda nos juros está próximo do fim – ao menos por enquanto. A ata deixa claro que, ao aproximar-se do piso histórico, a Selic deve se estabilizar.

Pontos positivos: o Banco Central está forçando o mercado a aceitar que as melhorias no ambiente econômico brasileiro se convertam em juros menores e também acena com a dimensão do ciclo de queda nos juros, o que dá um pouco mais de segurança aos investidores e gestores. Pontos negativos: vamos, realmente, ter de nos acostumar com mais inflação do que vínhamos tendo em anos recentes, e o pior é que pretendem colocar a culpa disso no colo do assalariado.

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