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“Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós. Aqui no Brasil há uma separação entre governo, indústria e o terceiro setor. E agora é absolutamente claro que o governo sozinho não consegue resolver o problema que tem nas mãos.” | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
“Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós. Aqui no Brasil há uma separação entre governo, indústria e o terceiro setor. E agora é absolutamente claro que o governo sozinho não consegue resolver o problema que tem nas mãos.”| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Considerado um "papa" da consultoria empresarial, o australiano Brian Bacon abriu uma conferência para empresários na última quinta-feira, em Curitiba, dizendo que esta é "uma crise maravilhosa". E não decepcionou os cerca de 100 inscritos para o evento, que pagaram R$ 2,8 mil para, durante dois dias, trabalhar com o consultor e ouvir suas palavras. O evento foi promovido pela Unindus, a universidade corporativa do Sistema Fiep – antes disso, Bacon passou o início da semana prestando consultoria para a fabricante de alimentos Nutrimental, de São José dos Pinhais.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o consultor disse que somente quando as empresas e seus líderes não tiverem mais nenhuma alternativa frente à atual turbulência econômica é que irão criar algo novo, que as fará maiores e mais fortes. Profético, Bacon disse que não há data para esta crise acabar "porque ela nunca vai acabar" se o modelo econômico vigente não for trocado por outro. E deu um recado às empresas: é bom aproveitar o momento para limpar a casa.

Você tem dito que esta é uma crise maravilhosa. O que isso significa?

A verdade é que ninguém gosta de mudanças. É mais confortável fazer o que você sempre fez. As pessoas têm a capacidade de mudar, mas continuam fazendo o mesmo. Mas o que as crises fazem é tirar de você todas as suas opções e alternativas e forçar você a ver as coisas mais claramente – coisas como qual é o real sentido do seu negócio, o que é verdadeiro na sua relação com seus clientes e empregados, e o que você tem que manter absolutamente, sob todas as circunstâncias, e o que você deve dispensar. E é por isso que, para alguns líderes e algumas companhias, essa crise é uma oportunidade de inovar de um jeito que nunca se inovou antes, de estar mais próximo, em comunicação com os clientes, de entender profundamente o que você precisa e de criar relacionamentos próximos com seus empregados. É uma oportunidade de limpar a casa.

É possível fazer isso, ser inovador e crescer, quando você tem que cortar empregos e custos?

Isso na verdade ajuda você a inovar. Se você ganha reduzindo custos, então você vai fazer isso até não encontrar nenhuma outra opção. Churchill disse que os americanos sempre fariam a coisa certa, depois de exauridas todas as outras opções. Meu ponto é que as companhias serão maiores depois que exaurirem todas as opções de cortar custos, todas as opções de reestruturação. Tudo o que resta é pensar completamente diferente sobre tudo isso.

É fácil fazer isso?

É, se você tem a atitude, o caráter e a abertura de mente corretos. É sobre essas três dimensões que nós estamos falando aqui, essas são as qualidades de líder que você precisa em tempos de crise. Quando você olha para os exemplos das companhias que inovaram e criaram algo totalmente novo, você vê que isso aconteceu durante crises. Veja o caso do McDonald’s. É uma companhia de US$ 58 bilhões que está ficando maior exatamente durante uma crise econômica. Como eles descobriram a capacidade de fazer isso? Quando, em 2003 e 2004, estavam numa séria crise, quando parte da empresa seria fechada e parte vendida a franqueados. Foi naquele ambiente que os líderes encontraram formas de inovar a linha de produtos. Quem alguma vez pensou que o McDonald’s venderia saladas? Há inovações ainda muito maiores, e todas criadas durante uma crise, quando mães e ativistas em todo o mundo começavam a se voltar contra o McDonald’s. Como você responde a isso? Você pode se defender, ou perguntar o que realmente está havendo e o que os clientes estão tentando dizer. E então você cria e inova em resposta a isso. Foi o que eles fizeram. Eles limparam a casa.

Você trabalhou com vários governos e países. O que você sugere para o governo brasileiro como forma de enfrentar a crise?

É preciso trabalhar com a civilização. Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós. Aqui no Brasil há uma separação entre governo, indústria e o terceiro setor. E agora é absolutamente claro que o governo sozinho não consegue resolver o problema que tem nas mãos. E a gente já viu o que ocorre quando o mundo dos negócios não tem o apropriado senso de responsabilidade e envolvimento com a sociedade e o governo. E o terceiro setor e as ONGs não podem fazer nada sozinhos. Quando você coloca os três juntos, tudo é possível. Acredito que é necessário surgir um novo poder de governo, com o setor de negócios e o terceiro setor trabalhando juntos.

Algumas companhias estrangeiras instaladas aqui estão registrando perdas enormes nas matrizes e bons lucros no Brasil. Isso ocorre só porque somos um mercado em crescimento ou essas companhias são mais eficientes no Brasil?

É mais uma questão de ciclo de vida que qualquer outra coisa. O Brasil é um dos países que está sendo relativamente menos afetado pela crise atual. Há várias razões para isso. E uma delas é que o sistema financeiro e bancário do país está relativamente em melhor forma que em muitos outros países. E o Brasil experimentou nos últimos 15 anos um período de prosperidade e crescimento. A classe média, em termos econômicos, mostrou um poder e uma força que você não vê em outros países. Esses fatores estão provendo condições no momento para que o Brasil seja forte. No entanto, isso é um ciclo de vida. O impacto do que está acontecendo fora não pode ficar fora do Brasil.

E qual a solução? Os pacotes de ajuda ao sistema financeiro em todo o mundo vão surtir efeito?

Não, isso não vai acontecer. O sistema está quebrado porque está fundamentalmente errado. Quão sustentável é um sistema em que 15% a 20% [das pessoas] consomem 85% dos recursos? Como pode ser sustentável um sistema que afeta tão negativamente o meio ambiente, as cidades, as comunidades e a ecologia? Eu não acredito que seja simplesmente possível consertar apenas o que está errado na economia e no sistema econonômico. Eu acredito que um novo sistema será criado, no qual haverá apropriada integração entre economia, ecologia e sociedade.

E quem tem o papel principal nisso tudo? As empresas?

Elas não têm todo o trabalho, mas sim o principal trabalho. É um fato: as empresas são a mais poderosa força na sociedade. Mas nunca desenvolveram um senso de responsabilidade pelo todo. O que nós estamos vendo é que agora as empresas estão desenvolvendo e reconhecendo sua responsabilidade pelos consumidores. As pessoas estão preocupadas com o aquecimento global, com o meio ambiente e o que está ocorrendo em suas cidades. E elas estão muito conscientemente fazendo escolhas sobre produtos, com suas opiniões do que é bom para a comunidade e para a ecologia. No momento, é por esta razão que está havendo um comportamento mais consciente por parte das empresas. A minha geração está passando a bola para a nova, que tem diferentes valores e uma percepção diferente da sociedade. E agora você vê essa evolução nos negócios, um senso mais natural de integração com o todo. Essa crise vai ser boa para acelerar essa nova consciência nos negócios.

Na última semana o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) disse que essa crise levaria três anos para que fosse superada? Você concorda?

Isso me faz pensar que alguém está dizendo que vai levar três anos para consertar algo que está quebrado. A verdade é que isso nunca vai ocorrer. A questão é: quanto tempo vai levar para criarmos algo totalmente novo, para criar um sistema totalmente novo? Isso sim é que pode levar três anos. Mas a ideia de que nós temos que pegar algo, consertar e voltar ao passado é errada: vamos fazer alguns consertos, mas aí vamos quebrar de novo, e pode até ser pior. E aí vamos encarar a mesma situação que vemos no Japão. Lá pensaram: "Isso vai levar um ano ou três anos? O que você acha?" Adivinhe só: isso foi há dez anos. E ainda estão rastejando, porque não resolveram a questão fundamental. Eles tentaram colocar ‘band aids’ na situação, e não tentaram encontrar um approach totalmente diferente. O risco para a economia global é que nós façamos o mesmo. Minha esperança é que uma coalizão de novos líderes, entre eles Barack Obama, líderes de negócios, de grandes corporações, e líderes sociais, trabalhem como parceiros para criar algo completamente e fundamentalmente novo. Essa é a oportunidade. E é por isso que essa é uma crise maravilhosa.

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