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China implantou lockdowns para enfrentar avanço na Covid-19, acentuando os problemas de inflação no mundo.| Foto: Alex Plavevski/EFE

Os gargalos na indústria, a guerra na Ucrânia e os lockdowns na China por causa da Covid-19 estão se refletindo no bolso do consumidor brasileiro. O descompasso entre oferta e demanda está se refletindo em custos mais altos para o setor industrial, e parte dessa pressão tem sido transferida aos preços finais.

Mais dinheiro está sendo deixado nos caixas dos supermercados. Os alimentos e bebidas acumulam uma alta de 7,56% desde o início do ano, segundo o IBGE. Nesse período, a inflação geral medida pelo IPCA foi de 4,78%.

Combustíveis também estão pesando mais no bolso. No ano, a gasolina acumula alta de 8,83% e o diesel ficou 28,49% mais caro. E o cenário tende para novos aumentos. Na tentativa de evitá-los, o governo está pedindo à Petrobras para segurar a alta, ao mesmo tempo em que o Congresso aprova projetos para reduzir a tributação.

Uma pesquisa feita pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) mostra outro impacto da elevação na vida dos consumidores: metade dos entrevistados (51%) acredita que a sua vida financeira e familiar só irá se recuperar após 2022, ou nem isso. Quando pensam na recuperação da economia do país, é mais elevado o contingente de pessimistas (77%). Alinhados com esse sentimento, 66% têm expectativa negativa também no que se refere ao crescimento do país.

“O cenário internacional segue bastante incerto, contribuindo para as pressões inflacionárias por meio da alta dos preços das commodities”, apontam analistas da XP Investimentos. A economista-chefe da seguradora de crédito Coface América Latina, Patrícia Krause, espera que, para os próximos meses, os preços de commodities não energéticas fiquem mais estáveis.

A corretora ressalta que, com os custos de produção em alta e a escassez de insumos, a inflação de produtos industrializados fica mais elevada. É uma preocupação que, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi herdada dos piores momentos da pandemia da Covid-19.

A entidade empresarial aponta que este problema tornou a maior preocupação do segmento industrial a partir do segundo trimestre de 2020, ultrapassando a elevada carga tributária e a demanda interna insuficiente como problemas que historicamente afetam o setor.

Patrícia diz que o cenário está desafiador para a atividade industrial no Brasil, apesar do crescimento na margem nos últimos três meses. No primeiro quadrimestre, entretanto, a produção industrial acumula uma queda de 3,4% em relação a igual período do ano anterior, aponta o IBGE.

Nos últimos meses houve episódios de falta de produtos por escassez de insumos para sua fabricação. Mais de 90% dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) usados pela indústria brasileira são importados, quase 70% da China.

Ficou mais difícil encontrar, em farmácias e hospitais, medicamentos como dipirona injetável (analgésico e antitérmico). Também há relatos, em alguns municípios, de falta de amoxicilina (antibiótico), neostigmina (utilizado em anestesias) e ocitocina (usado para induzir o parto por razões médicas).

Alta nos custos para as empresas

A alta nos custos industriais, que atingiu 18% nos 12 meses encerrados em abril, segundo o IBGE, superou as expectativas para mais de 70% das empresas do setor industrial, aponta a confederação. Os segmentos que mais sentiram essa elevação foram os de biocombustíveis, metalurgia e veículos automotores.

Patrícia considera que a guerra na Ucrânia e os bloqueios na China, por causa dos casos de Covid-19 nas regiões de Shenzhen e Xangai, um dos principais polos econômicos do país asiático, representaram um novo choque para a cadeia global de suprimentos. Empresas na região chegaram a fechar e a movimentação nos portos diminuiu. Também há problemas com escassez de contêineres.

A indústria alimentícia é uma das que enfrentam problemas por causa do aumento nos custos de matérias primas, embalagens e energia. O segmento diz que, após dois anos de sucessivas altas, a capacidade de absorvê-las e evitar repasses ao consumidor é é limitada. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (Abia) aponta que 60% dos custos de produção dos alimentos vem das matérias-primas, embalagens e energia.

A entidade aponta que é fundamental e urgente a adoção de medidas governamentais para ampliar a disponibilidade de matérias-primas essenciais à produção de alimentos.

“A redução temporária no imposto de materiais de embalagens e insumos pode contribuir para garantir o abastecimento interno, minimizar o impacto nos custos de produção e no valor final para o consumidor”, informa a associação por meio de comunicado.

A indústria têxtil e de confecções também vem sentindo esses reflexos: o algodão, uma das principais matérias-primas do segmento, teve um aumento de 60,5% nos últimos 12 meses, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP).

“O preço está nos maiores níveis em dez anos”, reclama o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. Alguns dos principais produtores, como os Estados Unidos, a Índia e o Brasil devem colher menos algodão neste ano.

Mas a tendência é de um alívio nos preços a partir do segundo semestre, quando começa a ser colhida mais uma safra. Nos últimos 12 meses, as roupas aumentaram mais do que a inflação. Enquanto elas ficaram 17,35% mais caras, de acordo com o IBGE, o IPCA variou 11,73%.

O problema também foi enfrentado pelos fabricantes de material para construção. “A alta nos custos dos fretes foi uma surpresa para a gente”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), Rodrigo Navarro.

Além dos custos, o segmento enfrenta outro problema: está em negociações com o governo de São Paulo para tentar evitar o aumento da carga de impostos, por meio de mudanças no mecanismo de substituição tributária.

Gargalos dificultam acesso a insumos e matérias-primas

Um problema enfrentado pela indústria é a dificuldade em adquirir insumos e matérias-primas dentro dos prazos: 43% da indústria extrativa e de transformação e 52% da de construção afirmam ter esse problema. No caso dos importados, o percentual foi de 64% para a primeira e de 36% para a segunda.

É um problema que foi sentido pela maior parte da indústria automobilística, afetada, principalmente, pela produção de microprocessadores. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), entre janeiro e maio houve 16 paradas de fábrica. Cada unidade ficou, em média, quase 21 dias sem produzir.

Outros insumos que tiveram problemas em sua logística foram borracha, cabos e resinas. “Ao todo, deixaram de ser produzidos 150 mil veículos. É um número preocupante, por causa do efeito cascata da indústria”, diz o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite.

A alternativa para o segmento tem sido trabalhar com mais planejamento ainda, para tentar manter o nível de produção. Maio foi o melhor mês do ano: foram fabricadas 206 mil unidades.

No período de 12 meses até abril, os preços de insumos e matérias-primas da indústria de veículos automotores, reboques e carrocerias aumentaram, em média, 14,86%. Os fabricantes estão repassando a alta para os preços. No período, o preço do carro novo aumentou 17,58%, segundo o IBGE.

Industriais esperam que normalização venha só em 2023

A normalização na indústria não deve vir tão cedo: o percentual de empresas que acredita que a solução virá só em 2023 passou de 10%, em outubro, para 25%, em maio.

Porém, o diretor comercial da integradora logística Asia Shipping, Rafael Dantas, acredita que o pior já passou. Um dos motivos para isso, segundo ele, é a queda de 41% nos fretes nas rotas transpacíficas, comparativamente ao mesmo período do ano passado.

Uma das estratégias para tentar contornar o problema é a substituição de fornecedores. A CNI aponta que a maioria das empresas está partindo para essa solução. É o caso de 64% das empresas da indústria extrativa e 56% das de construção.

A situação é pior quando se trata de insumos e matérias-primas importados: 72% das empresas das indústrias extrativa e de transformação vêm fazendo isso. Entre as de construção, o percentual aumenta para 76%. E uma das alternativas é trocar fornecedores estrangeiros por nacionais.

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