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Portland vem recebendo muitos profissionais jovens em busca de qualidade de vida | Stu Seeger Creative Commons
Portland vem recebendo muitos profissionais jovens em busca de qualidade de vida| Foto: Stu Seeger Creative Commons

Força de trabalho

Empreendedorismo em alta não absorve recém-chegados

Portland ocupa os primeiros lugares do ranking nacional de empreendedorismo, medido por coisas como o número de autônomos e de pequenas empresas. Mesmo durante a recessão, alguns restaurantes e fabricantes locais independentes aumentaram as vendas e abriram novos mercados. Enquanto outros estados perdiam trabalhadores, a força de trabalho do Oregon cresceu porque não parava de chegar gente.

A migração foi liderada pelo pessoal da qualidade de vida: jovens brancos, com boa formação, atraídos por um estilo de vida ao ar livre – e provinciano. "As pessoas aqui se autosselecionam", diz Joe Cortright, um economista morador da região há bastante tempo. "Mas ninguém é fanático também", emenda. Isso não significa que a economia local tenha solucionado o problema de como absorver o fluxo de recém-chegados: a taxa de desemprego na área de Portland foi de 10,2% em maio, contra 9,7% no país como um todo.

Eric Bechard se dedica a aperfeiçoar o novo provincianismo. Em seu restaurante, próximo a uma região rural de vinhedos, ele se esforça para servir carne e outros produtos somente de fazendas que tenha visitado. O bacalhau que trouxe de uma pescaria com a filha de 10 anos, na costa do Oregon? Foi parar no menu. As prateleiras rústicas em sua cozinha foram, naturalmente, reaproveitadas de uma granja nas proximidades. Mas há quem diga que Bechard foi longe demais na noite em que brigou a socos por causa de um porco. "Alguém precisava ser responsabilizado", disse ele mais tarde. Basta dizer que foi mais do que apenas uma querela por comida: Portland se depara com as contradições que surgem quando se manter provinciano é receita de sucesso global.

Enquanto os pequenos cafés, as bandas independentes e as bicicletas artesanais da cidade ganhavam renome nacional e internacional, tornando-se – pasmem – marcas, cresciam os protestos locais. Em outra cidade, poderia parecer apenas um debate exótico. Mas não em Portland. "Como manter a qualidade e, ao mesmo tempo, crescer para ser uma empresa sustentável?", pergunta Charles Heying, professor da Portland State University e autor do livro Brew to Bikes: Artisan Portland’s Economy ["De cerveja a bicicletas: a economia artesanal de Portland"], a ser publicado em novembro com distribuição local – e em papel reciclado.

Elitismo

Na música Portland Sucks ["Port­land é uma porcaria"], a banda local White Fang cutuca e profana tudo que diz respeito à cidade, do desemprego à obsessão pela disciplina, que por vezes chega a atrapalhar; dos "vegetarianos raivosos" aos proclamados discípulos da cultura do-it-yourself ["faça você mesmo"] – o provincianismo levado ao extremo. "Manter uma postura elitista é meio contraproducente", diz Erik Gage, 21 anos, vocalista da banda, acrescentando que adora viver em Portland. "A gente pode até contestar, mas acho que uma das coisas mais importantes no provincianismo é manter a boa relação entre as pessoas daqui", afirma. Isso quando se consegue descobrir quem são elas.

Duane Sorenson, que em 1999 fundou a Stumptown Coffee Roasters em Portland, é natural de outra meca do café, a região de Puget Sound, em Washington. Batizada com um dos primeiros apelidos da cidade, a rede agora tem lojas em Seattle, Nova York e Amsterdam. Previsivelmente, com a expansão, perdeu alguns de seus admiradores locais. "Nem vou ao Stumptown. Prefiro alguma coisa mais local", conta Paul Sykes, que fabrica paralamas para bicicletas e suportes para garrafas em madeira. Não que Sykes se oponha ao crescimento. A maioria de seus negócios é feita pela internet. "Vendo minhas coisas para o mundo todo", afirma, sobre seus produtos. "Essa é a única maneira que tenho de ganhar algum dinheiro", justifica.

O porco da discórdia

Foi contra o pano de fundo desse embate entre grande e pequeno, lucro e qualidade de vida, expansão e identidade, que um porco virou motivo para briga de socos na noite em que o Cochon 555, um exclusivo concurso nacional de culinária, veio a Portland. Antes de as coisas ficarem feias, o passado do porco tinha se tornado motivo de discórdia entre várias pessoas presentes ao evento. "Fraude!", gritavam, do fundo da sala, no Governor Hotel.

Eric Bechard era o mais inflamado. Para ele, a questão se resumia ao seguinte: um porco de Iowa ou do Kansas jamais deveria ter sido inscrito na competição; o fato de o porco de Iowa ter sido o vencedor só piorava as coisas. Afinal, legítimos porcos Red Wattle são criados no Oregon. Os chefs que competiam também eram locais e costumam promover os alimentos produzidos na região.

"Chego lá, pego um panfleto e imediatamente fico possesso, porque vejo escritas coisas como ‘local’, ‘sustentável’, ‘fazendas locais’, ‘chefes locais’, ‘vinho da casa’", lembra Bechard , "e aí dois dos suínos são do Kansas e de Iowa? Olho para um amigo meu e ele diz: ‘Deixa pra lá, Eric’." Muitas horas, bebida e insultos depois, testemunhas disseram à polícia que Bechard tinha sido o responsável pela agressão, ao encontrar o organizador do evento, Brady Lowe, de Atlanta, do lado de fora, num bar. Foram punhos e palavrões para todo lado. A polícia apareceu, usando pistolas de choque e spray de pimenta.

Ideias de fora

Lowe, que conta ter tido a perna quebrada na briga, acha que Bechard "não entendeu o sentido geral" do Cochon 555. "Para crescer, você precisa trazer ideias de fora, ou vai ficar limitado a uma comunidade fechada", acrescenta. Este ano, o concurso lançou mão de raças especiais, espécimes de suínos criados com cuidado por pequenas propriedades selecionadas em vez daqueles fornecidos pelos grandes matadouros. Jason Barwikowski, chefe da Olympic Provisions, ganhou a competição de Portland transformando o porco de Iowa em ravióli e carne para sanduíches.

Bechard diz que a briga foi um momento de aprendizado sobre como viver provincianamente, mas acabou deixando Portland. Há um ano, abriu o Thistle, uns 70 quilômetros a sudoeste, na rica e agrícola McMinnville, região próxima produtora de vinhos. Bechard conta que seu objetivo é manter o restaurante exclusivamente com alimentos do vizinho condado de Yamhill. Em cada transação local que faz e a cada dólar gasto localmente, acredita ele, os laços com o futuro econômico e político do lugar onde vive são reforçados.

Um dos fornecedores do Thistle, Manuel Recio, diz que Bechard não deveria ter feito o que fez na noite do concurso. Mas também opina sobre os chefes de Portland que misturam morangos importados em sobremesas cujos ingredientes são enganosamente identificados como cultivados localmente. Acha que aí Bechard tem certa razão. "Foi ótimo que alguém finalmente chamasse a atenção para essas coisas", completa Recio.

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