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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes: STF vai julgar se lei que deu autonomia ao BC é constitucional.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes: STF vai julgar se lei que deu autonomia ao BC é constitucional.| Foto: Raphael Ribeiro/BCB

Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir sobre a validade da lei que instituiu a autonomia do Banco Central, aprovada em fevereiro. A norma é uma das principais vitórias obtidas no Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para quem a autonomia é "fundamental para a estabilidade monetária" do país.

Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que questiona a legitimidade da norma foi retirada do plenário virtual – em que os votos são depositados por escrito e sem debate público entre os ministros. Agora, o presidente da Corte, Luiz Fux, deve marcar uma sessão de julgamento "presencial", em que os ministros proferem seus votos oralmente.

A ação foi impetrada pelo PT e pelo Psol e, ainda durante o julgamento virtual, iniciado em 18 de junho, o ministro relator, Ricardo Lewandowski, deu voto favorável à revogação da lei. O segundo ministro a votar, Luís Roberto Barroso, divergiu e votou a favor da norma. No dia 25, Dias Toffoli apresentou um pedido de destaque, levando a decisão para uma sessão "física".

Na ação, os partidos argumentam vício de iniciativa, uma vez que, conforme a Constituição, a competência na proposição do projeto deveria ser privativa ao presidente da República. A lei complementar 179/2021, sancionada em 24 de fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro, é resultado de projeto de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM).

As legendas questionam ainda o mérito do texto. Para os autores da ação, a autonomia do BC “retira a autoridade do governo eleito sobre um instrumento central de definição da política econômica e interfere na coordenação da implantação dessa política, reduzindo sua eficácia, ao diluir a responsabilidade sobre os seus resultados”.

O texto estabelece mandatos de quatro anos para o presidente e os oito diretores do BC em períodos não coincidentes com os da gestão do presidente da República. Além disso, os nomes indicados pelo chefe do Executivo devem passar por aprovação do Senado.

Com a lei, o BC também deixou de ser vinculado ao Ministério da Economia, passando a ser classificado como autarquia de natureza especial, caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”.

Bolsonaro e Pacheco defendem validade da lei; PGR pede anulação

Além do projeto de lei complementar 19/2019, proposto no Senado, tramitava à mesma época na Câmara dos Deputados um texto de iniciativa de Bolsonaro, o 112/2019. O primeiro foi aprovado nas duas Casas, enquanto o segundo foi apensado ao texto do senador Plínio Valério quando chegou à Câmara.

Para o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) a tramitação seguiu as normas constitucionais. “Ainda que se pudesse inscrever o conteúdo da lei complementar n.º 179/2021 em algum domínio de privatividade do Poder Executivo, o processo legislativo, no caso, desenvolveu-se de modo a observar essa exigência constitucional”, escreveu Pacheco em um memorial aos ministros do STF.

Em um evento ao lado do presidente do BC, Roberto Campos Neto, na terça-feira (23), Bolsonaro também se manifestou a favor da validade da norma. “Se Deus quiser, o Supremo vai garantir o votado pelo Parlamento e você vai ter tranquilidade, autonomia para conduzir o destino do Brasil”, disse o presidente.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, por outro lado, emitiu parecer corroborando a ADI, ou seja, pela declaração de inconstitucionalidade da lei. No texto, ele argumenta que o texto apresentado pelo presidente nunca foi discutido pelo Senado, embora não aborde o mérito da questão.

Autonomia do BC trouxe sinalização positiva para o mercado, diz economista

O economista Mehanna Mehanna, sócio diretor da Phi Investimentos, explica que a lei que dá autonomia ao BC trouxe uma sinalização positiva para o mercado.

“Mais autonomia indica maior eficiência no combate à inflação, o que traz mais previsibilidade e juros estruturalmente mais baixos”, diz. “Um capital mais barato, por sua vez, traz uma maior competitividade para a economia. As alternativas de risco, de renda variável se tornam mais atrativas, trazendo um capital mais produtivo, voltado para equity, bolsa de valores, mercado imobiliário, startups, etc.”

Apesar disso, ele acredita que uma eventual revogação da lei não deve ter impacto tão relevante. “Acho que o impacto para o mercado é menor do que parece. É um fundamento positivo, mas, no médio prazo, os maiores riscos seguem sendo cenário fiscal e eleições. Reformas como a tributária e a administrativa teriam uma sinalização mais impactante para o mercado do que a discussão da autonomia do BC”, avalia.

Isso porque, na opinião do economista, apesar de a lei limitar a capacidade do presidente da República de interferir no comando do BC, a autoridade monetária ainda não tem independência plena.

“Temos que diferenciar autonomia de independência. O Banco Central, mesmo com essa lei, não tem a independência de definir seus próprios objetivos. A principal função do BC é, por meio da política monetária, seguir uma meta para inflação. Mas quem determina essa meta? É o Conselho Monetário Nacional [CMN], que é um órgão do Executivo.”

O advogado Allan Augusto Gallo Antonio, analista do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, também acredita que a lei da autonomia do BC ainda é limitada, mas vê a aprovação da norma como “um passo na direção correta”. “Na minha percepção, o ideal seria autonomia total e, quiçá, não existir mais Banco Central e nem curso forçado da moeda”, diz.

No modelo idealizado por ele, a criação e circulação de moeda seriam totalmente descentralizadas, sem qualquer participação política na economia. “Uma percepção idealista, e totalmente contrária ao que é pedido na ADI do PT e do Psol.”

O advogado entende que a ação não deveria prosperar. “Um mero vício de formalidade, na minha percepção, não teria o condão de afastar a validade da lei”, afirma. “No mérito, os partidos argumentam que, se tiver a independência, vai estar amarrando as mãos dos próximos governos, que não vão poder tocar projetos que envolvem aumento dos gastos públicos ou uma intervenção nos rumos da política monetária. Para mim, isso é absolutamente positivo porque sinaliza governança e amadurecimento dos processos democráticos.”

Apesar disso, ele vê chances de o STF decidir pela revogação da lei. “Eu tenho uma opinião bastante cética sobre os rumos da ordem constitucional do Brasil nos últimos tempos. Como estamos falando de uma ação constitucional, tudo é possível.”

Caso isso ocorra, no entanto o analista não vê riscos de Bolsonaro intervir politicamente no órgão, apesar do cenário de alta inflacionária e às vésperas de eleições presidenciais.

“O presidente não é um liberal por excelência. É um homem conservador, de formação militar – que é intervencionista, diga-se de passagem. Mas ele está cercado de liberais de várias matrizes. Dificilmente isso aconteceria, porque seria uma espécie de negação de tudo o que já foi feito até o momento”, opina.

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