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Jamais saberemos se a economia brasileira teria de fato engrenado e crescido com vigor neste ano, se não fosse a pandemia da Covid-19, que provocou um baque tão forte a ponto de voltarmos à recessão. Mas as previsões mais sombrias tampouco se confirmaram e agora muitos indicadores apontam para uma recuperação da atividade econômica.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, não tem dúvidas sobre a retomada. “Eu achava que seria um crescimento em V tipo Nike, com a perninha da recuperação crescendo um pouco mais devagar. Pois bem, o que tá acontecendo é um crescimento em V mesmo, com uma subida rápida”, declarou em reunião de comissão do Congresso.
A recuperação celebrada pelo ministro não significa falar em crescimento para 2020, mas mostra que o tombo será menor do que o esperado no início da crise. Guedes comemorou os dados de emprego formal, que estão em recuperação. Mas também há bons indicadores mostrando a recuperação de setores produtivos, que se refletem em projeções “menos ruins” para o PIB.
Por outro lado, nem tudo são flores: a pressão inflacionária, com disparada no preço dos alimentos, e a queda do investimento estrangeiro são provas disso. Outro fator preocupante é o mercado de trabalho: o setor informal foi duramente atingido e o desemprego é recorde – e crescente.
O caminho da retomada começa a se delinear, mas não está claro. Ainda pesam algumas incertezas em relação à segunda onda da Covid-19 pelo mundo, resultados eleitorais – tanto das eleições americanas quanto das municipais aqui no Brasil –, e importantes votações, como as da PEC Emergencial e Orçamento, que estão pendentes.
A Gazeta do Povo separou oito indicadores que mostram a recuperação da economia e seis que inspiram cautela.
Indicadores que mostram retomada da economia
1. Balança comercial
Apesar de a situação global estar delicada, a balança comercial brasileira está positiva no acumulado dos nove primeiros meses de 2020: acumula superávit de US$ 42,4 bilhões. De acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, o resultado é o segundo melhor da série histórica para o período, perdendo apenas para igual período de 2017 (US$ 53,3 bilhões). O saldo elevado, porém, resulta do fato de que as importações (com recuo de 14%) caíram mais que as exportações (-7%). Segundo a última edição do boletim Focus, do Banco Central, publicada em 3 de novembro, o mercado prevê saldo de US$ 58,7 bilhões ao fim do ano.
2. Indústria
Depois de uma queda acentuada no trimestre móvel de fevereiro a abril, a indústria começou a reagir em maio e já acumula quatro meses seguidos de alta, segundo a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, atualizada até agosto. Ainda que não tenha sido suficiente para compensar as perdas acumuladas no ano (-8,6% na comparação com 2019), os níveis mais recentes de produção são próximos aos de antes da pandemia, e isso se reflete na confiança do empresariado. O Índice de Confiança da Indústria (ICI), da FGV, completou quatro meses de alta em outubro e chegou a 111,2 pontos, maior nível desde abril de 2011.
3. Comércio
Após quedas em março e abril, o comércio varejista registrou quatro altas mensais seguidas até agosto, quando atingiu o maior patamar de vendas desde 2000. De acordo com a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do IBGE, o resultado de agosto foi 6,1% superior ao do mesmo mês de 2019. Com isso, a retração das vendas no acumulado do ano ficou mais suave, e agora está em 0,9%. Enquanto isso, o Índice de Confiança do Comércio (ICOM), da FGV, chegou a 95,8 pontos em outubro. Depois de cinco meses de alta, o indicador recuou nesse último mês em meio à incerteza sobre o período pós-auxílios do governo e à cautela dos empresários com a sustentabilidade da recuperação.
4. Agropecuária
Menos afetada pela pandemia, a produção agropecuária não caiu, e a demanda cresceu aqui dentro e lá fora. Muitos produtores aproveitaram o câmbio mais alto para exportar grãos e carnes, movimento que, associado ao aumento do consumo interno, provocou pressão inflacionária sobre o preço dos alimentos. O Ministério da Agricultura estima que o valor bruto de produção agropecuária (VBP) deve encerrar 2020 em R$ 806,6 bilhões, de acordo com a parcial de setembro, com aumento de 11,5% sobre o valor de 2019, que já tinha sido o maior da série histórica iniciada em 2000 (R$ 723,4 bilhões).
5. Emprego formal
A geração de empregos com carteira assinada subiu pelo terceiro mês seguido. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, apontou saldo de 314 mil postos de trabalho em setembro, melhor resultado de 2020 e também o setembro mais forte desde o início da série, em 1992. No acumulado de janeiro a setembro, o resultado ainda é negativo, com fechamento de 559 mil vagas.
6. PIB
O pagamento do auxílio emergencial e a combinação dos fatores citados acima têm melhorado as projeções para o PIB de 2020. Ele ainda será negativo, mas não terá o tombo que chegou a ser estimado no início da pandemia, quando algumas instituições projetaram queda próxima de 10%.
Na última edição do Boletim Focus, do Banco Central, divulgada em 3 de novembro, a projeção mediana de bancos e consultorias para o PIB era de -4,81%. Há um mês, a estimativa era de -5,02% e, no pior momento do ano, ficou próxima de 6,5%. A projeção do governo é de queda de 4,7%.
Após registrar grandes recuos em março (-5,93%) e abril (-9,27%), o IBC-Br – um indicador de atividade econômica calculado pelo Banco Central que busca antecipar a tendência do PIB – registrou altas no quadrimestre seguinte. No acumulado do ano, o resultado está negativo em 5,44%. A última atualização do Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira (IACE), do FGV/Ibre e The Conference Board (TCB), mostra alta de 1,2% em setembro, alcançando 121,9 pontos – isso representa 1,9 ponto acima do período pré-pandemia.
7. Fluxo nas rodovias
Com a retomada gradual das atividades, mais pessoas e cargas estão circulando pelo país. Isso já foi detectado pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), que mensura o fluxo de movimento nas estradas como uma maneira de, indiretamente, captar níveis de atividade econômica, consumo, produção e investimento. De agosto para setembro, a circulação total de veículos subiu 5,1%, com destaque para os leves. E o fluxo de veículos pesados ficou 5% acima do registrado em setembro de 2019. No acumulado dos nove primeiros meses do ano, a movimentação total de veículos encolheu 16,3%, puxada muito mais pelos leves (-20,7%) que pelos pesados (-3%).
8. Papelão ondulado
A indústria de papelão ondulado, que trabalha com produção apenas por encomenda, teve desempenho inferior ao de 2019 apenas em abril e maio, e superior em todos os demais. Em setembro, a expedição de caixas, acessórios e chapas de papelão ondulado cresceu 15,4% sobre o mesmo mês de 2019 e alcançou 351,2 mil toneladas, maior volume da série da ABPO, representante do setor, iniciada em 2005.
Indicadores que inspiram cautela
1. Serviços
O setor de serviços, um dos mais impactados pela pandemia, superou o período mais crítico. Dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do IBGE, apontam que, após uma queda acentuada de 19,8% entre fevereiro e maio, o setor cresceu 11,2% de junho a agosto. Apesar do avanço, o resultado acumulado em 2020 ainda é de queda de 9%, pior resultado da série iniciada em dezembro de 2012. E a confiança do empresariado ainda não é das melhores. Após cinco meses de alta, o Índice de Confiança de Serviços (ICS), da FGV, recuou levemente em outubro, para 87,5 pontos, patamar ainda inferior ao de antes da pandemia. Para a FGV, isso é reflexo das incertezas que ainda rondam o setor.
2. Investimento estrangeiro
Ainda que tenha havido redução nas saídas de dinheiro estrangeiro no país em setembro, o contínuo recuo de ingressos mantém em baixa o saldo do Investimento Direto no País (IDP), indicador que mostra o quanto as empresas de fora aplicam na “economia real” do Brasil. As saídas de IDP totalizaram US$ 58 bilhões nos nove primeiros meses do ano, enquanto os ingressos somaram US$ 86,6 bilhões, segundo o Banco Central. Esses movimentos provocaram uma queda de 45% no saldo do IDP, que está acumulado em US$ 28,6 bilhões no ano. É o valor mais baixo para o período janeiro-setembro desde 2009.
3. Desvalorização do real
O real foi a moeda que mais perdeu valor em relação ao dólar nos nove primeiros meses de 2020 – entre janeiro e setembro, a desvalorização chegou a 39,59%. Nenhuma divisa, entre as de países emergentes e as 33 mais negociadas no mundo, teve desempenho tão ruim. Para além da pandemia da Covid-19, que afetou o mundo inteiro, são os problemas domésticos, principalmente o risco fiscal, que explicam esse resultado. O dólar se valorizou em relação à maioria das moedas, mas ruídos de comunicação constantes do governo, incertezas em relação ao compromisso fiscal e o andamento das reformas estruturais pesaram para o desempenho negativo da moeda brasileira.
4. Juros futuros
Apesar de a taxa básica de juros (Selic) estar no patamar mais baixo da história, fixada em 2% ao ano, outros indicadores de juros são preocupantes. É assim com a taxa dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI), que indica os juros futuros. Ela está atrelada a investimentos de longo prazo, inclusive títulos da dívida pública, como os do Tesouro Direto. O aumento dos juros futuros reflete uma maior percepção de riscos e uma desconfiança do mercado em relação à capacidade do governo de manter o compromisso fiscal e honrar o pagamento dos títulos. Essa taxa já chega a 3,5% para contratos ainda em 2020 e alcança até 8,5% para os que vencem em 2035.
5. Inflação
A inflação está avançando, e rápido. Os principais índices que medem a variação de preços subiram, mas não na mesma medida. Os indicadores de preços ao consumidor são mais pressionados pela alta dos alimentos, mas têm o alívio da pouca variação de itens de serviços, e estão em 3,14% no acumulado de 12 meses até setembro do IPCA. Os que refletem os custos da produção industrial e da construção civil, por sua vez, são mais afetados pelo dólar e pelo preço das commodities, e dispararam: o IGP-M acumula alta de 20,93% em 12 meses até outubro. Especialistas recomendam atenção e têm revisado para cima suas projeções. Apesar de não representar um risco grave ao país, porque o IPCA ainda está dentro da meta estabelecida, o avanço da inflação reduz o poder de compra do consumidor e pode levar o Banco Central a promover um aumento gradual na taxa básica de juros, a Selic.
6. Mercado de trabalho
Ainda que o emprego formal mostre reação, a situação do mercado de trabalho como um todo é grave. A pandemia afetou muito fortemente os trabalhadores informais. Dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostram que a taxa de desocupação no Brasil chegou à média de 14,4% entre junho e agosto de 2020. É a maior taxa da série histórica iniciada em 2012. No trimestre em questão, 13,8 milhões de pessoas estavam desocupadas. E população ocupada caiu para 81,7 milhões, o menor contingente da série.
A população fora da força de trabalho – isto é, que não está ocupada nem procurando emprego – bateu recorde e chegou a 79,1 milhões de pessoas. Isso representou um avanço de 4,2 milhões de pessoas em relação ao trimestre anterior e de 14,2 milhões na comparação com o mesmo período do ano passado. A população desalentada, que não buscou trabalho, também bateu recorde: 5,9 milhões.
À medida que muitas pessoas deixem de receber o auxílio emergencial no fim do ano e passem a buscar emprego, o índice de desocupação tende a subir ainda mais (pois ele indica justamente a proporção de pessoas em idade de trabalhar que está à procura de trabalho). Segundo analistas que buscam estimar a taxa "real" de desemprego, já descontando as distorções provocadas pela pandemia, o índice já teria passado de 20%.
A expectativa é de que parte do contingente de desocupados passe a ser atendida pelo Renda Cidadã, a nova versão do Bolsa Família, em 2021. Mas, sem fonte de financiamento viável, as discussões sobre o projeto estão empacadas.