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De fora, é apenas mais um prédio comum num subúrbio cinzento de Buenos Aires, tão mal cuidado que mal se enxerga o logotipo da companhia. Por dentro, a primeira coisa que se percebe é o cheiro de chocolate, mel, caramelo, sorvete, bolo e geléia. O zumbido das máquinas acompanha o trabalho entusiasmado de um grupo de homens em aventais verdes, que empilham caixotes cheios de confeitos. A segunda coisa que se percebe é a ausência de chefes. Não há ninguém de terno ou dando ordens. Nesta fábrica, eles não existem. Nem mesmo há um dono oficial do negócio. Ghelco, a empresa, é dirigida como uma cooperativa, segundo as regras da democracia, com um discurso de igualdade e salários iguais. "No começo ninguém pensava que nós conseguiríamos, achávamos que éramos brutos, ignorantes. Mas ainda estamos aqui, mais fortes do que nunca", diz Daniel López, 37 anos, operador de máquinas e membro da equipe de vendas. Bem vindo à revolução dos trabalhadores, à moda argentina.

Se Willy Wonka, o amalucado doceiro do filme A fantástica fábrica de chocolates, e Karl Marx se tornasem sócios, o resultado provavelmente seria parecido com a Ghelco.

A empresa faz parte de um movimento crescente na Argentina, em que ex-empregados tomam posse de empresas quebradas, para recuperá-las e também seus empregos. Marx pregou que os trabalhadores deveriam quebrar as correntes metafóricas que os prendem, mas nesse caso a ruptura é literal – das correntes, cadeados e fechaduras de seus antigos locais de trabalho, um trabalho que inclui ainda religar a energia e pôr em funcionamento máquinas. Cerca de 200 companhias, de hotéis a fábricas de autopeças, estão nessa situação no país, e hoje empregam mais de 15 mil pessoas.

Para alguns, o movimento é prova de uma alternativa viável ao neoliberalismo. Para os críticos é uma tentativa de reescrever os princípios econômicos. Para os trabalhadores, é uma maneira de pôr comida na mesa. "A questão não é de ideologia. É uma alternativa que funciona", diz Luis Caro, um dos líderes do Movimento Nacional para Recuperação de Fábricas, que representa 10 mil pessoas em 80 fábricas. A iniciativa surgiu da crise econômica de cinco anos atrás, quando a Argentina decretou o calote de sua dívida externa, fato que deu início a uma fuga de capital e ao colapso de diversas empresas. O desemprego subiu para além dos 20% e seis a cada 10 argentinos mergulharam abaixo da linha da pobreza.

O caso da Ghelco é típico. A companhia demitiu todos os 91 funcionários, deixando para trás meses de salário atrasado. "Estávamos abandonados, não tínhamos nada", diz o empregado Juan Millian. "Então nós tomamos a empresa." No início de 2002, os ex-funcionários arrombaram as portas. Pediram dinheiro nas ruas e venderam papelão velho para levantar dinheiro suficiente para consertar o maquinário e comprar cacau, açúcar e outras matérias-primas. Água e eletricidade foram reconectados depois que o grupo protestou em frente às empresas com tambores e fogos de artifício. Muitos funcionários administrativos não voltaram, acreditando que os esforços não dariam certo, então operadores de máquina foram forçados a administrar vendas, marketing e contabilidade.

Cinco anos depois, a fábrica está tinindo. Cada um dos 43 trabalhadores ganha o equivalente a R$ 1,6 mil por mês, mais do que o dobro do antigo salário, e o grupo toma decisões conjuntas em assembléias semanais.

López, o operador de máquinas citado acima, comprou uma casa, colocou a enteada em uma escola particular e sua mulher não precisa mais trabalhar fora. Ele conta que a fábrica ganhou a confiança de fornecedores e clientes por pagar as contas e melhorar o controle de qualidade. López atribui os salários mais altos à ausência de "gatos gordos" – os executivos que abocanhavam os maiores valores.

Nos últimos três anos, a economia argentina iniciou uma retomada, reduzindo o desemprego e a pobreza. Quando uma companhia quebra há alternativas de emprego disponíveis, mas os trabalhadores freqüentemente escolhem o caminho, potencialmente mais arriscado, de tomar posse de seu antigo local de trabalho. Luis Caro, do Movimento Nacional para Recuperação de Fábricas, diz que sua organização quase dobrou o número de membros nos últimos dois anos. De um ponto de vista pragmático, é apenas mais uma engrenagem no capitalismo global. Apenas mais radical.

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