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A taxa básica de juros – a Selic, atualmente no maior patamar desde 2016 – é alvo frequente de políticos e autoridades. No entanto, a ferocidade com que se contrapõem à alta dos juros pode variar, por exemplo, conforme o ocupante da cadeira de presidente do Banco Central.
No Senado Federal, parlamentares alinhados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mostraram denunciantes contumazes dos valores “extorsivos” da Selic entre 2020 e 2024, quando Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), comandava a autoridade monetária.
Os mesmos parlamentares, no entanto, têm silenciado diante da atual alta na taxa de juros, que chegou a 14,25% ao ano sob a direção de Gabriel Galípolo, indicado de Lula para presidir o Banco Central.
Galípolo está no cargo desde janeiro, e desde então o Comitê de Política Monetária (Copom) já promoveu duas altas de 1 ponto na taxa, além de indicar mais um reajuste, de menor magnitude, na próxima reunião.
A Gazeta do Povo analisou pronunciamentos de senadores eleitos em 2018 e que, portanto, cumpriram seus mandatos tanto no governo Bolsonaro quanto na terceira gestão Lula. Com base no site Placar Congresso, foram selecionados os senadores com mais de 85% de alinhamento ao governo e de presença nas sessões.
Nove parlamentares se encaixam nesse perfil:
- Randolfe Rodrigues (PT-AP)
- Humberto Costa (PT-PE)
- Jaques Wagner (PT-BA)
- Leila do Vôlei (PDT-DF)
- Fabiano Contarato (PT-ES)
- Ângelo Coronel (PSD-BA)
- Dra Zenaide Maia (PSD-BA)
- Jorge Kajuru (PSB-GO)
- Rogério Carvalho Santos (PT-SE)
Foram selecionadas as falas desses senadores entre 1.º de janeiro de 2021 e 31 de março de 2025. O levantamento capturou 2.314 discursos durante a gestão Campos Neto (encerrada em dezembro de 2024) e 28 na administração Galípolo, iniciada em 2025.
A transcrição foi obtida por meio da página Atividade Legislativa do site do Senado, que reúne as falas proferidas no plenário, e os discursos foram analisados com auxílio da ferramenta Pinpoint, do Google.
Alta da Selic com Campos Neto foi alvo de críticas; com Galípolo, de silêncio
Durante a gestão de Campos Neto, os senadores fizeram referências críticas à Selic, taxa de juros, política monetária, ao Banco Central ou ao seu presidente em 48 pronunciamentos. No mesmo período, as ações do Banco Central foram elogiadas sete vezes, mais notadamente a partir da decisão do Copom de reduzir a taxa básica de juros em agosto de 2023, ainda sob o comando de Campos Neto. Além disso, Gabriel Galípolo foi elogiado em quatro pronunciamentos nesse período.
Durante a gestão do novo presidente do BC, no entanto, nos 28 discursos proferidos pelos senadores analisados até 31 de março, não houve sequer uma única menção à Selic — crítica ou não —, que já superou o maior patamar das taxas praticadas durante a gestão de Campos Neto.
Corte da Selic em 2023: mérito atribuído à gestão Lula
Em agosto de 2023, após permanecer praticamente um ano no patamar de 13,75%, o Copom votou para rebaixar a taxa básica de juros para 13,25%. Na ocasião, o senador Ângelo Coronel, em pronunciamento no dia 10/8, elogiou a decisão do Banco Central por contribuir “significativamente para a estabilidade econômica e para o bem-estar da nossa nação".
O senador ainda defendeu que a política monetária conservadora era uma questão de “justiça social" e que a “amplamente criticada” alta na Selic era uma consequência do esforço de ancoragem das expectativas de inflação e de um nível alto de endividamento público, elogiando Campos Neto por seu desempenho — um gesto um tanto quanto raro, senão único, entre os senadores analisados nesta matéria.
No mesmo dia, o senador Randolfe Rodrigues saudou o que interpretou como uma “perspectiva sustentável” de redução da Selic até o fim daquele ano. Na visão do senador, o corte na Selic foi uma resposta do BC aos êxitos econômicos do governo Lula. Segundo Randolfe, a gestão de Jair Bolsonaro havia se pautado pelo descumprimento do rigor fiscal, com medidas como a desoneração dos combustíveis e a ampliação de auxílios, levando ao aumento da taxa.
Contudo, tanto Coronel quanto Randolfe não se manifestaram após a nova escalada da Selic sob Galípolo, mesmo com a ata do Copom indicando nova alta na próxima reunião.
Indicadores econômicos servem ora para defender corte, com Campos Neto, ora para justificar alta da Selic, com Galípolo
Durante evento no início de abril pelos 60 anos do BC, Galípolo defendeu nova alta na Selic, citando o “dinamismo excepcional da economia brasileira”, com destaque para a queda no desemprego e aumento na renda das famílias.
O senador Randolfe Rodrigues, por outro lado, em pronunciamento de julho de 2023, usou a queda no desemprego para defender um corte na taxa básica de juros. Na ocasião, utilizou esse e outros indicadores econômicos para afirmar que a economia estava sob controle.
O atual líder do PT no Congresso ainda pediu que Campos Neto reduzisse a Selic “porque não tem mais nenhum argumento que mantenha a maior taxa de juros do planeta sobre a nossa economia”.
O senador do Amapá ainda disse que tinha certeza de que o Banco Central iria “sintonizar” com o Brasil, que estaria “retomando o seu crescimento econômico, que está possibilitando geração de emprego para a sua gente, enfim, que está sendo reconstruído”.
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Sob Campos Neto, Selic alta era “injustificável”, “absurda”, “sabotagem”
Também em julho de 2023, poucos antes de um ciclo de redução que levou a Selic a 10,5% ao ano em julho de 2024, o senador Humberto Costa, atual presidente do PT, afirmou que a taxa – então em 13,75% – era “absolutamente injustificada, um entrave total à retomada do crescimento do setor produtivo e, consequentemente, dos postos de trabalho".
Antes disso, em abril de 2023, Costa já havia classificado a taxa como “absurda e injustificável”, afirmando que o Brasil tinha a maior taxa de juros do mundo e que, naquele patamar, “asfixiava os negócios”, sendo um “entrave ao crescimento do país”.
“Essa fórmula deprime a economia, aumenta a dívida, encolhe o Produto Interno Bruto e só agrada aos rentistas. Com a taxa de juros alta, empréstimos ficam mais caros e empresas têm menos incentivos para investir e gerar empregos. A queda da Selic pode estimular o consumo e o investimento, gerando um ciclo virtuoso de crescimento econômico e geração de empregos", disse.
Em 30 outubro de 2024, teve início um novo ciclo de aumento da taxa de juros, que na ocasião passou de 10,75% para 11,25%. Na semana anterior, Costa chegou a dizer que os juros altos são uma “sabotagem ao Brasil” e chamou a Selic de “uma camisa de força reacionária".
Em dezembro, voltou a criticá-la como “extorsiva e indecente”, e relacionou sua alta com a valorização do dólar e o favorecimento de rentistas. Logo no início do mês, no dia 3, disse que mesmo com a taxa "extorsiva e indecente", o governo Lula estaria dando “constantes e expressivas demonstrações de solidez e consistência econômica, além de responsabilidade fiscal”.
No dia 18, ao criticar a alta do dólar – que, naquele momento, havia ultrapassado os R$ 6 –, o senador petista afirmou que, somada ao aumento na Selic, tratava-se de um “ataque coordenado para encher os bolsos dos especuladores e fazer a festa dos rentistas". Costa, assim como os demais senadores aqui analisados, não se pronunciou sobre as altas da Selic com Galípolo.
Campos Neto foi chamado de “inimigo do Brasil”
O senador Jorge Kajuru também foi um crítico contumaz da taxa básica de juros e do ex-presidente do Banco Central. No dia 3 de junho de 2023, ele chegou a afirmar que Campos Neto tinha ódio de Lula e que queria destruir o Brasil.
“O problema dele [Campos Neto] é que ele está sendo contra o Brasil no governo Lula. Não tem cabimento você concordar com essa taxa. Ela está nas mãos dele para destruir o Brasil, é o que ele quer", afirmou. "A sorte é que nós temos um ministro da Economia [sic] com a capacidade do [Fernando] Haddad", completou, referindo-se ao titular da Fazenda.
Em fevereiro do mesmo ano, Kajuru afirmou que a retomada econômica brasileira enfrentava um grande obstáculo: o patamar da Selic — então em 13,75%. O senador disse desconfiar que políticas monetárias conservadoras sejam realmente eficazes para conter a inflação.
“Mesmo em níveis altíssimos, as taxas básicas de juros não têm evitado seguidas elevações nas projeções de inflação, mas seguem fazendo a alegria dos rentistas, inviabilizando os investimentos para aumentar a capacidade produtiva do país", afirmou na ocasião.
A senadora Zenaide Maia também foi uma das parlamentares mais críticas à Selic durante a gestão Campos Neto. Em junho de 2023, por exemplo, afirmou que a inflação de “três e pouco por cento” — no acumulado de 12 meses, a inflação de maio de 2023 era de 3,94% — não justificava a manutenção da Selic em 13,75%. Segundo a senadora, nesse patamar, a taxa estava matando as micro e pequenas empresas e a geração de renda.
“Eu vou ficar aqui denunciando: isso é uma extorsão! Está extorquindo o povo brasileiro e aqui a gente está se calando diante dessa taxa de juros!", afirmou a senadora. Em 2024, ela ainda acusou o Banco Central de permitir que bancos cobrassem até “400% de juros ao ano” no cheque especial.
Tanto Zenaide Maia quanto Jorge Kajuru se mantêm em silêncio diante da atual taxa de 14,25% sob Galípolo.
Deputados criticam Selic alta; Galípolo fala em “remédio mais amargo”
Na celebração de 60 anos do Banco Central, deputados expressaram seu desagrado com os 14,25% da atual taxa de juros brasileira. Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) criticou a decisão unânime do Copom.
A alta na taxa de juros também foi criticada pelo deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que afirmou que, mesmo diante da redução de despesas do governo em relação ao Produto Interno Bruto em 2023 e 2024, a Selic praticamente anula o esforço fiscal, em razão do elevado custo que acarreta para a dívida pública.
Na ocasião, o presidente do Banco Central afirmou, que o remédio — os juros altos —, utilizado em políticas monetárias conservadoras mundo afora, talvez precise ser mais amargo no Brasil, reiterando seu compromisso com a meta da inflação e reforçando a tendência de novas altas para a Selic.
“Talvez os canais de transmissão da política monetária não funcionem aqui no Brasil com a mesma fluidez que costumam funcionar em outros países, e que eventualmente você precise dar doses maiores de remédio para conseguir o mesmo efeito", disse Galípolo.