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Montadoras do Nordeste do país foram beneficiadas pela MP 627 | Paulo Whitaker/Arquivo/Reuters
Montadoras do Nordeste do país foram beneficiadas pela MP 627| Foto: Paulo Whitaker/Arquivo/Reuters

Histórico

Legislativo se habituou a "incrementar" os projetos do Executivo

Estudo conduzido pelo cientista político Davi Moreira, da Universidade de São Paulo (USP), revela que a participação de parlamentares na elaboração da política de benefícios fiscais se intensificou a partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), após uma tímida atividade no governo FHC (1995-2002). "Verificamos que hoje uma parcela considerável do que é aprovado é inserido durante a tramitação no Congresso. De forma geral, o Legislativo aprova o que o Executivo encaminha com poucas alterações, mas quase sempre incrementa os textos", afirma.

O recorte da pesquisa tratou de três tributos: a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL). A pesquisa mostrou que, entre 1995 e 2010, a estimativa de renúncia de receitas referente aos benefícios de PIS, Cofins e CSLL cresceu de R$ 386 milhões para R$ 49 bilhões. "Muitas renúncias dadas pelo governo não têm prazo para acabar e necessitam de revisão legal. Talvez este seja o momento de revisar esses benefícios", opinou Moreira.

R$ 104,04 bilhões

foi quanto a União deixou de arrecadar em 2014 por causa de desonerações concedidas pelo governo. O valor é R$ 25,46 bilhões maior que o de 2013, quando os benefícios fiscais tiveram impacto de R$ 78,58 bilhões na arrecadação, segundo dados da Receita Federal. Em 2014, a arrecadação federal caiu 1,79% em relação a 2013, descontada inflação.

No seu discurso de posse, em 5 de janeiro, Joaquim Levy defendeu o fim do patrimonialismo para a retomada do crescimento. Na prática, o ministro da Fazenda sinalizou o fim das práticas adotadas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, que destinava crédito subsidiado, desonerações e outras vantagens tributárias a setores específicos da economia. Com a mudança de postura, a barreira para o ajuste de contas tornou-se outra: a participação ativa do Legislativo nas concessões de benefícios fiscais por meio de emendas em medidas provisórias (MPs) e substitutivos em projetos de lei.

INFOGRÁFICO: Veja alguns casos de benefícios fiscais a setores específicos por meio das medidas provisórias (MPs)

A inclusão de matérias estranhas ao objeto de MPs – em geral, benefícios fiscais concedidos a setores que articulam influência nos corredores de Brasília – não é exceção. A última MP editada em 2014, a n.º 656, tratava originalmente de incentivos à importação de peças para aerogeradores, mas saiu da Câmara com 32 "jabutis", como são conhecidas as emendas sem relação com o texto da matéria.

Mau exemplo

Embora a presidência tenha poder de veto dos parágrafos inseridos pelo Congresso, historicamente o Executivo também utiliza a manobra para aprovar textos com rapidez. Um exemplo é o artigo 142 da própria MP 656, que permitia investimentos estrangeiros nos serviços de saúde, como clínicas e hospitais. O assunto não tinha relação com o texto original da medida e foi sancionado por Dilma, enquanto outros foram vetados.

O esforço de empresas e entidades em influenciar a tomada de decisões do governo, o conhecido lobby, não é regulamentado no Brasil, embora seja comum, especialmente na esfera federal. O termo ganhou conotação negativa devido a episódios envolvendo formas ilegais de defesa de interesses, através de suborno ou tráfico de influência, mas, na prática, não envolve necessariamente ilegitimidades.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Prelon Mancuso, um dos maiores estudiosos sobre lobby, diz acreditar que não é necessário, nem desejável, erradicar a prática, já que ela não agride as leis do país. "O lobby que obedece às leis é uma modalidade de ação que inclusive pode ser útil para o aprimoramento da qualidade das decisões políticas ao trazer o ponto de vista de diferentes atores sociais para o interior do processo."

Embora também defenda a atuação do setor privado para influenciar o poder público a fim de gerar um ambiente produtivo mais favorável, o professor Manoel Leonardo Santos, vice-diretor do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o setor produtivo tem uma relação distorcida com o governo. "Não há dúvida que os setores mais poderosos conseguem resultados mais favoráveis em benefícios fiscais. E a medida em que os setores passam a recorrer ao governo cada vez que passam por necessidade, é criado um capitalismo sem risco. E isso não existe", afirma.

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