Fortemente impulsionada nos governos do PT e suspensa em 2017, a política de financiamento de obras de engenharia no exterior pelo BNDES ainda mantém um saldo de US$ 1,1 bilhão – cerca de R$ 5,8 bilhões, pela cotação de quinta-feira (4) – a serem pagos por 12 países à instituição de fomento. Dessa cifra US$ 680 milhões (cerca de R$ 3,6 bilhões), ou 62%, correspondem à dívida de Cuba e Venezuela.
Embora sejam tratados como empréstimos a outros países, os contratos referem-se, a rigor, a apoios concedidos a empresas brasileiras para exportação de bens e serviços. Os pagamentos são feitos pelo BNDES às companhias nacionais, em reais, após a comprovação das operações. O importador – que pode ser um ente público ou privado – torna-se, então, devedor do banco.
Esse tipo de financiamento abrange diversos setores de indústria, comércio e serviços e já teve como destino 48 nações. A grande polêmica, no entanto, recaiu sobre os serviços de engenharia. Além de envolverem grandes construtoras que acabaram tendo seus nomes envolvidos em escândalos de corrupção, durante as gestões petistas a modalidade priorizou contratos com governos de esquerda, considerados aliados políticos.
O PT argumenta que o negócio é rentável e estratégico para o banco e para o país, uma vez que permite que empresas brasileiras prestem serviços fora e gerem riquezas para o Brasil. “Todos os grandes países – Estados Unidos, Alemanha, Japão, entre muitos outros – têm esse tipo de financiamento para ajudar as suas empresas. Isso existe no mundo inteiro”, disse recentemente a ex-ministra do Planejamento, Miriam Belchior, em entrevista ao canal do partido.
Em 2018, durante a campanha para as eleições presidenciais, a estratégia foi alvo de críticas recorrentes por parte do então candidato Jair Bolsonaro (PL), que acusava os governos de Lula e Dilma Rousseff (PT) de irregularidades e prometia abrir a “caixa-preta” do BNDES caso fosse eleito.
Já no cargo, e após serem gastos R$ 48 milhões em uma auditoria nos contratos, o presidente reconheceu que não foram encontrados atos irregulares. “Não foi caixa-preta na verdade, tá aberto aquilo lá. Eu também pensava que era caixa-preta. Está aberto no site do BNDES, os empréstimos todos para os outros países aí”, disse Bolsonaro a apoiadores no ano passado.
Quais países se beneficiaram com os empréstimos
Até 2017, quando o programa voltado a serviços de engenharia foi suspenso, foram desembolsados cerca de US$ 10,5 bilhões (R$ 55 bilhões) para 148 empreendimentos em 15 países. Embora o programa tenha sido iniciado em 1998, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 88% das operações de exportação de obras foram realizadas entre 2007 e 2015, nos governos de Lula e Dilma.
Do valor total, 98% foi destinado a apenas cinco empreiteiras: Odebrecht (76%), Andrade Gutierrez (14%), Queiroz Galvão (4%), Camargo Correia (2%) e OAS (2%) – todas posteriormente alvo de investigações na Operação Lava Jato.
Em 2016, após um acordo do BNDES com o Ministério Público Federal (MPF), novos contratos passaram a exigir, tanto por parte das construtoras como do governo ou empresa importadora, a assinatura de um termo de compliance (conformidade), com regras mais rígidas de governança, como condição para a liberação dos recursos. A partir dessa medida, US$ 11 bilhões (R$ 57,6 bilhões) previstos para serem desembolsados em 47 operações ativas acabaram retidos.
Conforme os dados disponibilizados pelo BNDES, 89% dos desembolsos realizados foram liberados em favor de apenas seis países: Angola (US$ 3,2 bilhões), Argentina (US$ 2 bilhões), Venezuela (US$ 1,5 bilhão), República Dominicana (US$ 1,2 bilhão), Equador (US$ 700 milhões) e Cuba (US$ 650 milhões).
Desses, três deram calote: Venezuela (US$ 639 milhões), Moçambique (US$ 122 milhões) e Cuba (US$ 202 milhões), em um total de US$ 964 milhões (R$ 5,1 bilhões) acumulados até março de 2022, data da última atualização do banco.
Inadimplência foi coberta por Fundo de Garantia à Exportação
Todo o valor não pago por Moçambique, correspondente a 122 prestações, foi indenizado pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), instrumento que cobre eventuais operações não pagas mesmo após tentativas de acordo. O fundo é constituído de recursos provenientes de alienação, dividendos e remuneração de capital de ações; reversão de saldos não aplicados; resultados de aplicações financeiras; comissões decorrentes da prestação da garantia; além de dotação específica no Orçamento da União.
Para a execução de serviços no país de Nicolás Maduro, o BNDES desembolsou US$ 1,5 bilhão (R$ 7,9 bilhões) e ainda tem US$ 160 milhões (R$ 839 milhões) a receber. Nada menos que 598 parcelas do financiamento a obras na Venezuela acabaram cobertas por recursos do FGE, e há outras 41 prestações em atraso ainda não indenizadas.
Por lá, o dinheiro serviu para custear a construção de linhas e estações de metrô em Caracas e Los Teques, pela Odebrecht, além do estaleiro Astialba e da Siderúrgica Nacional, ambas pela Andrade Gutierrez. Os prazos para pagamento variam, conforme a obra, de 102 a 150 meses.
Em Cuba, foram aportados pelo banco de fomento US$ 656 milhões (R$ 3,4 bilhões), e o saldo devedor ainda é de US$ 420 milhões (R$ 2,2 bilhões). O investimento contempla a execução de cinco etapas da ampliação e modernização do Porto Mariel, pela Companhia de Obras e Infraestrutura, uma subsidiária da Odebrecht, por um prazo de 25 anos. As prestações em atraso são 13, mas outras 190 acabaram cobertas pela garantia do FGE.
Valor recebido já supera total desembolsado
Apesar dos calotes, o valor já pago ao BNDES referente às obras executadas em outros países supera o total desembolsado em termos nominais. Ao todo, ante os US$ 10,5 bilhões investidos, já foram recebidos US$ 12,65 bilhões (R$ 66,3 bilhões), considerando juros e incluídas as indenizações do FGE.
O banco ainda espera receber US$ 1,1 bilhão (R$ 5,8 bilhões). Além de Cuba e Venezuela, têm saldo devedor a vencer Argentina (US$ 45 milhões), Costa Rica (US$ 12 milhões), Equador (US$ 43 milhões), Gana (US$ 99 milhões), Guatemala (US$ 91 milhões), Honduras (US$ 35 milhões), Moçambique (US$ 49 milhões) e República Dominicana (US$ 144 milhões).
Angola, México e Uruguai, que contraíram dívida total de US$ 3,39 bilhões (R$ 17,8 bilhões) também por obras executadas por empresas brasileiras, já quitaram seus financiamentos.
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