Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
concorrência

Fusão de Carrefour e Pão de Açúcar preocupa produtor

Com um gigante no mercado varejista, fornecedores de alimentos teriam menos poder de barganha na hora de vender seus produtos

Loja do Pão de Açúcar em Curitiba: os franceses do Casino, sócios de Abilio Diniz na rede, prometem vetar fusão com Carrefour | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Loja do Pão de Açúcar em Curitiba: os franceses do Casino, sócios de Abilio Diniz na rede, prometem vetar fusão com Carrefour (Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo)

Setores agroindustriais estão preocupados com a possível fusão entre o Grupo Pão de Açúcar e a operação brasileira do Carrefour. Representantes de fornecedores de leite longa vida, trigo, carne bovina e café torrado e moído consideram que a alta concentração do varejo é negativa em termos de negociação, por causa da perda do poder de barganha. Também pode ser ruim para o consumidor final, na avaliação desses setores, pois a concentração nem sempre representa preços mais baixos nas prateleiras dos supermercados.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Super­mercados (Abras), a mercearia seca (cereais, farináceos, grãos etc.) representa a principal seção em termos de faturamento, com 23,4% do total em 2010. Os perecíveis (frios, laticínios, congelados) estão na sequência, com 13,8% de importância. Com análise separada dos demais perecíveis, o açougue teve 7,6% de participação e a seção de frutas, legumes e verduras ficou com 6,1% de representatividade. Outra área de peso para o setor foi a mercearia líquida, com participação de 12,2%.

O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszko­wicz, disse que a concentração no setor varejista é sempre danosa para os fornecedores, de maneira geral, e não deve ser diferente no caso da negociação de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil. "Os varejistas aumentam seu poder de negociação, o que pode significar pressão sobre os preços, contratos comerciais que se tornam difíceis de serem cumpridos pelo fornecedor, entre outros. Pior: esse tipo de movimento não significa que os preços dos produtos vão baixar ao consumidor", disse.

Herszkowicz considera, no entanto, que o movimento é inevitável por causa da forte concorrência no varejo. "O que se teme é o efeito de desigualdade de negociação, fazendo com que pequenas e médias empresas, principalmente, se tornem inviáveis como fornecedoras para as grandes redes", acrescentou. Conforme dados da Abic, os supermercados são o principal canal de distribuição do café, representando cerca de 70% de todo o produto vendido no país.

O diretor-executivo explicou que a negociação com as redes varejistas já é muito complicada hoje. "Os contratos apresentam diversos níveis de exigências, com as quais muitas vezes o fornecedor não tem condições de arcar", garantiu. Ele citou, por exemplo, descontos impositivos, menor preço em comparação com a concorrência e o chamado "enxoval" (mercadorias gratuitas para inauguração de novas lojas). Segundo Nathan, essa situação dificulta a participação de pequenas e médias empresas no grande varejo. "Hoje o número de marcas de café já é muito pequeno, cinco ou seis, nas grandes redes supermercadistas. Tempos atrás havia mais marcas, inclusive regionais, mas ocorreu uma seleção de fornecedores", concluiu.

Lácteos

A concentração também preocupa o segmento de lácteos, uma das cinco categorias mais vendidas nas redes do varejo de alimentos, considera Nilson Muniz, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV). "A indústria é penalizada. O processo beneficia mais o lado que está concentrado e gera uma relação desigual", afirmou. Toda a cadeia será pressionada, diz. "O comércio é o elo de ligação entre o produtor e o consumidor. E, no caso do leite, isso atinge mais diretamente o produtor. Não há milagres", afirma.

A entidade também vê com preocupação a possibilidade de ampliação das marcas próprias de leite da rede resultante da fusão. "Isso inibe a inovação e o desenvolvimento de novos produtos", opina. De acordo com dados da entidade, a produção de longa vida deverá alcançar 5,7 bilhões de litros em 2011, com faturamento de R$ 10 bilhões. As redes de supermercados são o principal canal de vendas do segmento.

Trigo

Para um executivo do setor moageiro, se hoje a indústria de farinha de trigo já arca com custos expressivos para colocar seu produto em destaque nos supermercados, ou tê-lo em iguais condições entre as demais marcas, a prática ficará ainda mais onerosa com a junção dos dois grandes varejistas. Nas palavras desse empresário, a economia perde com o que chamou de "ditadura do varejo", pois são os pequenos e médios comerciantes – os que mais contratam mão de obra – os maiores prejudicados pela concentração, já que terão dificuldade para negociar. Além da indústria, também o consumidor será prejudicado, disse a fonte, considerando que em algumas regiões a concorrência entre as duas empresas, que hoje faz diferença no preço, deixará de existir.

No setor de carnes, a apreensão é a mesma. "Estou preocupado há muito tempo com a concentração no varejo. É ruim para o consumidor e para as diversas cadeias do agronegócio", diz o presidente da Associação Brasileira de Frigo­ríficos (Abrafrigo), Péricles Sala­zar. Para ele, as margens do varejo vão ficar ainda maiores do que já estão.

O superintendente da Asso­ciação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari, considerou que processos de concentração são irreversíveis, mas ressaltou a importância de haver regras que protejam o consumidor. Uma pesquisa realizada pela Acrimat, junto com o Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), mostrou que, nos últimos cinco anos, enquanto a arroba do boi gordo se valorizou 85%, as peças comercializadas no varejo aumentaram 142%. "Alguém precisa ficar de olho nisso", alertou Vacari.

O executivo de uma grande fabricante de bebidas, que preferiu não se identificar, declara que toda concentração no varejo é ruim para o setor industrial. "Podemos perder nosso poder de negociação", afirma. "Mas vamos esperar o que vai acontecer, porque ainda há a briga entre os acionistas do Pão de Açúcar", completa, referindo-se ao grupo francês Casino, que hoje é sócio de Abilio Diniz no Pão de Açúcar e teria o direito de assumir o controle da rede em 2012. O Casino prometeu vetar a negociação, que na prática anularia a opção de controlar o Pão de Açúcar e ainda por cima reduziria sua participação na rede brasileira.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.