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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião ministerial: ataques ao Banco Central voltaram a afetar o mercado financeiro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião ministerial: ataques ao Banco Central voltaram a afetar o mercado financeiro.| Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Os novos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária pelo Banco Central restabeleceram o pessimismo no mercado brasileiro, com efeitos sobre a Bolsa, o dólar e as taxas de juros futuras. "São ruídos desagradáveis que obrigam a manutenção de juros mais altos por mais tempo", diz Bruno Mori, economista e sócio da consultoria Sarfin.

A retomada das críticas à política monetária reacende a percepção de que o governo pode voltar à carga contra as metas de inflação. Para parte dos economistas do mercado, a eventual revisão das metas, ou sua mera discussão, tem o potencial de elevar ainda mais as expectativas de inflação – e estas foram um dos principais argumentos do BC para não mexer na taxa básica de juros (Selic).

Mori diz que o embate expõe duas visões legítimas: de um lado, a busca do governo por mais crescimento, do outro, uma visão mais técnica do BC, de necessidade de combater a inflação.

Outros fatores engrossam o caldo de tensão nos mercados. O tom do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), visto por alguns como excessivamente contundente, sugere que o embate entre Lula e a autoridade monetária pode colaborar para manter o aperto nos juros para além do que seria necessário.

Somam-se a isso a decisão do presidente de adiar a apresentação do arcabouço fiscal – o que foi lido como um sinal de frouxidão na política fiscal – e as falas do petista sobre o plano do PCC contra o senador Sergio Moro (União-BR), lidas como destemperadas e como um sinal de que o chefe do Executivo pode estar disposto a levar adiante conflitos contraproducentes.

Na quinta-feira (23), o principal índice da B3, a bolsa braslieira, desabou 2,29% e fechou o dia no menor patamar desde julho de 2022, a 97.926 pontos. O dólar subiu 1,17%, para R$ 5,299, e os juros futuros avançaram: a taxa do Deposito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024, por exemplo, subiu de 13,01% para 13,17%.

“O Copom mais duro e a intensificação das críticas do governo à atuação do BC alimentaram a aversão ao risco e afastam investidores de ativos locais”, destacou a equipe de análise da Guide Investimentos.

No comunicado em que justificou a manutenção da Selic em 13,75% ao ano, na quarta (22), o Copom não deu qualquer indicação sobre redução futura nos juros e ainda ressaltou a possibilidade retomar o ciclo de alta caso as condições se deteriorem.

Por volta de 12h50 desta sexta (24), o mercado recuperava parte do terreno perdido na véspera, apesar da deterioração do ambiente financeiro no exterior. O dólar caía 0,75%, cotado a R$ 5,25; a B3 subia 0,81%, aos 98.721 pontos; e a taxa do DI para janeiro de 2024 recuava para 13,10%.

Relatório do Bradesco observa que os riscos envolvendo o sistema financeiro internacional voltaram ao radar depois de a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, sinalizar que ferramentas emergenciais podem ser utilizadas novamente para resgatar bancos regionais do país, evitando assim possíveis riscos sistêmicos. Além disso, as ações do Deutsche Bank na bolsa de Frankfurt (Alemanha) operavam em forte queda durante a manhã.

Cenário financeiro dominado pela política

Nesta quinta, Lula afirmou que "a história julgará" a decisão do Copom. Também reforçou que o Senado é "que tem que cuidar" do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Segundo o diretor de alocação e distribuição da InvestSmart XP, André Meirelles, o fim da autonomia do BC está fora de questão, uma vez que não conta com o respaldo do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. "O Legislativo seria contra qualquer medida nesse sentido."

A reação contra a medida do Copom não se restringiu a Lula. Vozes que costumam ser mais moderadas também se manifestaram. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou como "preocupante" o comunicado do Copom.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, disse que manter a taxa de juro em 13,75% é muito radicalismo. “De um lado, você tinha, até pouco tempo atrás, juros de 2%. Agora 13,75%. Eu acho é que precisa ter mais moderação. Não há uma inflação de demanda, pelo contrário. É preciso estimular a atividade econômica”, afirmou.

"Haddad e Alckmin estão falando em sintonia com Lula. O governo está criando uma narrativa para justificar o crescimento menor em função da taxa de juros", diz Mori, da Sarfin. O ponto médio (mediana) das expectativas dos agentes financeiros para o crescimento do PIB está em 0,88%.

O head de research da Genial Investimentos, Eduardo Nishio, destacou, em relatório enviado na manhã desta sexta, que o noticiário político continua a impactar os mercados.

Os problemas não se limitam aos ataques ao Banco Central. Também chamou atenção a alegação Lula – desmentida por provas coletadas pela Polícia Federal – de que um plano da facção criminosa PCC seria uma "armação" de Sergio Moro.

"Localmente, as agruras em relação à deteriorada relação entre o governo e o Banco Central se confundem com a política", diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset. "O desvio de foco e o ataque desproporcional [de Lula] acabam dando força tanto ao senador quanto ao presidente do Banco Central, pois demostram um destempero semelhante, o que não parece de todo normal."

Para Vieira, os ataques "perderam força e propósito" e obrigam o governo a entregar "algo crível e rápido", referindo-se ao novo arcabouço fiscal, tido como fundamental para permitir uma redução da taxa de juros.

Prometida para este mês pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a apresentação da regra que substituirá o teto de gastos foi adiada por ordem de Lula. A interpretação do mercado foi de que o presidente considerou o projeto muito austero e quer mais espaço para gastos.

Até então, a intenção de Haddad era de que o arcabouço fosse divulgado antes da reunião do Copom, realizada na terça e quarta, de forma a influenciar a decisão dos diretores do BC.

Inflação dá alívio momentâneo

Um alívio, ao menos momentâneo, veio com a divulgação do IPCA-15, a prévia da inflação, que fechou março em 0,69%. No acumulado de 12 meses, a alta nos preços foi de 5,36%.

“Há uma importante desaceleração em curso da inflação afetada pela dinâmica menos favorável da atividade econômica e da política monetária que devem ter seus efeitos intensificados à frente”, diz a especialista em inflação da Warren Rena, Andréa Angelo.

Embora classifique o número do IPCA-15 como "um sinal de alívio em meio à turbulência", Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, destaca que as leituras recentes do IPCA mostram uma inflação ainda pressionada.

“Parece cedo para afirmar que o processo de desinflação retomará tração daqui para frente, tendo em vista o cenário de elevação das expectativas inflacionárias, taxa de câmbio depreciada e alguns estímulos de curto prazo à atividade econômica", disse Margato, em relatório.

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