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Gillis, em apresentação nos EUA: composições com trechos de outros artistas | Mathew Hickey/Creative Commons
Gillis, em apresentação nos EUA: composições com trechos de outros artistas| Foto: Mathew Hickey/Creative Commons

Negócios

Pague quanto (e se) quiser

Em seu álbum mais recente, Feed the Animals (2008), Gregg Gillis resolveu adotar o mesmo modelo que bancou o In Rainbows (2007), do Radiohead: colocar todas as músicas para download e pedir que os fãs decidissem o quanto pagar por elas. Para ele, esse é um dos tantos modelos de negócio que, aos poucos, fazem que a música digital se beneficie da troca de arquivos. "Só faço tantos shows quanto hoje porque essa gente não cansa de espalhar meu material pela internet. Quando lanço algo, quero que aconteça justamente isso", acredita. Os modos de remuneração já mudaram e a cabeça das maioria das pessoas também, mas ainda falta uma parte perceber isso. "Uma geração foi criada vendo o YouTube o dia inteiro, zoando celebridades com o Photoshop e ouvindo centenas de músicas remixadas. Ela não precisa ser convencida de que novo conteúdo pode ser gerado em cima de outro já existente."

São Paulo - Berros do rapper Notorious B.I.G, samples furtados do Public Enemy, milésimos de segundo do órgão setentista dos Black Crowes, tudo pontuado pelos gemidos alternados das vocalistas do Salt’n’Pepa e por batidas, baixos, guitarras, trechos e até interjeições de outros dezessete artistas. O resultado, que não é um caos so­­noro e nem de perto lembra ne­­nhuma das músicas originais, é "Friday Night", uma das canções que o norte-americano Gregg Gil­lis, o Girl Talk, criou com retalhos de outras.

Como sempre, ele não pagou para usar nenhuma delas e nem planeja fazê-lo – afinal, é apenas o seu jeito de compor. Se mes­­mo assim teimassem em lhe empurrar a conta, por essa faixa ele deveria cerca de US$ 210 mil que se­­riam divididos entre centenas de donos de direitos autorais e gravadoras. Ele não tinha esse dinheiro, mas não foi só por isso que escolheu ficar na ilegalidade: a principal razão é que ele não crê que de­­va algo a al­­guém. Se a legislação diz que sim, ela que mude.

Com mashups de 218 canções de outros artistas, o álbum que o tornou conhecido, Night Ripper (2006), custaria mais ou menos US$ 4 milhões só de copyright, sem descontos. Ignorar esse fato e entender que toda arte tem dí­­vida com o passado fez com que Gillis se descobrisse como músico: seu instrumento é um laptop equipado com o programa de edição de áudio Adobe Audition e qualquer fonograma, protegido ou não, ao seu alcance. Já para a lei, isso faz dele um ladrão.

Ele nunca achou isso real­men­­­te um problema, até porque nunca foi processado (se qualquer uma das gravadoras lesadas não gostasse do resultado, elas poderiam). O nome do seu selo, es­­pe­cializado em samples e re­­mixes, mostra bem a condição da sua mú­­sica hoje: Illegal Art.

"Todos roubamos um pouco. É a mesma coisa do mundo offline: toda arte tem algum nível de in­­fluência. Existem poucas – ou praticamente nenhuma – ideias originais. Algo que parece novo quase sempre é uma boa recontextualização de um conceito antigo. A diferença é que ho­­je essas reinterpretações fo­­ram facilitadas pela tecnologia. São diretas e acontecem o tempo todo. Mas a mistura é e sempre foi um elemento fun­­damental pa­­ra qualquer artista", argumenta. Assumir isso, por alguma razão, fez que ativistas do mundo todo o adotassem como uma espécie de ícone da geração criada com a internet, acostumada com obras criadas em cima de outras e com o compartilhamento de arquivos. Legal ou não.

Ele é personagem principal de dois documentários sobre os desequilíbrios dos direitos autorais no mundo: Good Copy, Bad Co­­py (2007) e RIP: a Remix Manifes­to (2008). O criador do Creative Commons e guru da cultura livre Lawrence Lessig disse que um mundo que o vê como criminoso (e não artista) está claramente com prioridades erradas.

Greg, porém, não vê as coisas de modo tão ideológico assim. É só a sua maneira de fazer música pop, dançante e inovadora: juntando apenas as melhores partes de um monte delas. Antes de viver de música, o que faz há três anos, Gillis trabalhava como engenheiro biológico. A experiência, diz ele, de alguma forma influenciou a sua forma de pensar em sons: as grandes descobertas científicas também são frutos da união de diversos elementos aparentemente desconexos e do trabalho de diversas pessoas, em diferentes épocas e contextos.

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