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Helenice da Silva conseguiu indenização após ter crédito negado por score “baixo” | Henry Milléo / Gazeta do Povo
Helenice da Silva conseguiu indenização após ter crédito negado por score “baixo”| Foto: Henry Milléo / Gazeta do Povo

Ressalva

Modelo não pode usar dados ilegais e nem ser decisivo na avaliação

Economistas defendem haver impossibilidade técnica de exigir transparência dos scores de crédito, uma vez que são matemáticos, instáveis e apenas ajudariam na decisão por crédito. São eles que definem o custo de seguros, explica o professor de Economia do Ibmec/MG Márcio Salvato.

O problema é que ainda não está claro quais as informações usadas e as origens delas. É irregular vender e comprar dados de clientes, por exemplo. "Ninguém pode vender o histórico do CPF das pessoas. Isso não é score de crédito, é prática proibida por lei", reforça Salvato.

Outro ponto é que o sistema poderia ser manipulado, por isso não deveria ser definitivo para a concessão de crédito – há até apostilas à venda na internet em que "consultorias" dão dicas para aumentar scores. Há dúvidas também sobre a veracidade dos dados.

Advogado do consumidor no caso a ser julgado pelo STJ, Lisandro Moraes usa o exemplo da consulta que fez sobre o score do pai, aposentado que ganha dois salários mínimos. "A renda presumida dele aparecia como R$ 6 mil. Ele poderia ganhar margem de crédito maior do que pode arcar, com todo o risco de superendividamento e inadimplência que se pretende reduzir."

Os chamados scores de crédito, serviços que se baseiam em cálculos de dados compilados por bureaus de proteção de crédito para medir bons e maus pagadores, estão no centro de uma discussão que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com base em uma ação iniciada no Rio Grande do Sul, escolhida aleatoriamente, a corte está prestes a julgar a licitude dos scores, que hoje não têm regras abertas aos consumidores. Na prática, esses serviços podem fazer com que um cliente tenha o crédito negado, mesmo que não esteja inadimplente.

INFOGRÁFICO: Confira como funcionariam os scores de crédito no Brasil

Os scores existem há pelo menos dez anos no país, mas só ganharam repercussão após o processo movido em 2009 por uma consumidora gaúcha que teve o cartão de crédito negado por um supermercado com a justificativa de que o seu score "era baixo". A estimativa hoje é de que existam 150 mil ações sobre o assunto no país. No Paraná, são pelo menos 149 decisões em segunda instância. Os processos foram paralisados pelo STJ, que pretende usar um caso como exemplo para todos.

A principal crítica aos modelos de score do país é a falta de transparência com o consumidor. Em países europeus, onde o sistema funciona há décadas e ajuda a tornar menos subjetiva (e mais justa) a escolha por conceder crédito, os scores são conhecidos como um sistema matemático e anônimo. No Brasil, mesmo consultando os bureaus, não se pode confirmar origem e teor dos dados levantados – os contratos com lojas e bancos têm cláusulas de sigilo que impedem o vazamento de informações para clientes.

Sigilo

Consultados pela Gazeta do Povo, SPC, Serasa e Boa Vista não comentaram o assunto, alegando que esperam o julgamento da corte superior. A Serasa é hoje a empresa mais processada no Paraná, apesar de a ação selecionada pelo STJ ter a Boa Vista como ré. Nos processos, os bureaus em geral afirmam que os dados são obtidos de forma regular – dos sistemas do Banco Central (BC), por exemplo. A empresas, porém, têm se recusado a abrir o cálculo e as variáveis.

O fato alimenta especulações sobre se os dados usados nos scores são apenas financeiros. Uma suposição é de que os consumidores que procuram muito o Judiciário, por exemplo, teriam score mais baixo. "Isso é discriminação clara, vetada pelo Código de Defesa do Consumidor", afirma o advogado Bruno Miragem, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

Por outro lado, o BC é defensor dos scores. Para o órgão, análises de crédito beneficiam o consumidor ao segurar os juros e prevenir contra superendividamento – argumento repetido por membros do mercado financeiro.

Crédito negado a nome limpo é o caso mais comum

As histórias de consumidores que procuraram a Justiça por causa dos scores de crédito são parecidas. São pessoas que tinham crédito pré-aprovado no banco e nome limpo, mas não conseguiram financiar uma compra ou fazer cartões de crédito.

A discussão sobre os cadastros positivos, que ainda engatinham no país à medida em que os scores crescem, impulsionou a situação. As ações se tornaram um filão para escritórios de advocacia – apenas um, em Santa Catarina, tem 20 mil processos – e assustou entidades como a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Curitiba, que avisa em seu site com todas as letras que não oferece consulta a scores de crédito.

Em 2010, a camareira Helenice Aparecida da Silva, 39 anos, que mora em Curitiba, tentou comprar com o marido um carro usando a margem de empréstimo oferecida pelo banco de que é correntista. O score "baixo" (cerca de 200) impossibilitou a negociação na revendedora. Também impediu que ela fizesse um cartão de crédito em um supermercado regional. "Eu me perguntei: de que adianta ter o nome limpo e uma conta de banco em dia se for para ter financiamentos negados?"

Sentença

Uma decisão favorável em segunda instância, em 2012, reverteu a primeira sentença judicial e concedeu a Helenice indenização por danos morais. O processo agora espera o julgamento do recurso especial pelo STJ.

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