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 | Almir Salgado
| Foto: Almir Salgado

Embora tenha conseguido transferir duas patentes à iniciativa privada no mês passado, algo até então inédito em sua história quase centenária, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) está longe de se destacar no cenário nacional de depósito de patentes. De acordo com o último estudo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), divulgado em 2007, a instituição ocupa apenas o 13.º lugar entre as universidades no ranking de depositantes. A posição da UFPR é reflexo do cenário universitário nacional, já que apenas 2,3% dos registros de patentes concedidos em todo o país são requeridos por instituições de ensino superior.

O caminho para reverter esse quadro, segundo a professora e coordenadora de propriedade intelectual da Agência de Inovação da UFPR, Edmeire Cristina Pereira, é a união de forças entre o governo federal, empresas e universidades. Em entrevista à Gazeta do Povo, Edmeire defende uma maior participação do setor industrial, pois, para ela, muitos empresários ainda estão "acomodados".

A cultura do registro de patentes é nova no Brasil?

É uma situação paradoxal. O Brasil sempre esteve presente nos principais acordos internacionais sobre patentes e direitos autorais. Isso há mais de cem anos. Porém, o fenômeno da cultura de proteção no Brasil é da primeira década deste século.

Se o país já participa do processo há anos, a que se deve o atraso?

Por questões econômicas e de políticas internas, como a ditadura militar, as pessoas não eram incentivadas a inovar. As políticas governamentais preferiam que o sujeito importasse uma máquina, em vez de pedir para um jovem talento desenvolver a máquina. O país não ajudava as pessoas a serem inovadoras, empreendedoras. A conjuntura macroeconomica não incentivava as instituições a realizarem inovações. Quando o país entrou no século 21, os governantes começaram a se articular e ver que não dava para manter essa situação.

Nesse sentido, a Lei de Inovação (10.973/2004) é um divisor de águas?

A lei foi um marco. Ela é focada para atingir a cabeça dos empresários. Ela aponta para que os empresários contratem os pesquisadores para atuar nas indústrias. O pesquisador pode ficar licenciado do departamento da universidade por até seis anos para gerar algum produto ou processo dentro do laboratório do empresário. Essa lei veio para propiciar e aumentar a integração entre universidades e indústrias.

Hoje já ocorre essa aproximação?

Sim. A Lei de Inovação também fala sobre a criação de Núcleos de Inovação Tecnológicas (Nits). Nós, da Federal, chamamos de Agência de Inovação. A função é a mesma, um escritório para cuidar da propriedade intelectual. Hoje existem 160 Nits espalhados pelo país. O objetivo é apresentar os projetos e produtos ao público externo.

Qual o papel da indústria na questão das patentes?

Hoje já se aceita, na cabeça do pesquisador e do empresário, que o benefício com a inovação tem de ser da indústria, não da universidade. A universidade não é fábrica, é geradora de conhecimento. Antes, cada um fazia suas coisas em separado. Com o estímulo da lei, está interessante para os empresários. Basta querer e vir ao encontro. Eles são peças-chave nesse processo.

Há quanto tempo existe essa união de acadêmicos e empresários nos Estados Unidos, país que é líder no número de registros de patentes?

Desde sempre. O empreendedorismo por lá começou junto com a formação do povo. Quando se radicaram na Nova Inglaterra, eles foram para fincar raízes. Queriam ser empreendedores. Aqui, os portugueses queriam apenas usufruir das coisas e levar embora. Lá, o empreendedorismo é de oportunidade. Aqui no Brasil, é de necessidade, embora isso esteja mudando aos poucos. Além disso, eles investem bastante, buscam profissionais em outros países, inclusive na Europa, oferecem ótimos salários, ótimas condições de pesquisa, as melhores universidades. No Brasil, a duras penas, estamos tentando mostrar o que o pesquisador faz dentro das universidades.

A UFPR é uma instituição de vanguarda no país quanto o assunto é patentes?

Em termos nacionais, não. Em termos regionais, sim. As primeiras do ranking são a Unicamp e a USP, de São Paulo. Mas, no ranking das universidades federais, a UFPR é destaque, tem um peso grande. Outras que se destacam no Paraná são a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL).

E por que as universidades públicas paulistas estão à frente?

Isso é cultural. O Paraná é um estado mais jovem e forte em agronegócio. Até pouco tempo, era um estado rural, que agora está virando sua vocação para ser industrializado. São Paulo concentra o maior número de universidades e indústrias, além de ser o estado mais rico. A Unicamp, por exemplo, já ultrapassou a Petrobras no número de patentes.O que é uma situação absurda. Quem deveria patentear mais é a indústria, e não o pesquisador que está dentro do laboratório.

Por que demorou quase cem anos para a UFPR transferir patentes pela primeira vez?

Por décadas, não havia condições econômicas favoráveis no país para inovação. Agora a economia está indo muito bem, as pessoas estão motivadas. Hoje tem mais dinheiro para essas áreas. Tudo é uma questão de momento econômico, político e cultural.

Muitos pesquisadores reclamam da demora e dos entraves para registrar uma patente. A que se deve isso?

O processo é demorado. O INPI é uma autarquia federal. Para a pessoa trabalhar lá, só através de concurso público. Para ser um examinador de patentes, a pessoa tem que ter no mínimo o grau de mestre. O concurso é bastante puxado, poucos passam. Quem passa fica dois anos em treinamento para depois começar a assinar laudos de patentes. É um trabalho complexo. Para se ter uma ideia, o Brasil tem 400 examinadores, enquanto que o escritório americano, que é o maior do mundo, tem 4 mil. O Brasil tem escassez, falta de mão de obra qualificada. Além disso, a burocracia de registro também é bastante grande e precisa ser obedecida.

Quais são as expectativas para o futuro quanto o assunto é depósito de patentes?

Sou bastante otimista em função desse novo quadro que está convergindo para que as coisas deem certo. O cenário é positivo, mas as pessoas precisam querer também. O Brasil é um país criativo, mas não é um país inovador. Ou seja, desenvolve muitas invenções, mas elas não chegam ao mercado. É fundamental que o governo, empresários e universidades trabalhem de forma conjunta. O governo está fazendo a sua parte injetando muito dinheiro na área de pesquisa e desenvolvimento. As universidades estão criando as agências de inovação. Falta a participação maior dos empresários, já que muitos são acomodados.

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