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Infraestrutura
Trecho da BR-163 entre São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira (SC), considerada a pior rodovia federal do país em ranking da CNT de 2021: país investe menos que o necessário em infraestrutura, e ainda desperdiça recursos.| Foto: Divulgação/CNT

O investimento brasileiro em infraestrutura está muito abaixo do necessário. Uma análise feita pela Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib) sinaliza que o país teria de investir pelo menos R$ 284,4 bilhões todos os anos, até 2031, para superar os gargalos, principalmente nas áreas de saneamento básico e de transporte e logística.

Para 2022, no entanto, está prevista a aplicação de somente R$ 151,2 bilhões, segundo estimativas da consultoria Inter.B, o que corresponde a um aumento real (já descontada a inflação) de 1% em relação a 2021.

“Investimos pouco e não investimos bem”, diz o presidente da Inter.B, Cláudio Fritschak. Segundo ele, há problemas na alocação de recursos que se repetem há anos. Ele afirma que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), adotado no segundo mandato do governo Lula, foi mal concebido e mal executado, gerando enorme desperdício de recursos. “Continuamos errando com projetos sem avaliação de custo-benefício, muitos de natureza paroquial e clientelista, com taxas sociais de retorno negativas ou questionáveis.”

O resultado é um baixo estoque de capital (valor total investido no setor), correspondente a 36% do PIB. É uma proporção muito inferior à de outras economias emergentes, como Índia (58% do PIB), China (56%) e África do Sul (87%), aponta a consultoria KPMG.

Entre países de grande extensão territorial – como Estados Unidos, China, Rússia, Canadá e Austrália –, o Brasil tem a mais baixa densidade de malha ferroviária e rodoviária. Segundo estudo do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), entre 137 países e territórios, a qualidade da infraestrutura de transporte no Brasil situa-se em 65º lugar.

A competitividade brasileira está abaixo da média dos Brics e de países da América Latina, como México, Chile e Equador. “A oferta inadequada de infraestrutura é identificada atualmente como um dos fatores mais desafiadores para a realização de negócios ao inibir sua competitividade global, considerando fatores como a questão tarifária e a ineficiência burocrática”, cita a KPMG

Setor privado é protagonista nos investimentos

O predomínio dos investimentos em infraestrutura é do setor privado. Eles devem atingir R$ 100,5 bilhões neste ano. R$ 7 de cada R$ 10 aplicados devem ir para o segmento de energia elétrica e telecomunicações, este impulsionado pela entrada em operação da tecnologia 5G para celulares.

Desde 2019, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), uma iniciativa do governo federal para ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada na área de infraestrutura, já assegurou R$ 550 bilhões em investimentos, e amealhou R$ 125 bilhões em outorgas pagas por concessionários ao setor público.

O investimento público, por outro lado, está perdendo relevância: são apenas 33,6% dos recursos aplicados, o segundo menor porcentual desde 2010, aponta a consultoria. O cenário coincide com a deterioração das contas públicas.

“Há um elevado comprometimento [de dinheiro público] com despesas relacionadas à dívida pública e a obrigações constitucionais”, diz a gerente executiva da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Fernanda Schwantes.

Oportunidades são promissoras, mas investimento privado não é "bala de prata"

A KPMG destaca que o cenário de investimentos em infraestrutura é promissor e apresenta oportunidades com foco na eficiência operacional e na gestão inteligente de dados. “Com o apoio de tecnologia, há o potencial de agregar valor e alavancar receitas para toda a cadeia de ativos das organizações no segmento de infraestrutura e para todo o país”, diz a empresa.

Mas, segundo a Inter.B, o setor privado não é a “bala de prata” para resolver o problema de infraestrutura no Brasil. “O espaço de participação privada é, por vezes, limitado por força dos elevados retornos sociais dos investimentos, que justificariam um contínuo envolvimento direto ou indireto do setor público, a exemplo da mobilidade urbana ou saneamento em áreas rurais.”

Um estudo publicado pelo FMI em 2020 sinaliza que o aumento do investimento público em 1% do PIB poderia “fortalecer a confiança da recuperação e impulsionar o PIB em 2,7%, o investimento privado em 10% e o emprego em 1,2%. “Isto se traduziria em melhoras macroeconômicas”, diz a executiva da CNT.

Infraestrutura está defasada e tem baixa eficiência

A Inter.B aponta que parte significativa da infraestrutura nacional tem entre 30 e 40 anos de uso e baixo nível de manutenção, levando a perdas significativas de eficiência, elevados custos de operação dos ativos e riscos de integridade física. “Uma parcela considerável dos investimentos em infraestrutura (87,3% em 2021) é apenas suficiente para repor a depreciação do estoque de capital.”

A consultoria também aponta que a modernização da infraestrutura irá demandar um esforço de duas décadas e um gasto anual de não menos de 3,64% do PIB, na soma de desembolsos públicos e privados. Para este ano está prevista a aplicação de menos da metade desse valor: 1,71% do PIB.

As maiores diferenças entre o investimento necessário e o realizado estão nos transportes e no saneamento. São, justamente, as duas áreas em que há predomínio dos investimentos públicos. A questão é que ampliá-los sem melhora na sua governança não gera os retornos sociais esperados, diz Fritschak.

“Dada a importância do investimento em infraestrutura para melhorar a qualidade de vida da população e reduzir a desigualdade de acesso aos serviços, assim como para a competitividade das empresas, essa agenda deveria figurar como prioritária para o país”, afirma.

Modernização da infraestrutura depende de reforma do Estado

A agenda de modernização da infraestrutura depende de uma reforma de Estado, que criaria o espaço fiscal para a ampliação dos investimentos públicos, diz a Inter.B. “É necessário um uso sensato e acertado dos recursos, que supõe qualidade e integridade nas decisões”, destaca Fritschak.

O mais importante, de acordo com a consultoria, é estabelecer boas regras e evitar que o poder discricionário de alocar recursos se concentre nas mãos de um indivíduo ou de pequenos grupos, seja no Executivo ou no Legislativo, evitando que se leve ao risco de má alocação e desperdício.

“O investimento público requer uma nova governança, com melhor planejamento e menos arbítrio. O planejamento de governo ainda é sujeito a forte influência de grupos de interesse. O investimento privado, por sua vez, requer maior segurança jurídica, com transparência, estabilidade e obediência às regras. Essencial prover clareza nos conflitos de instâncias e competências no âmbito interfederativo e na esfera dos órgãos de controle”, cita relatório da Inter.B publicado no início de maio.

O documento também lembra que é prioritário o Senado se tornar de fato, e não apenas de direito, uma instância que examine, nas sabatinas, os dirigentes indicados, com rigor e integridade.

Fernanda, da CNT, diz que países com infraestrutura competitiva têm agências reguladoras fortalecidas, um arcabouço jurídico que oferece segurança aos investidores e sólidos estudos de viabilidade para os projetos em desenvolvimento.

País precisa atrair novos investidores, sobretudo estrangeiros

Outra necessidade para viabilizar o investimento em infraestrutura, segundo Fritschak, é a necessidade de atrair novos investidores, principalmente estrangeiros. O país conta com pontos favoráveis: economia, território, renda média, excesso de demanda de investimentos e uma significativa carteira de investimentos.

“Quem está no Brasil já se acostumou com a incerteza macroeconômica e com a imprevisibilidade regulatória”, diz ele. O problema, em sua avaliação, é que o “véu de incerteza e a destruição reputacional do país afastaram entrantes no setor”.

Um exemplo foi o leilão da rodovia Presidente Dutra (BR-116), que liga o Rio de Janeiro a São Paulo e é considerada a “joia da coroa” da infraestrutura brasileira. Só apareceram dois concorrentes: a CCR – que venceu a licitação – e a Ecorodovias.

Mas para outros projetos importantes, como as BRs 381 e 262, entre São Paulo e Governador Valadares (MG) e no trecho Norte do Rodoanel, que contorna a região metropolitana de São Paulo, não apareceram interessados.

Segundo a gerente executiva da CNT, um caminho para facilitar o investimento privado em infraestrutura seria o de fomentar o mercado de capitais, por meio de mecanismos como debêntures incentivadas e de infraestrutura. No momento há um problema para isso, diz ela, que são as altas taxas de juro, que favorecem o investimento em títulos públicos.

Quais as mudanças estruturais necessárias para ampliar o investimento

Além da reforma de Estado e da atração de novos investidores, são necessárias mudanças estruturais, aponta a consultoria Inter.B.

“Um novo fluxo – e novas empresas – se tornou essencial, inclusive pelas dificuldades crescentes dos concessionários se financiarem com garantias corporativas. Desde 2016, a introdução da Taxa de Longo Prazo (TLP) ampliou a participação dos mercados de capitais no financiamento de projetos. Contudo, gradativamente, o espaço no balanço das empresas para prover garantias vem se exaurindo, inclusive pela magnitude dos investimentos necessários.”

Um caminho, segundo a consultoria, seria trazer o conceito de project finance, que tem por característica básica o financiamento de projetos com base em seu fluxo de caixa. “O BNDES deveria ser pioneiro nesse tipo de estrutura, mobilizando outros atores, a exemplo das seguradoras, para dar viabilidade a projetos em escala.”

Segundo a consultoria, para viabilizar esta estratégia de financiamento seria necessária a atualização dos modelos de concessão, de modo a reduzir as incertezas associadas a riscos como os de engenharia de projetos, de demanda e de capital.

“Não há bala de prata”, diz Fritschak. Ele complementa, afirmando, que há a necessidade que a sociedade e os poderes constituídos se conscientizem de que recursos escassos continuam a ser desperdiçados; os potenciais entrantes continuam a hesitar em investir no país; e os atuais investidores enfrentam elevado grau de imprevisibilidade regulatória e riscos elevados.

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