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Comério internacional

Mercado para etanol ainda é sonho

Venda interna cresce, mas a viabilidade do combustível está atrasada por falta de escala, distribuição e padronização

Usina de etanol no estado americano de Iowa: dúvidas no maior mercado de combustíveis do mundo | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Usina de etanol no estado americano de Iowa: dúvidas no maior mercado de combustíveis do mundo (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)
Veja gráfico sobre o crescimento das exportações de etanol |

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Veja gráfico sobre o crescimento das exportações de etanol

O setor de etanol, o álcool combustível, passa por uma fase que contrasta com a animação dos últimos anos. Desde 2003, quando foi lançado o primeiro carro bicombustível no Brasil, o produto se tornou "a próxima grande coisa" que o país venderá ao mundo. Dezenas de viagens presidenciais e de conversas com possíveis clientes no exterior depois, o etanol continua longe de ter um mercado global e os produtores reclamam de preços baixos e exportações em queda.

Países como Japão, China e a União Européia deram partida a programas de incentivo ao etanol. Há boas razões para isso. Por ser uma alternativa renovável e com baixa emissão de gases do efeito estufa, quando comparado à gasolina, o etanol brasileiro, feito com cana-de-açúcar, é sim um grande produto. Entre todos os biocombustíveis de primeira geração, é o que oferece a maior redução nas emissões, de até 90%. O similar americano feito de milho fica em torno de 20%. Seu uso disseminado na frota de carros no Brasil, onde quase 90% dos veículos novos são bicombustíveis, serve como um cartão de visitas invejável – é a comprovação de sua viabilidade técnica assinada por multinacionais do setor automotivo.

O que as usinas instaladas no Brasil descobriram é que um bom produto não funciona sem um mercado. A história do uso do álcool no país mostra isso. Ele foi adotado com um fortíssimo empurrão do governo para estimular a demanda e foi salvo pela tecnologia de motores flexíveis – que, aliás, só evoluiu de forma tão rápida porque o etanol já tinha produção em larga escala e estava em todos os postos de combustíveis do país. Essas duas variáveis, escala e distribuição, estão entre os fatores que emperram o avanço do produto. Além disso, falta uma padronização internacional do etanol para que ele seja comercializado em bolsas de mercadorias e, finalmente, há o protecionismo dos maiores mercados.

"A formação de um mercado global está demorando mais do que pensávamos", diz Geraldine Kutas, assessora internacional da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). "Esperávamos que outros países adotassem a tecnologia rapidamente, mas há a diferença de que para nós ela não era novidade." A animação com o etanol também se explicava pelo interesse de grupos estrangeiros, que correram para comprar terras e usinas no Brasil. Um exemplo disso é a Infinity Bio-Energy, uma empresa com ações negociadas na Bolsa de Londres e que investiu US$ 500 milhões em seis usinas. Em meados de maio, entrou com pedido de recuperação judicial.

Boom

"Muitos investidores pensaram que o mercado internacional ia absorver rapidamente a oferta de etanol do Brasil e isso não se concretizou", explica Bruno Boszczowski, analista da AgraFNP, uma consultoria do setor agrícola. O boom de investimentos fez com que a abertura de novas usinas tivesse um salto – passou de dez em 2005 para 30 em 2008. Eram esperadas pela Conab outras 30 para este ano, mas a tendência se inverteu e devem entrar em funcionamento apenas 23 novas fábricas, segundo a Unica. Número que tem tudo para ser revisto para baixo.

A produção de etanol mais do que dobrou nos últimos sete anos. Era de 12 bilhões de litros na safra 2002/2003 e, segundo projeção da Unica, passou de 25 bilhões de litros no ciclo 2008/2009. As exportações, porém, estão em tendência de queda. Subiram até 2008, quando chegaram a 5 bilhões de litros. Agora a projeção é de 3 bilhões de litros.

O aumento na produção está atendendo a um crescimento sólido do mercado interno, mas, sem a demanda externa, os preços estão baixos. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ligado à Esalq/USP, as usinas estão recebendo menos de R$ 0,70 por litro, cerca de R$ 0,30 menos do que no mesmo período de 2007. "Muitas usinas estão descapitalizadas e precisam vender a qualquer preço para pagar as contas. Quem entrou no mercado sem o conhecimento de como ele funciona não vai sobreviver", afirma Anísio Tormena, presidente da Alcopar, associação que representa o setor de álcool e açúcar no Paraná.

Abertura é processo lento e sem garantias

Os investidores do setor de etanol estão aprendendo que a formação de novos mercados demora. Ela enfrenta barreiras comerciais de países que querem desenvolver suas próprias indústrias, a falta de consumidores que confiem no produto e a ausência de padrões que facilitem as negociações. E o investimento para superar qualquer desses desafios tem retorno incerto.

Para especialistas, a criação de um mercado global para o etanol passa pela abertura dos dois maiores mercados do mundo, os Estados Unidos e a União Europeia. Os EUA passaram a apostar no álcool na metade da década. Com subsídios do governo, nasceu uma grande indústria de etanol de milho – maior, inclusive, do que a brasileira. Para entrar nesse mercado, o produto brasileiro paga tarifa de 54 centavos de dólar por galão (3,6 litros). Na Europa, o cenário é parecido: alguns países, em especial a França, estimulam a indústria local, e o combustível brasileiro paga 19 centavos de euro por litro.

"Esses dois mercados também vão aumentar as exigências ambientais e sociais para o etanol brasileiro. Por isso, precisamos encarar a exportação como um projeto de médio prazo", diz Mirian Piedade Bacchi, pesquisadora do Cepea e professora da Esalq/USP. A especialista destaca que outro problema enfrentado pelo produto do Brasil é que ele deixou de contar com os altos preços do petróleo e do milho, que aumentavam sua competitividade no mercado externo.

O lado bom da proteção às indústrias locais nos EUA e na UE é que elas têm interesse em que o etanol seja definitivamente adicionado à matriz energética, o que pode levar à venda de carros flex e à criação de uma rede de distribuição. Esse processo está mais avançado nos EUA e em alguns países europeus, em especial a Suécia – que, aliás, é uma grande aliada do Brasil para convencer seus colegas de bloco a relaxar as restrições ao álcool de cana-de-açúcar.

O Brasil conta com a preocupação desses países em reduzir as emissões de gases do efeito estufa e em diversificar as fontes de energia para transporte. Nos EUA, por exemplo, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) recentemente mudou as metas de inserção do etanol na matriz energética. Ela estabeleceu um limite para a produção de álcool de milho, que deve ser atingido em 2015. A partir de então, a demanda será atendida por etanol avançado, que tem emissões mais baixas, e celulósico, uma nova tecnologia ainda em fase experimental e que promete revolucionar a indústria.

"Eles preveem uma demanda de 175 bilhões de litros em 2022 e acreditamos que o etanol vai se qualificar como uma das fontes consideradas avançadas", diz Geraldine Kutas, assessora internacional da Unica. Nas contas da EPA, o etanol avançado responderá por 15 bilhões de litros do consumo americano, três vezes mais do que as exportações atuais do Brasil.

Na UE, o potencial do combustível é menor. Lá, o setor de transportes terá de incorporar 10% de fontes renováveis em sua matriz até 2020. Cálculos da Unica indicam que isso levaria a uma demanda de 14 bilhões de litros de etanol por ano – outra parte significativa da substituição seria feita com biodiesel. Como o volume não é tão grande quanto nos EUA, pode ser mais difícil vencer os lobbies que defendem os produtores de álcool de beterraba ou de cereais.

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