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Complexo Uruçu-Manaus
Termelétricas exigidas na lei de privatização da Eletrobras têm primeiro leilão, com contratação de 2 GW. Na imagem, terminal de abastecimento da província petrolífera de Urucu, no Amazonas, em registro de 2006. Gasoduto que vai até Manaus, inaugurado em 2009, é o único da Região Norte.| Foto: Ricardo Stuckert/Ministério do Planejamento

Está marcado para esta sexta-feira (30) um leilão que começa a cumprir a última obrigação traçada na lei de privatização da Eletrobras: a contratação de termelétricas movidas a gás natural em áreas que não têm suprimento do combustível. O compromisso surgiu de um "jabuti" inserido na legislação – o termo se refere a acréscimos feitos pelo Congresso que não têm relação com o tema original de um projeto de lei ou medida provisória.

Este primeiro leilão trata da contratação de reserva de 2 gigawatts (GW) – 1 GW em capacidade instalada para a região Norte, com entrega a partir de 2026, e mais 1 GW para o Nordeste, subdividido em até 300 MW para Maranhão e até 700 MW para Piauí, com entrega a partir de 2027.

No total, foi incluída na lei a previsão da contratação de 8 GW de geração termelétrica. O suprimento terá duração de 15 anos na modalidade "por disponibilidade", a ser iniciado entre 2026 e 2030. Os leilões para a contratação dos 6 GW restantes ainda não estão marcados. A estimativa é de que, a plena capacidade, o conjunto de usinas consuma cerca de 32 milhões de metros cúbicos de gás por dia.

Os 8 GW equivalem a pouco mais de 4% da atual capacidade de geração do parque elétrico brasileiro fiscalizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que soma 186 GW. Para efeito de comparação, a hidrelétrica de Itaipu – maior geradora de energia do país – tem potência de 14 GW.

Para o certame desta sexta, 37 projetos termelétricos a gás natural se cadastraram junto à Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, totalizando 11,89 GW de potência habilitável.

As diretrizes para o leilão da geração termelétrica foram detalhadas em portaria do Ministério de Minas e Energia, divulgada em junho. Terão preferência de contratação os empreendimentos termelétricos abastecidos com gás natural de origem nacional (para o Nordeste) ou da região amazônica (para o Norte).

Também consta das regras estabelecidas a previsão de inflexibilidade anual de 70%, o que quer dizer que as usinas contratadas só poderão interromper a geração durante até 30% do ano, mantendo operação ininterrupta, portanto, na maior parte do tempo.

Os projetos participantes deverão, ainda, comprovar a disponibilidade de combustível para manter operação contínua por um período mínimo de oito anos, período adicional de ao menos cinco anos e remanescente compatível com o tempo do contrato.

Aqui surge questão amplamente criticada desde a aprovação da lei de privatização da Eletrobras com a inclusão do "jabuti" termelétrico. O texto da lei prevê contratação de capacidade justamente em regiões metropolitanas "que não possuam na sua capital ponto de suprimento de gás natural".

Conforme Mapa de Infraestrutura de Gasodutos de Transporte, Distribuição e Escoamento existentes, elaborado pela EPE, a região Norte conta com uma única tubulação, no Amazonas. O Nordeste é mais bem servido, com infraestrutura de transporte correndo por todo o litoral desde de Fortaleza até o sul da Bahia, em conexão com o Sudeste; ainda assim, Piauí e o Maranhão são os únicos estados da região que não têm qualquer estrutura do tipo.

Deste modo, as diretrizes estabelecem que poderão participar do certame empreendimentos localizados em:

  • São Luís e Região Metropolitana da Grande São Luís (MA);
  • Região Metropolitana do Sudoeste Maranhense;
  • Teresina e Região Integrada de Desenvolvimento (PI);
  • Belém e Região Metropolitana de Belém (PA);
  • Região Metropolitana de Santarém (PA);
  • Macapá e Região Metropolitana de Macapá (AP);
  • Manaus e Região Metropolitana de Manaus (AM);
  • Palmas e Região Metropolitana de Palmas (TO);
  • Região Metropolitana de Gurupi (TO);
  • Rio Branco (AC); e
  • Porto Velho e Região Metropolitana de Porto Velho (RO)

Termelétricas do leilão são alvo de críticas e pedidos de cancelamento

A construção das usinas termelétricas nas localidades listadas obrigará a instalação de redes de abastecimento, não previstas nas tarifas. Na avaliação de críticos da inclusão das contratação na lei da Eletrobras, a situação promete carregar ainda mais ônus ao consumidor de energia, num cenário que já seria de alta de custos.

Este é um dos impactos econômicos citados pelo grupo Coalizão Gás e Energia, formado por organizações da sociedade civil como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), ao entrar com ação civil pública na qual pede o cancelamento do leilão desta sexta.

Conforme as entidades, a operação das termelétricas na modalidade inflexível (ou seja, ligadas pelo menos 70% do tempo ao longo de cada ano) tem potencial para acrescentar R$ 111 bilhões ao custo de operação e manutenção do sistema elétrico brasileiro até 2036 na comparação com cenário traçado no plano decenal energético (o PDE 2031, elaborado pelo governo federal).

O cálculo é do especialista do setor elétrico e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Dorel Soares Ramos, em parceria com o Idec.

Ainda segundo a Coalizão, esse tipo de geração caracteriza ônus ao conjunto de consumidores, com estimativa de elevar em 10% a conta de luz do brasileiro num cenário em que as usinas a serem contratadas de fato operem conforme o previsto na lei de privatização da Eletrobras.

Por fim, a organização avalia que a contratação de usinas termelétricas inflexíveis reduzirá o espaço de operação de fontes renováveis mais econômicas – como solar e eólica – e provocará desperdício de água pelas hidrelétricas já operantes de modo a abrir caminho a operação das usinas da gás em tempo integral.

Para o grupo, a inclusão da reserva de capacidade foi escolha política que "compromete os custos tarifários de todos setores econômicos e do consumidor doméstico, trazendo prejuízos à competitividade nacional", conforme pontua o especialista em transição energética e doutor em riscos e emergências ambientais Juliano Bueno de Araújo, integrante da Coalizão.

Além de pleitear pelo cancelamento do certame já marcado, o grupo tenta a revogação da contratação dos outros 6 GW previstos.

Outro grupo organizado, a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, também vem pressionando o Ministério em decorrência do que classifica como "distorções e ineficiências" do sistema elétrico brasileiro. Entre as demandas apresentadas está a revisão do leilão agendado para esta sexta.

O presidente do grupo e ex-diretor da ONS, Luiz Barata, afirma que a contratação prevista "representa um custo de R$ 4,7 bilhões por ano, nos próximos 15 anos" e crava que o país "não precisa dessa energia". "Estamos vivendo um momento de reservatórios cheios e pouco crescimento econômico. Esse é o momento de focarmos na modernização do setor elétrico. Já passou da hora de revertermos os custos da energia", completa.

Governo diz que realização do leilão é obrigação legal

Em resposta à Gazeta do Povo, o Ministério de Minas e Energia se limitou a destacar que "a realização do certame se torna necessária devido às obrigações de contratação de empreendimentos de geração termelétrica movida a gás natural impostas pela legislação".

Ao longo dos últimos meses, entretanto, alguns dos pontos criticados vem sendo rebatidos pela pasta. De acordo com o Ministério, os custos para a "construção de eventuais gasodutos estarão embutidos no valor do preço-teto do leilão" e estão traçadas estratégias para "melhor alocar a geração inflexível, bem como mitigar a possibilidade de ocorrência de vertimentos e o deslocamento da geração renovável".

Em nota quando da divulgação das diretrizes para o leilão, o MME afirmou que "foi identificada a necessidade de recomposição de lastro no longo prazo no sistema, em montante suficiente para absorver a demanda a ser contratada no certame, conforme estudos realizados pela EPE".

Na nota técnica citada, a EPE conclui que "para cada ano no horizonte de 2026 a 2030, foi identificada uma necessidade de recomposição de lastro na ordem de 2.200 MWmédios no longo prazo".

A pasta já defendeu, também, que os empreendimentos deverão apresentar requisitos de flexibilidade operativa "que proporcionem ao operador a possibilidade de modular a geração, inclusive para a parcela de geração inflexível", viabilizando uma operação "mais eficiente e com menores custos ao consumidor".

Embora o MME diga que o custo dos gasodutos já está embutido no preço-teto do leilão, o Congresso tem sido palco há alguns anos de seguidas tentativas – até agora frustradas – de repassar a despesa com esse tipo de instalação para a conta de todos os consumidores do país.

As tentativas de aprovar o chamado "Brasduto" – ou Fundo de Expansão dos Gasodutos de Transporte e Escoamento da Produção – ocorrem sempre por meio de "jabutis" inseridos por parlamentares em projetos de lei ou medidas provisórias relacionadas ao setor elétrico.

Ressalte-se, o leilão não é marcado apenas por críticas. Para a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás (Abegás), a contratação dos 8 GW em geração termelétrica prevista junto da privatização da Eletrobras "irá assegurar a interiorização do gás natural, viabilizando a construção de plantas de fertilizantes e energia para a movimentação dos pivôs no agronegócio e ao mesmo tempo preservando a água dos reservatórios hidrelétricos".

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