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Mercado vem reduzindo projeções de inflação, mas gastos do governo e motor ‘sobreaquecido” da economia podem pressionar os preços mais adiante, segundo especialistas.
Mercado vem reduzindo projeções de inflação, mas gastos do governo e motor ‘sobreaquecido” da economia podem pressionar os preços mais adiante, segundo especialistas.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

As expectativas para a inflação em 2024 estão diminuindo. O ponto médio (mediana) das projeções coletadas pelo Banco Central estava em 3,9% no início do ano; agora, é de 3,77%. Novas reduções podem estar a caminho, pois bancos e corretoras têm revisado suas planilhas – já há instituições projetando que o IPCA acumulado no ano encerre em 3,4% (leia mais abaixo).

Esse é o "cenário básico". A questão é que ainda há pressões persistentes, que podem mudar esse quadro mais adiante. As principais:

  1. O risco de a economia crescer acima do que seu potencial, ou seja, acima do que a oferta de produtos e serviços é capaz de atender; e
  2. A insistência do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em aumentar os gastos públicos para dar mais dinamismo à economia.

Crescimento demais força o "motor" da economia

Faz três anos que a economia brasileira cresce perto de 3% ao ano ou mais. Em 2021, depois da pandemia, o PIB avançou 4,8%; no ano seguinte, 3%; e em 2023, 2,9%.

“É uma realidade completamente diferente da registrada nos últimos 45 anos”, diz Simão Davi Silber, presidente do conselho curador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Nesse período, a economia cresceu a um ritmo médio de 2,2% ao ano.

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, disse para “O Estado de S. Paulo” que se o país continuar crescendo a um ritmo próximo a 3% vai ter dificuldades com pressão inflacionária.

Cálculos feitos por ele indicam que a capacidade de crescimento do país sem gerar inflação está entre 1% e 1,5%, apenas. É menos do que a mediana das projeções para a expansão do PIB em 2024, que está em 1,78%, segundo o boletim Focus, do BC.

Segundo Silber, uma das principais razões para a possibilidade desse “sobreaquecimento” foi o baixo investimento em expansão da capacidade produtiva. Dados do IBGE mostram que desde 1995, o PIB brasileiros se expandiu 83,4%. O investimento cresceu menos, 64,6%.

“A capacidade de produção não se expande rapidamente e as pessoas acabam por promover uma espécie de leilão sobre os bens produzidos, o que pressiona os preços”, diz o economista.

Ele observa que a taxa de investimento produtivo da economia brasileira – que fechou o ano passado em 17,2% do PIB – não é capaz nem de repor o que está ficando velho. Está mais distante ainda, portanto, de expandir nossa capacidade de produção. Os economistas apontam que a taxa ideal de investimento para países emergentes como o Brasil estaria entre 20% e 25% do PIB.

Contas públicas também preocupam

Um agravante que estaria ajudando a “forçar” o motor da economia brasileira é o aumento dos gastos do governo, pressionando ainda mais as contas públicas. Essa estratégia foi muito usada pelos governos do PT para tentar acelerar o crescimento econômico a qualquer custo.

Nos últimos três trimestres, as despesas de consumo da administração pública cresceram mais do que a atividade econômica. Elas já respondem por 21% do PIB, o maior percentual em três anos.

A situação das contas públicas vem piorando, como fica evidente na análise do resultado primário (que compara receitas e despesas do governo, sem contar os gastos com a dívida). Segundo o BC, o país saiu de um superávit primário de 1,25% do PIB em 2022 para um déficit de 2,29% do PIB em 2023. Nesse mesmo intervalo, a dívida bruta do setor público aumentou de 71,6% do PIB para 74,3%.

Silber, da Fipe, explica como ocorre esse impacto do aumento das despesas públicas sobre a inflação: a ampliação dos gastos e o aumento nas transferências às famílias (aposentadorias, pensões, BPC, Bolsa Família e outras) em níveis reais mantêm o consumo aquecido, forçando o aumento dos preços, já que a capacidade produtiva não tem como se expandir de forma mais rápida.

A preocupação não se restringe aos analistas. Ela também está presente nas atas do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). A ata do último encontro, divulgada em 6 de fevereiro, cita que o esmorecimento no esforço em relação à disciplina fiscal tem o poder de elevar a taxa de juros neutra da economia (aquela que não prejudica nem estimula o crescimento).

Instituições financeiras projetam menos inflação

Nas últimas semanas, uma série de instituições tem revisado para baixo suas expectativas para a inflação em 2024. Na XP Investimentos, por exemplo, a projeção passou de 3,7% para 3,5%.

O ajuste foi concentrado na alimentação no domicílio. “A dinâmica de curto prazo se provou mais benigna do que esperávamos”, diz o economista Alexandre Maluf. Originalmente, as expectativas eram de que os efeitos do “El Niño” fossem mais fortes, mas os preços dos alimentos in natura variaram menos do que se esperava.

Outro fator que influenciou foi que os preços dos grãos – milho, soja e trigo – atingiram patamares mais baixos que os estimados. A expectativa é de que haja uma queda adicional no preço do milho nos próximos meses. Esse cenário deve resultar em desaceleração mais intensa de itens como proteínas. Mesmo assim, a inflação dos alimentos in natura deve ser maior do que a do ano passado, atingindo 2,8%.

Outro fator que deve ajudar é a antecipação de recursos da privatização da Eletrobras para aliviar os preços da energia. Os recursos devem ser utilizados para quitar dívidas relacionadas às contas de “escassez hídrica” e ao período da pandemia. “Vale salientar que o governo tem interesse em redistribuir custos do setor para os clientes do mercado livre de energia, o que traria uma queda adicional nos preços medidos pelo IPCA”, diz Maluf, em referência a uma proposta de reforma gestada pelo Ministério de Minas e Energia.

Quem também reduziu suas projeções para a inflação em 2024 foi o Santander: no fim de fevereiro, elas passaram de 3,9% para 3,4%. A justificativa é que há um cenário mais construtivo para este ano, após a surpresa registrada pelo IPCA em fevereiro, quando houve alta de 0,83%.

“Acreditamos que preços menores em reais para as commodities agrícolas e industriais podem persistir ao longo do ano e ser a mais importante razão para a desaceleração da inflação de bens”, destacam os economistas Adriano Valladão e Daniel Karp.

Outro fator que, segundo eles, contribuiu para a revisão das projeções para baixo foi um melhor desempenho dos preços monitorados pelo governo, especialmente licenciamento e emplacamento de veículos.

O cenário é similar no Bradesco, onde a projeção para a inflação foi revista de 3,6% para 3,4%. Segundo o departamento econômico da instituição, o fenômeno El Niño "está tendo efeito sobre as safras brasileiras, mas a safra global cresce consideravelmente, levando à queda de preços no mercado internacional".

O banco, entretanto, alerta que a composição da inflação nas últimas leituras trouxe sinais de possível pressão salarial afetando o IPCA. A avaliação é de que os preços de serviços mais intensivos em mão de obra e os subjacentes (essenciais para o funcionamento de uma determinada atividade ou setor) estão se acelerando.

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