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Fernando Haddad
Ministro Fernando Haddad: corre contra o tempo para aumentar a arrecadação| Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

A Medida Provisória 1202, editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no apagar das luzes de 2023, vetando a desoneração da folha de pagamentos dos setores que mais empregam no país é considerada uma opção "desastrada" e fruto do "desespero fiscal" do governo pelos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

Além de estabelecer um embate com o Legislativo, desconsiderando as deliberações do Congresso sobre o tema, a medida também não apresenta alternativa para distorções tributárias, conforme justificado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

"A proposta cria uma desoneração ainda menos inteligente que a anterior", avalia Hélio Zylberstajn, professor senior da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e coordenador do Salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Para ele, a MP mantém o mesmo "pecado" da desoneração inicial da folha, que é eleger setores. "A subjetividade da escolha propicia lobbies. Fica um jogo político, é muito ruim", diz

A MP revoga a desoneração da folha de pagamentos dos 17 setores da economia que havia sido aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado, mantendo a substituição da contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre o primeiro salário mínimo dos funcionários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. A Gazeta do Povo, como empresa de comunicação, está entre as beneficiadas pela prorrogação da desoneração da folha de pagamento.

Em seu lugar, a MP define uma volta gradual da contribuição patronal sobre os salários, de forma escalonada, até 2027. Sem informar os critérios para a escolha, estabelece 42 atividades econômicas - e não mais setores - em que a contribuição será reduzida.

As atividades, divididas em dois grupos, terão redução da CPP de 50% ou 25% no primeiro ano, conforme o grupo em que a atividade estiver alocada. No primeiro grupo de atividades, o governo incluiu, por exemplo, atividades relacionadas ao setor de transportes, de TV e TV por assinatura. No segundo grupo, edição de livros, fabricação de calçados e construção civil.

Além de desagradar aos contemplados com uma desoneração gradual, a MP não justifica a exclusão ou não inserção de outros segmentos. Atividades ligadas a fabricantes de máquinas e equipamentos, da indústria têxtil e confecções, call center e de proteína animal e seus setores são algumas que não estão listadas na MP.

“Isso é dividir para reinar. Ficou todo mundo com quase nada e outros com nada, afirmou, ao UOL, Vivien Suruagy, da Feninfra (Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática), setor mais intensivo em mão de obra de todos os setores atendidos pelo programa.

No entendimento de Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp) a MP é um "remendo" que criou um embate com o Congresso numa lógica de arrecadação. "O problema não são as atividades tendo desoneração, mas os demais setores que não a tem", afirma Faria.

Questão fiscal está no centro do debate

Adotada em 2011, a desoneração da folha de pagamentos, que visa a geração de empregos nos setores de mão de obra intensiva, perderia a validade no fim deste ano.

Por iniciativa do Congresso, foi prorrogada até 2027, mas acabou vetada pelo presidente Lula da Silva. O veto foi derrubado em nova votação, em dezembro, com ampla maioria da Câmara e do Senado. Em 28 de dezembro, a MP foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para começar a valer em 1º de abril.

Haddad justificou a edição da MP pelo custo o estimado da desoneração para este ano, que não estava contemplado no Orçamento. Da forma como o Congresso aprovou, a estimativa de que o impacto da prorrogação da desoneração seria de pelo menos R$ 18,4 bilhões em 2024.

Deste total, o valor total da renúncia fiscal para as empresas dos 17 setores seria de R$ 9,4 bilhões. Outros R$ 9 bilhões seriam para os municípios com até 156.216 habitantes em razão da redução de alíquota previdenciária de 20% para 8% sobre o salário do funcionalismo, ponto também sustado pela MP.

Com a reoneração da folha, o governo calcula arrecadar R$ 6 bilhões neste ano. A MP também limita a compensação de créditos tributários obtidos por empresas por meio de decisão judicial, o que deve gerar outros R$ 20 bilhões ao Tesouro.

Também extingue, até 2025, os benefícios tributários concedidos às empresas de promoção de eventos por meio do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), criado para aliviar prejuízos do setor durante a pandemia de Covid-19. O programa custaria ao governo outros R$ 6 bilhões este ano.

O ministro corre contra o tempo para aumentar a arrecadação federal este ano e contornar a exigência de que a meta fiscal seja revisada em março, quando o Tesouro Nacional divulgará o relatório bimestral das contas públicas.

Para manter a meta de déficit zero, prevista pelo arcabouço fiscal, o governo precisa arrecadar receitas extras de R$ 168,5 bilhões. O mercado precifica que o valor não será atingido, estimando um déficit de até 1% do PIB, e já conta com a revisão da meta.

Haddad tenta esticar o prazo, num embate com setores do governo, que tentam pressionar para a revisão da meta, que permitiria mais folga orçamentária num ano eleitoral.

Na avaliação do presidente do Ilisp, a meta é apenas arrecadar mais dinheiro para poder bancar o excesso de gastos do governo, que não quer fazer sua parte e cortar despesas. "O calendário do governo é eleitoral, tanto que a desoneração vai até 2027, passadas as duas eleições. A MP vai adiando este remendo eterno", afirmou.

Geração de empregos divide governo e empresários

Setores beneficiados pela desoneração alegam que sua extinção vai gerar demissões pelo aumento de custos previdenciários.

O governo federal, por sua vez, recorre a uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrando que de 2012 a 2022 os setores desonerados fecharam 960 mil postos de trabalho, uma queda de 13%. Ao mesmo tempo, segundo o levantamento, empresas privadas de outros setores tiveram um aumento de 6,3% (1,7 milhão) nos empregos com carteira assinada de 2012 a 2022.

Os números neste sentido, no entanto, são questionados por centrais sindicais e economistas. Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior de economia aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirmou ao UOL que os estudos são "ruins". Um deles mostra que o custo para geração de vagas é muito alto em relação ao salário pago aos trabalhadores.

Para Zylberstajn, não há evidencia que a tributação diferenciada auxilie a empregabilidade. "A tributação deve ser neutra, igual para todos os setores.

Na avaliação de Marcelo Faria, mesmo com o embate de narrativas contraditórias sobre demissões e desemprego, o cenário é prejudicial ao governo. "Justificar a retirada de um benefício com impacto social é difícil. O governo deveria estar preocupado a economia e não apenas com a arrecadação".

MP deve ser negociada e culminar em projeto de lei

Zylberstajn acredita que a proposta pode ser aprimorada neste sentido, com as negociações entre o governo e Congresso nos quatro meses até a entrada em vigor da medida provisória.

Segundo ele, o governo poderia fazer a conta da perda total com a desoneração e distribuir o valor igualmente entre todos os empregadores, reduzindo o valor da alíquota do primeiro salário mínimo de todos os empregados no país.

Uma proposta semelhante à defendida pelo secretário especial da reforma tributária, Bernardo Appy, mas acabou não sendo discutida no âmbito da PEC 45. "Seria uma saída muito mais razoável", acredita o professor.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, promete para a próxima semana a discussão sobre o destino da MP. Sobre ele, crescem as pressões dos deputados, descontentes com a imposição do governo e de entidades de variados setores. A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) enviou ofício à Mesa requisitando a devolução da MP. Por enquanto, Pacheco disse apenas "estranhar" a medida. Analistas políticos e econômicos não descartam uma negociação que culmine em projeto de lei a ser avaliado pelo Congresso.

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