• Carregando...

Nem toda a cadeia produtiva do agronegócio teve um ano tão ruim como o dos setores de grãos e carnes. Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o conjunto da economia agrícola do país perdeu em 2005. Na entrevista a seguir, Antônio de Salvo, presidente da entidade, sugere uma variação negativa de, no mínimo, R$ 20 bilhões no resultado do campo, um setor que fatura R$ 180 bilhões anuais. As previsões para 2006 também são incertas. O fato concreto é que, apesar do momento, o agronegócio brasileiro continua competitivo.

Gazeta do Povo – Qual sua avaliação sobre o desempenho do agronegócio brasileiro em 2005?

Antônio Ernesto de Salvo – Se olharmos para o setor os setores de grãos e fibras, assim como na questão da pecuária de corte, é um ano terrível. Entretanto, não se pode generalizar, pois existem outros produtos que tiveram um ano razoável, ou até mesmo bom. Mas o conjunto da economia agrícola perdeu. Os números mostram alguma coisa entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. Isso é muito para um setor que fatura, em toda a cadeia, R$ 180 bilhões.

E qual a perspectiva para 2006?

Ainda é cedo para poder garantir alguma coisa. Há a possibilidade de mudança na taxa do dólar e de queda na taxa de juros, com conseqüências na área cambial. Também não se sabe como vai ser o ano do ponto de vista climático. Além disso, é um ano eleitoral e não se sabe como o governo vai proceder com os recursos que dispõem. A perspectiva, pelo menos que diz respeito aos insumos comprados, tecnologias usadas e sementes, é ruim.

Além dos problemas com o câmbio, preços internacionais e estiagem, o Brasil passou por uma crise política em 2005. Essa realidade influenciou no desempenho do setor?

Certamente. Os escândalos que ocorreram aqui têm reflexo em todas as áreas, porque as pessoas se tornam mais prudentes, não sabem como a economia vai se comportar em relação à política. Eu diria que continua influenciando.

Como recuperar a capacidade de investimento e de pagamento do agricultor?

Se fosse no resto mundo, pelo suporte das políticas públicas, que permitem dinheiro novo. As pessoas quitam suas dívidas, usam tecnologia e pagam na frente. Já aqui no Brasil é preciso se desfazer de ativos, procurar de todas as maneiras reduzir os seus custos e torcer para São Pedro agir bem e o mercado reagir. Aqui o produtor fica inteiramente entregue a si próprio.

Foi o desempenho das exportações que evitou um desastre ainda maior?

Sim. As crises na agricultura não são imediatas, não há um desastre de avião. Você sabe que o problema virá, mas demora algum tempo para acontecer. As exportações foram bem, mas acredito que estão comprometidas num breve futuro. Esse câmbio e esse custo de produção não permite nenhuma mágica.

A infra-estrutura ainda é um problema crônico, que impede o crescimento do país. Até quando estradas, portos e aeroportos serão um entrave ao desenvolvimento?

Sempre. Eu não creio que exista, ainda, qualquer tipo de noção do custo Brasil no que diz respeito a essa precariedade da infra-estrutura. O pior é que não há motivação, o desejo de fazer alguma coisa concreta. Hoje, cada porto que cria um problema, como o do Paraná, merece toda uma luta que demora meses, ou até anos para ser resolvida. É lamentável.

A competitividade brasileira está cada vez mais ameaçada pela política de subsídios da União Européia. Como evoluir nessa discussão se as negociações na OMC não avançam?

A OMC trabalha com um conta-gotas, e não com um garrafão de boca larga. Se a gente ganhar alguns pontos nessa rodada (Doha) temos que ter paciência para ir ganhando pouco a pouco. Eu tenho é inveja dos países que são protegidos. É preciso combatê-los, mas, lá, o produtor tem renda garantida.

A febre aftosa voltou a ameaçar os rebanhos brasileiros. Mas desta vez o fator político impede um encaminhamento rápido para a questão. Qual a sua avaliação sobre o assunto?

Vírus não entende de política. Por outro lado, a Organização Internacional de Epizootias (OIE), em Bruxelas, também não entende de partidos políticos e de rivalidades pessoais. Temos de cumprir a legislação internacional e sermos eficientes em erradicar o foco. Se existe ou não o foco, para isso há indenização ao produtor.

A Lei de Biossegurança estabelece um marco regulatório aos Organismos Geneticamente Modificados. O senhor acredita que essa é uma realidade consolidada?

Ao contrário. O Palácio do Planalto vetou dispositivos da lei, editou novos textos, contrariando a vontade expressa do legislador, e criou um inferno institucional que, muito dificilmente, permitirá avançar nessa questão de pesquisa e comercialização de OGMs. Foi lamentável a ação do Planalto.

E a situação do Porto de Paranaguá, maior terminal graneleiro do país, que proíbe a exportação de transgênicos?

O caso do Paraná é emblemático. E há os componentes pessoais dos que estão envolvidos nisso. Mas o Brasil como um todo também está sem marco regulatório, concreto, eficiente e moderno.

Qual o futuro do agronegócio brasileiro?

Pujante, imbatível e inexorável. Pode demorar 5 ou 50 anos, tudo vai depender da competência brasileira em administrar aquilo no que ele é competitivo, o que não tem havido até hoje. Nossa tecnologia é a mais avançada entre os países tropicais do mundo, nosso fazendeiro é um gênio em tirar leite de pedra. Mas nosso poder público é um sócio cretino, que na hora do lucro nos ajuda, mas na hora do prejuízo nos vira as costas.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]