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Ozires Silva, ex-presidente e um dos fundadores da Embraer, | ISAE/Divulgação
Ozires Silva, ex-presidente e um dos fundadores da Embraer,| Foto: ISAE/Divulgação

Duas companhias com certo grau de independência, que preservam os valores do passado, mas que participam uma da outra visando o futuro mercado da aviação comercial, que passa pelo fortalecimento da aviação regional e pela fabricação de uma linha mais completa de aviões. Esse é o modelo considerado ideal em uma possível combinação de negócios entre a Embraer e a Boeing na visão de Ozires Silva, ex-presidente e um dos fundadores da Embraer.

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Silva esteve nesta quarta-feira (7) em Curitiba para participar do 11.ª edição do Prêmio Ozires Silva de Empreendedorismo Sustentável, uma iniciativa do ISAE – Escola de Negócios para reconhecer os melhores projetos de todo o país nas áreas de empreendedorismo e sustentabilidade. 

Em entrevista à Gazeta do Povo, o ex-presidente da Embraer, que está acompanhando as negociações informalmente, contou quais fatores fizeram com que a Boeing atravessasse a linha do Equador em busca de uma parceria com a Embraer e como essa parceria pode ser vantajosa para as duas empresas, se bem negociada. Ele também criticou as imposições do governo na negociação e analisou este momento de remodelagem da Embraer, um dos mais importantes para definir o futuro da organização criada há quase 50 anos.

Confira os principais trechos da entrevista: 

A Embraer e a Boeing confirmaram em dezembro do ano passado que estão conversando sobre uma possível combinação de negócios. Por que a Boeing está interessada na Embraer?

Ao longo do tempo, os grandes centros internacionais puxaram o tráfego aéreo, e a Airbus e a Boeing se aproveitaram disso. Então, houve um resultado muito claro: os grandes centros econômicos passaram a ter os grandes aeroportos e, nesses grandes aeroportos, temos os grandes aviões que fazem as grandes ligações. 

Mas, nos últimos anos, o que se notou foi que as pessoas querem se mover com bastante intensidade. Elas querem fazer uma viagem de avião na hora mais adequada, do local mais apropriado e para o destino que quiserem. E a grande aviação internacional não pode responder por isso. Foi nesse xadrez da competição do mercado que a Airbus comprou a segunda maior fabricante de aviões regionais do mundo, a Bombardier, mostrando que a Airbus entendeu que o passageiro não quer simplesmente viajar para um aeroporto distante e de grandes dimensões, entrar em um avião enorme que demora para embarcar todos os passageiros e ser transportado a grandes distâncias. Ela percebeu que o mercado da aviação regional, apesar de menor, é um mercado em evolução, atende melhor o que o passageiro mais moderno quer. 

Quando ela deu esse passo, a Boeing olhou para si própria e falou: “Puxa, a Airbus está entendendo melhor o mercado do que eu mesma”. Foi aí que a Boeing olhou o mercado internacional e se perguntou: “Quem é o campeão mundial de transporte aéreo regional?” A Embraer. E foi aí que a Boeing tomou a iniciativa de propor à Embraer uma parceria para que pudesse continuar atuando com os grandes aviões, mas ter também uma influência nos aviões de pequeno porte. 

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A Boeing estaria interessada somente na área de aviões regionais da Embraer ou existem outros interesses?

Ocorreu uma coisa simultânea que creio eu estimulou a Boeing. Recentemente, houve um grande articulista do The New York Times que publicou que a equipe técnica mais competente, mais rápida, mais dinâmica e mais inteligente na produção de aviões é da Embraer. E a própria Boeing reconheceu isso. Ela reconheceu que a Embraer nos seus primeiros 50 anos constituiu uma equipe técnica de extraordinário valor que pode produzir aviões em um velocidade maior e a um custo mais baixo que a velha equipe da Boeing. E por que velha equipe da Boeing? Porque a Boeing está sendo afetada pela idade, uma grande parte dos técnicos da Boeing está se aposentando . A Boeing estima que vai levar de 5 a 10 anos para recompor sua capacidade técnica.

O senhor acha que se a Embraer ficasse sozinha nesse novo cenário da aviação mundial ela conseguiria se manter altamente competitiva? Ou ela realmente precisa fazer uma parceria com a Boeing para reagir à aliança Airbus-Bombardier?

Este mercado da aviação regional também não é um mercado só. Ele tem aviões um pouco maiores e os menores. E o que está ocorrendo no Brasil de modo geral é que o custo de produção está crescendo bastante e o custo do capital mais ainda devido às enormes taxas de juros que praticamos. Em consequência disso, o desenvolvimento de um avião no Brasil está requerendo mais dinheiro do que em outro país que tenha um mercado de capital mais favorável que o nosso. E a Boeing tem isso. Ela está em um país como os Estados Unidos, com o valor das taxas iniciais de juros na faixa de 1%, enquanto no Brasil só agora os juros caíram para 7% ao ano. A Embraer precisa de mais dinheiro para fabricar seus aviões e a Boeing está disposta a colocar esse dinheiro, tendo como fonte de capitação de recursos os Estados Unidos, que é o maior mercado de capital do mundo. 

Outra questão é que os técnicos estão cada vez mais caros, querem ganhar mais, o que tem aumentado o custo. Portanto, tudo isso está contribuindo para o encarecimento da produção dos aviões. Quando a gente olha do lado de fora, como observador, para as razões da Boeing, nós podemos ver claramente que essas razões encontram solução em uma empresa como a Embraer. Portanto, a parceria faz realmente sentido.

E essa parceria é inevitável?

Sempre é evitável. Mas é aquela história, quando você recebe uma proposta de alguém, você chama isso de oportunidade. Ou você monta na oportunidade ou perde a oportunidade. É justamente isso que as duas empresas estão verificando, se a oportunidade é boa. Em minha opinião, eu acho que é muito boa e deveria prosseguir nessa direção.

Há riscos para a Embraer nessa negociação? Há quem tema que a Embraer seja incorporada pela Boeing, perdendo sua relevância como marca.

O aproveitamento de uma oportunidade envolve riscos para os dois lados. Nós, no Brasil, temos a mania de dizer que o nosso risco é maior do que os dos outros. Eu repito a sua colocação: “Há riscos de a Embraer ser incorporada pela Boeing?” A minha resposta, que participei intensamente da criação e conheço muito bem a gênese da companhia, eu diria exatamente o contrário. “Há risco de a Boeing ser engolida pela Embraer?” Eu acho que sim. 

Por quê?

Pelos atributos que fez a Boeing atravessar a linha do Equador e vir aqui falar conosco. Ninguém da Embraer se manifestou na Boeing nessa direção [de combinar os negócios]. Isso foi feito pela própria Boeing. Ela enxergou valores que nós brasileiros não estamos enxergando. A gente tem um pessimismo muito grande em relação ao Brasil, mas na realidade a Embraer é uma companhia de competição internacional e realmente competente. Eu diria que o risco está dos dois lados. Pode ser que no futuro você veja a Embraer tomar posse da Boeing, da mesma maneira que hoje as pessoas pensam que a Boeing vai tomar conta da Embraer. Não digo que as chances são iguais, mas que pode ocorrer o inverso, pode. 

Uma das hipóteses mais recentes é a de que a Embraer e a Boeing vão criar uma terceira empresa, responsável por toda a área de aviação comercial da Embraer. Só que essa empresa seria controlada pela Boeing. Para a Embraer, restaria 100% da área de defesa e uma participação minoritária no terceiro negócio. Quais seriam as implicações desse modelo para a Embraer?

Não me parece que seja uma decisão da Embraer. A decisão de fazer uma solução dessa natureza é uma imposição do governo brasileiro. O governo brasileiro está impondo isso, de modo que é uma solução para acomodar o que pretende o governo brasileiro. Agora, o governo dos Estados Unidos não colocou requisito nenhum, a Boeing está absolutamente livre para fazer a negociação do jeito que quer. Nós aqui não. E o mercado de defesa, como sabemos, é só do governo, setor privado não pode comprar, é um privilégio do governo. E o governo brasileiro colou a sua colher de pau nisso aí e está exigindo que o controle dos aviões de defesa que a Embraer produziu até hoje permaneça nas mãos dos brasileiros. Mas isso não tem grande sentido. A Embraer tem 80% dos seus acionistas espalhados pelo mundo todo, inclusive o Brasil. A Embraer não tem dono, ela tem acionistas, que em uma assembleia geral decidem os rumos da companhia por maioria, o que é uma forma bastante democrática de controle de empresa. A gente fica fazendo uma conversa com a imagem do espelho, apesar de a gente saber que a imagem do espelho não retrata a realidade.

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Na sua visão, o governo vai continuar irredutível em abrir mão da golden share na área de defesa ?

Eu não diria que o governo brasileiro é irredutível nisso, até porque tudo isso está sendo negociado. Esse desenho que você mencionou foi uma das alternativas, pode ser que saia outra. 

E qual seria o modelo ideal, na sua visão?

Eu sou suspeito para responder. Eu gostaria que a Embraer continuasse uma companhia com certo grau de independência da Boeing. Felizmente, a Boeing concorda com isso. Duas companhias, cada uma com seus acionistas, cada uma com seus diretores. Porque a Boeing reconhece que a Embraer tem uma competência técnica muito grande assegurada pelas boas diretorias que tem tido. Não se constrói uma equipe técnica sem uma direção competente. A Boeing respeita isso e não quer mudar isso. Eu também não quero. Eu acho que a melhor solução é essa mesmo: duas companhias independentes, uma participando da outra. Para isso, há o mercado de ações.

Essa negociação com a Boeing é um dos momentos mais importantes para a companhia?

Sem dúvida. Eu diria que a Embraer teve dois períodos de grande importância. O primeiro período foi, evidentemente, a criação da Embraer, que foi muito difícil. O setor privado não queria participar, não acreditava no projeto de um avião nacional. O fato é que nós conseguimos, inicialmente com o capital do governo, criar a Embraer. Depois, teve um momento extremamente importante que foi a privatização. Durante a privatização, nós certamente fizemos um esforço bastante grande para que a Embraer continuasse como uma empresa brasileira, que ela não mergulhasse nessa direção de ficar diluída no mercado internacional. Nós fizemos questão de produzir aviões brasileiros, com marcas brasileiras, com propriedade intelectual brasileira e patentes brasileiras para que a gente pudesse exercer o nosso direito de vender nossos produtos em todos os países do mundo. E a Embraer pode vender o avião dela em qualquer país do mundo, o que era uma meta nossa que foi cumprida. 

Qual deve ser o foco da Embraer no futuro, principalmente na área de aviação comercial? Continuar apostando na aviação regional ou entrar em outros segmentos?

Da mesma maneira que a Boeing está procurando um espaço para entrar no mercado regional, a Embraer também está procurando uma oportunidade para entrar no mercado de aviões grandes. No fundo, no fundo, nós vamos ter uma mistura desse negócio todo. De um lado, a Embraer entrando no mercado de aviões de maior porte, o que não é proibido, é apenas um problema ligado à competição, e do outro a Boeing encurtando a distância para entrar no mercado dos aviões pequenos, que tem um valor muito grande para o futuro e só recentemente foi percebido pelas grandes empresas mundiais. 

E nós tivemos uma sorte muito grande, porque durante todo esse período os grandes fabricantes mundiais não eram concorrentes diretos nossos. Foi por isso que nós pegamos uma fatia do mercado mundial, porque se nós tivéssemos decidido entrar no mercado mundial, dos grandes, muito provavelmente nós teríamos uma concorrência demasiadamente pesada e não aguentaríamos. De modo que eu acho que a coisa funcionou mais ou menos como o previsto, de nós consolidarmos uma marca muito forte na área de aviação regional e somente quando nós ficamos suficientemente fortes é que estamos recebendo uma proposta da Boeing. Acho que a estratégia funcionou. 

Agora, resta que se faça uma negociação hábil, bastante hábil, em que se possa preservar os valores do passado da Embraer e da Boeing, que são os trampolins para a conquista do novo mercado.

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