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Música

Legal ou ilegal? Gregg Gillis não está nem aí para isso

Gillis, em apresentação nos EUA: composições com trechos de outros artistas | Mathew Hickey/Creative Commons
Gillis, em apresentação nos EUA: composições com trechos de outros artistas (Foto: Mathew Hickey/Creative Commons)

São Paulo - Berros do rapper Notorious B.I.G, samples furtados do Public Enemy, milésimos de segundo do órgão setentista dos Black Crowes, tudo pontuado pelos gemidos alternados das vocalistas do Salt’n’Pepa e por batidas, baixos, guitarras, trechos e até interjeições de outros dezessete artistas. O resultado, que não é um caos so­­noro e nem de perto lembra ne­­nhuma das músicas originais, é "Friday Night", uma das canções que o norte-americano Gregg Gil­lis, o Girl Talk, criou com retalhos de outras.

Como sempre, ele não pagou para usar nenhuma delas e nem planeja fazê-lo – afinal, é apenas o seu jeito de compor. Se mes­­mo assim teimassem em lhe empurrar a conta, por essa faixa ele deveria cerca de US$ 210 mil que se­­riam divididos entre centenas de donos de direitos autorais e gravadoras. Ele não tinha esse dinheiro, mas não foi só por isso que escolheu ficar na ilegalidade: a principal razão é que ele não crê que de­­va algo a al­­guém. Se a legislação diz que sim, ela que mude.

Com mashups de 218 canções de outros artistas, o álbum que o tornou conhecido, Night Ripper (2006), custaria mais ou menos US$ 4 milhões só de copyright, sem descontos. Ignorar esse fato e entender que toda arte tem dí­­vida com o passado fez com que Gillis se descobrisse como músico: seu instrumento é um laptop equipado com o programa de edição de áudio Adobe Audition e qualquer fonograma, protegido ou não, ao seu alcance. Já para a lei, isso faz dele um ladrão.

Ele nunca achou isso real­men­­­te um problema, até porque nunca foi processado (se qualquer uma das gravadoras lesadas não gostasse do resultado, elas poderiam). O nome do seu selo, es­­pe­cializado em samples e re­­mixes, mostra bem a condição da sua mú­­sica hoje: Illegal Art.

"Todos roubamos um pouco. É a mesma coisa do mundo offline: toda arte tem algum nível de in­­fluência. Existem poucas – ou praticamente nenhuma – ideias originais. Algo que parece novo quase sempre é uma boa recontextualização de um conceito antigo. A diferença é que ho­­je essas reinterpretações fo­­ram facilitadas pela tecnologia. São diretas e acontecem o tempo todo. Mas a mistura é e sempre foi um elemento fun­­damental pa­­ra qualquer artista", argumenta. Assumir isso, por alguma razão, fez que ativistas do mundo todo o adotassem como uma espécie de ícone da geração criada com a internet, acostumada com obras criadas em cima de outras e com o compartilhamento de arquivos. Legal ou não.

Ele é personagem principal de dois documentários sobre os desequilíbrios dos direitos autorais no mundo: Good Copy, Bad Co­­py (2007) e RIP: a Remix Manifes­to (2008). O criador do Creative Commons e guru da cultura livre Lawrence Lessig disse que um mundo que o vê como criminoso (e não artista) está claramente com prioridades erradas.

Greg, porém, não vê as coisas de modo tão ideológico assim. É só a sua maneira de fazer música pop, dançante e inovadora: juntando apenas as melhores partes de um monte delas. Antes de viver de música, o que faz há três anos, Gillis trabalhava como engenheiro biológico. A experiência, diz ele, de alguma forma influenciou a sua forma de pensar em sons: as grandes descobertas científicas também são frutos da união de diversos elementos aparentemente desconexos e do trabalho de diversas pessoas, em diferentes épocas e contextos.

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