A proposta de novo arcabouço fiscal que será apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta quinta-feira (30) tem como base um limite de crescimento de gastos equivalente a 70% da elevação de receita projetada. Os 30% restantes poderão ser utilizados para abatimento da dívida pública ou para composição de caixa.
Os detalhes do projeto foram divulgados pelo ministro em uma entrevista coletiva da qual participaram também a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e secretários do Ministério da Fazenda.
A intenção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é permitir aumentos reais de gastos, porém com um ritmo menor do que o da arrecadação, com a intenção de melhorar as contas no longo prazo. Pela atual regra do teto de gastos, em vigor desde 2016, a elevação de despesas está limitada à inflação do ano anterior.
O texto prevê ainda uma banda de flutuação de 0,25 pontos porcentuais para a meta de resultado primário a cada ano. Os alvos centrais preveem resultado primário neutro no ano que vem, superávit equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e de 1% em 2026, último ano do mandato do atual governo.
Um resultado primário acima do teto da banda de meta permitiria ainda a utilização do excedente para investimentos. Já se o governo descumprir o intervalo de meta de resultado primário, a variação do crescimento das despesas para o ano seguinte cairia para 50% da alta nas receitas.
Com o fim do teto de gastos, o novo arcabouço fiscal prevê ainda a retomada de gastos mínimos equivalentes a 15% da receita corrente líquida (RCL) para a saúde e de 18% para a educação, o que geraria um crescimento real de despesas para essas áreas acima do previsto para as demais.
Segundo declarou Haddad há pouco mais de uma semana, haverá um regime de transição para repor perdas da educação e da saúde desde a entrada em vigor do teto de gastos.
Gastos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e para a aplicação do piso salarial da enfermagem ficarão excluídos do limite, conforme já previsto na atual regra do teto de gastos.
Está prevista ainda uma trava para impedir que as despesas acompanhem o ritmo de alta das receitas em caso de elevações extraordinárias. O crescimento de gastos ficaria limitado a 2,5% ao ano, conforme a proposta.
Já no caso de queda na arrecadação, fica garantido piso de elevação de gastos de 0,6%.
Aumento de arrecadação virá de revisão de benefícios tributários, diz Haddad
Segundo Haddad, paralelamente ao novo arcabouço, devem ser encaminhadas ao Congresso nas próximas semanas propostas de revisão de benefícios fiscais, que ele chamou de “medidas saneadoras” e que podem gerar entre R$ 100 e R$ 150 bilhões até o fim do ano. O objetivo, de acordo com o ministro, é elevar a arrecadação sem aumento linear de carga tributária.
“Se por [aumento de] carga tributária se entende criação de novos tributos ou aumento de alíquota dos tributos existentes a resposta é ‘não está no nosso horizonte’. Não estamos pensando em CPMF, não estamos pensando em acabar com o Simples, não estamos pensando em reonerar a folha de pagamento, não é disso que se trata”, disse.
“Nós temos muitos setores que estão demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidas ao longo das décadas e que não foram revistas por nenhum controle de resultado. Muitas caducaram do ponto de vista de eficiência e precisam ser revogadas”, prosseguiu.
“Nós vamos, ao longo do ano, e já começando na semana seguinte à apresentação do arcabouço, encaminhar para o parlamento as medidas saneadoras que vão dar consistência para o resultado previsto nesse anúncio.”
A ministra do Planejamento disse considerar a proposta “crível”. “Eu já posso, pelo lado do Orçamento, afirmar para vocês, depois dos primeiros números já checados – nós vamos fazer uma dupla checagem depois que o texto estiver escrito – que essa regra fiscal é crível e, portanto, possível. Nós temos condições de cumpri-la de acordo com as metas estabelecidas”, afirmou Tebet.
Ela afirmou, no entanto, que o objetivo principal da nova regra não é reduzir despesas, mas ter qualidade nos gastos. “Nós estamos absolutamente tranquilos e convictos de que, se for da vontade do Congresso Nacional, aprovando esse arcabouço fiscal, nós conseguiremos atingir a meta, diminuir as despesas dentro do possível, mas esse não é o foco principal. O foco principal é ter qualidade do gasto público, ter receita suficiente para garantir minimamente aquilo que consideramos essencial em políticas públicas”
Governo quer aprovação de nova regra ainda em abril
Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o texto deve ser enviado ao Congresso ainda no início de abril, conforme prometido pelo governo. Ele acredita que não terá dificuldades na aprovação do texto até meados do mês.
“Tanto na reunião da Câmara dos Deputados ontem [quarta-feira], quanto hoje na reunião do Senado, um ambiente muito positivo de diálogo, tanto dos 17 partidos que compõem a base do governo, mas também dos partidos que se declaram de oposição”, disse em entrevista coletiva nesta manhã.
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), corroborou a declaração. “Há de nossa parte – eu senti de todos os líderes do Senado, inclusive da oposição – um compromisso absoluto com uma pauta que é fundamental para o Brasil, que é a disciplina e o equilíbrio fiscal em substituição ao teto de gastos públicos para ter uma correlação entre receita e despesa”, disse, após reunião com Haddad.
Para ser aprovado, o projeto de lei complementar precisa de maioria absoluta de votos tanto na Câmara quanto no Senado.
Reação do mercado ao arcabouço fiscal é positiva nos primeiros negócios do dia
Após grande expectativa em torno da proposta, a reação do mercado financeiro nos primeiros negócios do dia é positiva. Por volta de 10h30, o índice Bovespa, que reúne as principais ações negociadas na B3, chegou a subir 2,25%, enquanto o dólar caía 0,86%, cotado a R$ 5,09.
Apesar disso, há incertezas em relação à proposta, que ainda pode sofrer modificações no Legislativo. “Existem várias dúvidas entre os agentes de mercado acerca do cumprimento desses objetivos [de resultado primário], além de críticas relacionadas ao caráter pró-cíclico dos novos parâmetros”, diz comunicado da XP Investimentos.
“A proposta em si não cria avanços importantes, se comparada ao teto dos gastos vigente que não está sendo respeitado, mas ao mesmo tempo, evitou a criação de regras anticíclicas, ou seja, um avanço de gastos do governo em momentos de atividade econômica mais fraca e consequentemente, menor arrecadação”, avalia o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, em relatório a investidores.
“O problema com o crescimento real da despesa é a instabilidade das receitas, ou seja, alguns gastos do governo podem ser atrelados em um ano ao crescimento econômico mais acelerado e em tese, com maior espaço para gastos acima da inflação, como prevê a regra”, pondera.
Ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Márcio Holland disse ao jornal “O Estado de S. Paulo” que as metas de superávit primário da proposta não são suficientes para estabilizar a relação dívida/PIB.
Proposta recebeu aval de Lula na quarta-feira
O novo marco fiscal foi avalizado por Lula em uma reunião com Haddad na quarta-feira (29) no Palácio da Alvorada. Do encontro, participaram ainda a presidente do PT, Gleisi Hoffmann; o secretário executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo; o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE); a secretária executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e a ministra de Gestão e Orçamento, Esther Dweck.
Na sequência, a proposta foi apresentada a lideranças partidárias da Câmara dos Deputados na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Nesta quinta-feira, foi a vez de líderes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, conhecerem o texto.
“É uma proposta moderna, em linha com o que de mais avançado vem sendo praticado no mundo em desenvolvimento e desenvolvido, e eu penso que vai dar para o país uma trajetória de desenvolvimento sustentável, tanto do ponto de vista fiscal como do ponto de vista social”, disse Haddad no início da manhã.
Veja a apresentação do arcabouço fiscal preparada pelo Ministério da Fazenda
Você também pode conferir a apresentação neste link.
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