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Chineses no metrô consultam o smartphone | Cory M. Grenier/Flickr
Chineses no metrô consultam o smartphone| Foto: Cory M. Grenier/Flickr

Há 30 anos, a China enviou seu primeiro e-mail. "Ao longo da Grande Muralha, podemos chegar a todos os cantos do mundo", escreveu a Administração de Correio da China a pesquisadores da Universidade de Karlsruhe, na Alemanha, às 21h07 (horário de Pequim) em 14 de setembro de 1987. 

Mas, em vez de derrubar a muralha, a China construiu uma nova, no ciberespaço: o maior sistema de censura, controle e vigilância da internet no mundo, apelidado de Grande Firewall da China. 

Trinta anos depois, o país segue ampliando esses controles. 

Desde a promulgação de uma nova lei de segurança cibernética em junho, o Partido Comunista promoveu novas regulações — e etapas para reforçar as existentes — que refletem seu desejo de controlar e explorar cada centímetro do mundo digital, dizem especialistas. 

Hoje, o Grande Firewall está sendo construído não apenas em torno do país, para manter ideias estrangeiras e verdades desconfortáveis do lado de fora, mas em torno de cada indivíduo, computador e smartphone, em uma sociedade que se tornou a mais digitalmente conectada do mundo. 

Novas leis

No mês passado, a Administração do Ciberespaço da China efetivamente acabou com o anonimato online ao tornar as empresas de internet responsáveis por garantir que qualquer pessoa que publique alguma coisa esteja registrada com seu nome verdadeiro

A China fez uma limpa nos serviços de VPN (rede privada virtual) que os internautas usavam para burlar as barreiras e evadir a censura, com a Apple concordando em remover aplicativos de VPN da App Store chinesa em julho e as autoridades detendo um desenvolvedor de software local por vender serviços similares durante três dias no mês passado. 

Neste mês, as autoridades chinesas expandiram drasticamente seus controles sobre o que as pessoas dizem em grupos de bate-papo privados, tornando o criador de um legalmente responsável pelo seu conteúdo e exigindo que as empresas de internet estabeleçam sistemas para classificar e marcar a conduta online dos usuários — assegurando que eles sigam a linha do Partido Comunista e promovam “valores básicos socialistas”. 

Essas pontuações acabariam por ser integradas em um sistema ainda em desenvolvimento de "crédito social" — uma espécie de classificação de crédito para indivíduos capaz de determinar o acesso a qualquer coisa, desde serviços financeiros até transporte e viagens ao exterior. 

As últimas leis de bate-papo tratam de outro golpe importante para os direitos já diminuídos dos cidadãos para expressar opiniões online, diz David Bandurski, co-diretor do China Media Project e fellow da Academia Robert Bosch em Berlim. Ele o classifica de um dos mais fortes indicadores da "atomização e personalização da censura" do partido. 

Chinesas mexem em seus smartphonesleniners/Flickr

Mais da metade da população da China está online. Isso significa mais de 730 milhões de usuários de internet que passam grande parte das suas vidas pessoal e comercial no ciberespaço e alimentam o maior mercado de comércio eletrônico do mundo. 

Mas, à medida que a China caminha para se tornar uma sociedade totalmente digital, onde o ciberespaço é a "terra, mar e céu" da vida dos cidadãos, o partido reivindica e consolida seu poder neste domínio, afirma Bandurski. 

"Cada uma das regulações que vimos sair nos últimos meses, na sequência da Lei de Segurança Cibernética, trata da extensão da autoridade política e administrativa a todos os aspectos do ciberespaço", afirmou. 

A última repressão é um reflexo da importância que os grupos de bate-papos têm na formação da opinião pública, disse Bill Bishop, editor da newsletter Sinocism

Ela também pode ter sido adiantada por conta de outra cúpula chave no próximo mês, quando Xi Jinping deve garantir, formalmente, mais cinco anos no poder como secretário geral do Partido Comunista. 

As acusações de corrupção de alto nível do bilionário exilado Guo Wengui, muitas vezes divulgadas no Twitter e no YouTube, também "tocaram na ferida", disse Xiao Qiang, professor adjunto da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e fundador do site China Digital Times

Esses fatores de curto prazo podem ter encorajado alguns dos últimos movimentos para expandir os controles. "Mas, em geral, eles fazem parte de um plano de governo maior", diz. 

O Grande Firewall trabalha para excluir notícias e informações que possam ameaçar a posição do Partido Comunista no poder, bem como redes sociais estrangeiras como Facebook e Twitter, que podem permitir que cidadãos comuns unam forças. 

O governo, no entanto, há muito estava ciente e aceitava que uma pequena porcentagem da população contornava o firewall usando VPNs, por considerar importante não alienar empresas domésticas e estrangeiras, acadêmicos e a elite que domina o idioma inglês. 

No entanto, como o uso de VPN se expandiu para uma parcela cada vez maior da população e passou também a serem usados pelos próprios funcionários do partido, as autoridades, aparentemente, decidiram que tinham que estabelecer limites, dizem especialistas. 

A Apple disse que sua cooperação nesse sentido foi motivada pela necessidade de observar as leis chinesas. A ajuda da gigante norte-americana foi condenada por ativistas e empresas que trabalham para contornar a censura. 

"Ao remover os aplicativos VPN da App Store, a Apple efetivamente eliminou o acesso à internet para bilhões de pessoas", disse Sunday Yokubaitis, presidente da Golden Frog, que supervisiona o VyprVPN. "A internet é informação e qualquer interrupção do acesso à internet é censura". 

Yokubaitis diz que também está preocupado com o fato de a Apple ter estabelecido um precedente perigoso para outros países com regimes restritivos, como a Rússia ou o Irã. 

O Partido Comunista há muito tolerava uma certa quantidade de críticas públicas online, desde que os cidadãos não tentassem se agrupar. Mas mesmo essa válvula de escape segura está sendo gradualmente reduzida, dizem os especialistas. 

Hoje a comida é muito melhor

Os críticos chamaram o sistema de crédito social de uma aliança profana entre o big data e o Big Brother. No entanto, em certo sentido, é um retorno a algumas práticas do Partido Comunista sob Mao Zedong atualizadas para a era digital, dizem os especialistas. 

"É ameaçador, embora, de certa forma, seja apenas um retorno à situação dos anos 1960 e 1970, quando você temia que seu vizinho te delatasse porque ouviu uma transmissão de ondas curtas da BBC ou disse algo negativo sobre o presidente Mao ", disse Jeremy Goldkorn, especialista em internet da China e editor da newsletter SupChina. "Mas hoje a comida é muito melhor". 

Bandurski diz que é hora de atualizar a ideia de um Grande Firewall — destinado a isolar a China do contágio externo — para pensar, em vez disso, em uma "Grande Colméia" de propaganda e firewalls ao redor do indivíduo, um ninho de conexões que o partido pode cortar e controlar de acordo com sua vontade. 

"Todos podem compartilhar a ilusão coletiva de que eles fazem parte de um próspero espaço de sussurros, mas todos estão juntos no projeto de orientação e coesão gerenciado do partido — e todos estão zumbindo mais ou menos na mesma frequência", escreveu ele em um artigo do China Media Project

Lester Ross, parceiro responsável pelo escritório de Pequim da firma de advocacia WilmerHale, disse que o controle crescente da internet é "inconsistente com o esforço declarado da China para atrair mais talentos internacionais e reduzirá a capacidade do país para competir em indústrias criativas". 

Os controles mais recentes provocaram algumas críticas online, mas os especialistas duvidam que elas cresceram a ponto de se tornarem relevantes. 

"Enquanto a economia não entrar em colapso, acho que a maioria dos chineses, como os americanos, aguentará uma extensa vigilância digital e a possibilidade de problemas decorrentes de manifestações online — em troca da entrega a domicílio de bolos de chocolate e apps de selfie que embelezam seu rosto", disse Goldkorn.

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