• Carregando...
Governadores imposto gasolina
Imposto da gasolina caiu com a implantação do teto do ICMS, causando perdas de arrecadação aos estados, que agora pressionam por mudança.| Foto: Antônio Lacerda/EFE

Contabilizando perdas de arrecadação com a redução de alíquotas do ICMS que entrou em vigor em meados de 2022, governadores pressionam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a encontrar uma solução para recompor os orçamentos estaduais.

Depois de um encontro com Lula e ministros no fim de janeiro, chefes de Executivos estaduais retornam a Brasília nesta terça-feira (7) para uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e secretários da pasta – entre eles, Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária. O principal tema da conversa, agendada para 16 horas, é novamente o ICMS.

Segundo o Fórum de Governadores, as leis complementares 192 e 194 – patrocinadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e aprovadas pelo Congresso no ano passado – resultaram em perdas de mais de R$ 38 bilhões por ano aos caixas estaduais. Essas leis alteraram a sistemática de cobrança e impuseram um teto para o ICMS de combustíveis, energia elétrica, transporte coletivo e comunicações – produtos que passaram a ser considerados "essenciais" pelo texto constitucional.

No conjunto dos estados, a arrecadação com ICMS caiu quase 8% em 2022, levando a uma queda de 4,7% nas receitas tributárias totais, que fecharam o ano em R$ 680,2 bilhões, de acordo com o jornal "Valor Econômico".

Nesta terça, Haddad deu a entender que o governo federal está disposto a ajudar os estados. "Temos hoje uma reunião com os governadores pra corrigir a lambança que foi feita no ano passado com as leis complementares 192 e 194", disse o ministro ao sair de um encontro com a ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Estados e União firmaram um acordo no fim do ano passado, intermediado pelo STF, para manter parte da desoneração no diesel, gás natural e GLP (gás de cozinha). Porém, ficou sem definição a questão do teto do ICMS da gasolina e a compensação federal pelas perdas de arrecadação.

Estes dois itens, segundo o acordo, devem ser discutidos em novas comissões neste ano, mas os governadores se apressaram em pedir uma solução diretamente ao presidente Lula. No encontro do fim de janeiro, Lula se comprometeu a trabalhar com Haddad e Tebet para encontrar uma saída para o impasse.

Helder Barbalho (MDB), governador do Pará, disse após aquela reunião que Haddad se comprometeu a “estar junto com o conjunto de governadores que vão discutir a recomposição do ICMS ouvindo, no primeiro momento, o STF a respeito da constitucionalidade de determinadas medidas que fragilizam as condições fiscais dos Estados e da própria União”.

“O ministro Haddad disse que vai tratar dessa pauta com carinho, que vai marcar reuniões para tratar dessa questão do ICMS”, completou Celina Leão (PP-DF), governadora em exercício do Distrito Federal. Além da compensação pelas perdas de arrecadação, a questão da gasolina é a mais sensível aos governadores.

Ainda em 2022, o STF já havia autorizado vários estados a compensar suas perdas com a redução do ICMS, por meio do abatimento de dívidas com a União, por exemplo. Foram beneficiados Acre, Alagoas, Maranhão, Minas Gerais, Piauí, São Paulo e Rio Grande do Norte.

Nesta segunda-feira (6), o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal faça a compensação imediata, e mensal, das perdas sofridas pelo Espírito Santo. Ele suspendeu, para esse estado, norma do Ministério da Fazenda que determinava compensação com base na comparação entre os últimos bimestres de 2022 e 2021.

Gasolina é produto essencial? Governadores acham que não

O ICMS da gasolina foi o que mais caiu após a aprovação das leis complementares pelo Congresso. Em muitos estados as alíquotas eram próximas de 30%, chegando a 31% em Minas Gerais e 34% no Rio de Janeiro. Com o teto, os porcentuais foram limitados à alíquota padrão cobrada pelos estados nas demais operações – que era de 17% ou 18% e agora está sendo reajustada para até 22% em várias unidades da federação.

Somado à redução nos preços cobrados pela Petrobras, o ICMS mais baixo colaborou para uma queda de 26% no preço médio da gasolina em 2022.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, reconheceu que a alíquota cobrada antes era alta, mas disse que considerar a gasolina um item essencial – e, portanto, sujeito a imposto limitado – é algo que precisa ser revisto.

“Isso pode ser um acordo no sentido de ter uma cobrança menor de alíquotas, mas [a essencialidade] precisa sim ser revista”, disse o governador gaúcho após a reunião com Lula em janeiro.

O eventual fim do teto do ICMS da gasolina, menos de um ano após sua criação, liberaria os estados a retomar a cobrança de alíquotas mais altas sobre esse combustível – o que teria o efeito imediato de elevar os preços para o consumidor.

Em sentido oposto à pressão dos governadores, o Instituto Combustível Legal (ICL), formado por empresas distribuidoras, defende a essencialidade de todos os combustíveis, aliada à uniformização do ICMS no país e à cobrança do tributo apenas uma vez na cadeia de produção e distribuição – pontos que também foram estabelecidos pelas LCs 192 e 194, mas que ainda não entraram plenamente em vigor.

A entidade considera essa combinação fundamental para combater a sonegação de impostos – combate que, em sua avaliação, compensaria a perda de arrecadação com a mudança das alíquotas.

Emerson Kapaz, presidente do ICL, afirma que o governo deixa de arrecadar R$ 14 bilhões ao ano por fraudes cometidas, principalmente na venda de combustíveis de um estado para o outro. Em reunião com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, na última quarta (1.º), Kapaz ressaltou a importância de se discutir isso em lei, pois “dá previsibilidade arrecadatória e facilita o trabalho de fiscalização”.

Uma das saídas, segundo ele, é a caracterização da figura do devedor contumaz de impostos, estabelecida pelo projeto de lei complementar 164/2022, que tramita no Senado. O texto, de autoria do ex-senador Jean Paul Prates (PT), atual presidente da Petrobras, propõe que os Estados e o Distrito Federal podem cobrar os tributos à vista de contribuintes que sejam identificados ao deixarem de pagar impostos propositalmente.

Kapaz diz que o vice-presidente se mostrou favorável ao retorno da discussão no Senado, interrompida no fim de 2022 pelo recesso parlamentar.

O presidente do ICL observa que a desoneração de PIS e Cofins da gasolina e do etanol deve terminar no fim do mês, o que vai provocar o aumento no preço dos combustíveis a partir de março.

Essa reoneração tributária se somará à expectativa de alta do petróleo no mercado internacional, com a reabertura da China após a flexibilização das medidas de combate e controle da Covid-19, e à perspectiva de longa duração da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

“Portanto, é fundamental que o governo pense em medidas para garantir que o mercado interno de combustíveis não seja responsável pelo aumento da inflação”, completa Kapaz.

Reforma tributária prometida por Haddad pode gerar outro impasse com governadores

Além da discussão da compensação pelas perdas com a redução do ICMS, a reforma tributária sobre o consumo, que Haddad quer aprovar ainda neste semestre, pode gerar outro impasse entre os estados e o governo.

Os principais projetos de reforma em discussão fundem ICMS e tributos federais e municipais sobre consumo em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será compartilhado entre os entes da federação. A questão vai depender de muita negociação, já que as alíquotas do ICMS variam de um estado para o outro.

“Se esse esforço [da reforma tributária] caminhar até o meio do ano, vamos ter que prestar atenção ao capítulo dos combustíveis, de como vão ficar os impostos dos combustíveis, que pode mudar toda essa discussão [da incidência e da compensação das perdas do ICMS]. Pode ser que venha uma política de um peso menor de impostos no preço dos combustíveis, ou não”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).

Davi Marques, professor de Direito na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, diz que, se a reforma tributária andar, essa discussão do ICMS pode se alongar por anos – ele estima algo em torno de 25 anos para “digerir os efeitos”.

As propostas em tramitação no Congresso, segundo ele, tiram a titularidade de tributos dos estados e municípios e os deixam “à mercê da boa vontade da União" na divisão das arrecadações correspondentes ao ICMS, estadual, e ISS, municipal.

Um estudo realizado em dezembro pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) apurou que o ICMS recolhido apenas da gasolina corresponde a 6% do montante arrecadado em 18 de 20 estados pesquisados, seguido pelo diesel (5,6%) e demais combustíveis (4,1%).

Foi a partir deste estudo que 12 estados reajustaram as alíquotas gerais do imposto, para compensar parte das perdas provocadas pelas leis complementares 192 e 194.

No entanto, para João Elói Olenike, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), esse reajuste das alíquotas e mesmo o pedido de compensação das perdas são frágeis e carecem de mais transparência – algo que, segundo ele, nem governo federal nem STF estariam levando em consideração.

“A desoneração, na verdade, tem um efeito inverso ao que os governadores falam. Ao se diminuir o imposto de 30% para 17% ou 18%, sobra mais dinheiro para o contribuinte gastar em outros itens de consumo, que também vão gerar arrecadação de ICMS, de PIS, de Cofins", diz Olenike. "Os governadores dizem que tiveram perdas com os combustíveis, mas não mostram se outros setores tiveram aumentos de arrecadação, se baseiam em apenas três itens de produtos e serviços”, completa.

O tributarista avalia que os estados estão tomando decisões para arrecadar mais no curto prazo sem pensar nos benefícios que poderiam surgir à frente, como aumento do consumo e consequente crescimento da arrecadação através de outros produtos.

Para Olenike, o ideal seria analisar toda a arrecadação do ICMS de um ano para o outro, comparando quais setores tiveram perdas com os que arrecadaram mais e, a partir disso, discutir eventuais compensações.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]