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Com o meio ambiente mais uma vez atraindo discussões e holofotes para o Brasil – neste ano, a discussão gira em torno das queimadas no Pantanal e da importância da sustentabilidade no cenário pós-Covid – o Congresso se mexeu e passou a dar mais atenção a projetos que podem compor uma “agenda verde”. Uma das propostas que pode ser votada na Câmara é o novo marco do licenciamento ambiental.
Ainda que sem consenso em relação ao texto, a projeção de um impacto econômico bilionário e de geração de empregos com a mudança na lei deve impulsionar a análise do projeto de lei.
A proposta que pode ser analisada pelos parlamentares foi protocolada na Câmara em 2004. Na atual legislatura, o relator é o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). Ele está preparando a quinta versão do texto – só em 2019, ele montou quatro alternativas e recebeu mais uma, elaborada por colegas da Frente Ambientalista, entre eles Rodrigo Agostinho (PSB-SP). Ambos admitem que houve avanços, mas o texto completo ainda não está pacificado.
Kataguiri avalia que há espaço para o PL 3729/04 seja votado até o fim deste ano, depois do período eleitoral. A razão é que ele pode servir como impulsionador da retomada econômica do país após a crise sanitária imposta pela Covid-19.
Mas o projeto eventualmente pode ser avaliado antes, caso a Câmara decida acelerar trabalhos em resposta ao noticiário sobre queimadas no Pantanal e desmatamento na Amazônia. Um grupo de trabalho criado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prepara seis propostas para votação, entre elas a nova lei de licenciamento.
Impacto econômico pode acelerar tramitação
O deputado tem um relatório da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) que aponta um impacto financeiro de até R$ 120 bilhões em dez anos, caso sejam adotadas mudanças na legislação com vistas à desburocratização do processo de licenciamento ambiental. O mesmo documento aponta que podem ser gerados até 2,6 milhões de postos de trabalho no mesmo período.
O relator ressalta que essa estimativa de impacto é maior do que o da Nova Lei do Gás, que foi tratada como prioridade pelo governo e “mostra que o avanço econômico não tem nada a ver com prejuízo ambiental”.
Além disso, boa parte dos trabalhos que poderão ser gerados são na construção civil, setor que costuma empregar mais rapidamente e pagar remunerações mais elevadas. “A projeção é para dez anos e é um momento importante para o pós-pandemia, porque vamos sair dele e precisamos nos recuperar de uma recessão econômica”, argumenta.
Apesar desses fatores, o deputado Rodrigo Agostinho considera que, apesar de o licenciamento ambiental ser um tema extremamente relevante para o Brasil, não é prioritário: precisa ser melhorado, mas o país não deixa de fazer obras por causa da legislação atual.
“Nenhuma grande obra ou empreendimento no Brasil deixou de ser executado por falta de licença. Mesmo Belo Monte, hidrelétrica do rio Madeira, usina de Angra 3: todos foram licenciados, tudo foi feito com autorização. Não é o licenciamento que atrapalha o Brasil, mas ele pode melhorar, ser mais eficiente, mais ágil e com menos corrupção”, observa.
Kataguiri cita um levantamento feito com alguns ministérios, como o de Minas e Energia, que aponta que o Brasil tem mais de 5 mil obras paralisadas por problemas de licenciamento. São hidrelétricas, termoelétricas, minerodutos e até obras de saneamento que estão paradas. A nova legislação, avalia o deputado, pode evitar esse tipo de problema.
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou o tempo médio de análise para licenças ambientais, já mostrou que a demora para a liberação não é exclusivamente causada pelas burocracias e legislação antiga.
Como a Gazeta do Povo já registrou, parte do processo é de responsabilidade de empreendedores, que demoram a fazer correções solicitadas, e também há o período de análise de órgãos intervenientes, como a Funai, que sofrem com o pouco número de servidores para o volume de processos.
Falta consenso para novo texto do licenciamento ambiental
No ano passado, a proposta chegou a figurar entre os projetos que seriam analisados no segundo semestre na Câmara, mas a falta de concordância em relação aos pontos mais polêmicos e a situação das queimadas na Amazônia acabaram forçando a retirada da proposta da pauta.
O licenciamento ambiental é a ferramenta que permite a execução de obras, instalação e operação de empreendimentos e atividades, desde a construção de estradas até a agropecuária. As licenças são emitidas por órgãos ambientais estaduais ou pelo Ibama, a depender do porte do projeto. Outros órgãos podem ter poder vinculante na decisão – é o caso do Iphan, quando se trata de avaliar riscos ao patrimônio histórico, ou da Funai, quando a proposta envolve terras indígenas.
Entre os principais pontos da proposta relatada por Kim Kataguiri estão o estabelecimento de prazos para cada etapa do licenciamento e até junção de algumas dessas fases – hoje, há licença prévia (solicitada na fase de planejamento), licença de instalação (detalhamento do projeto de construção) e licença de operação (autoriza o início das atividades).
O texto abre a possibilidade de dispensa de licenciamento ambiental para algumas atividades, como agropecuária e manutenção de rodovias, e o fim do poder vinculante desses outros órgãos que também avaliam os pedidos de licença.
Kataguiri tem trabalhado na nova versão do texto, buscando ampliar o consenso em torno da proposta. “Acho difícil chegar a um consenso de 100% do texto, porque tem diferentes visões de mundo”, pondera. Ele diz que está trabalhando para que a proposta seja alvo de poucas disputas e tenha, consequentemente, poucos destaques.
O relator diz que já há consenso em relação a prazos de concessão das licenças, e houve avanços em relação à última versão do seu texto na questão do agronegócio e do licenciamento por adesão e compromisso (em que o próprio interessado emite o documento pela internet).
Kataguiri comenta que a quantidade de reuniões entre líderes partidários diminuiu nas últimas semanas em função da realização das convenções partidárias, mas a tendência é de que após o período eleitoral haja um novo acordo para essa votação.
Segundo Rodrigo Agostinho, já há consenso a respeito de 80% do texto, mas há pontos com que o grupo de parlamentares mais ligado às questões ambientalistas não concorda. Ela cita dois exemplos de temas que, para o grupo, ainda precisam avançar.
No caso das licenças por decurso de prazo (sem análise técnica e tirada de forma automática) ou por adesão e compromisso há um entendimento de que é possível liberar para atividades pequenas do dia a dia das cidades, como uma lavanderia, mas não para outras, que envolveriam desmatamento, por exemplo.
Mas a questão do fim do poder vinculante para outros órgãos é mais problemática, na avaliação do deputado. “Tem empreendimentos cujo risco associado é mais complexo do que o problema ambiental”, aponta.
Ele usa como exemplo uma eventual autorização de implantação de uma barragem de mineração, como as que existem em Minas Gerais: ela pode ser feita em uma área que já está degradada, em que o risco ambiental é pequeno. Mas os outros riscos associados em caso de rompimento são grandes. “Não dá pra acabar com essa análise de risco, ainda mais depois de Brumadinho”, argumenta.