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pilha de documentos para ilustrar a burocracia para se abrir startups no brasil
Pilha de documentos para ilustrar a burocracia para se abrir startups no Brasil. Novo marco legal está sendo discutido.| Foto: Bigstock

Somente no primeiro dia de consulta pública aberta pelos ministérios da Economia (ME) e de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), o Marco Legal das Startups recebeu mais de 200 contribuições. Elaborado em conjunto com a sociedade, o marco tem por objetivo aprimorar a legislação existente e propor normas infralegais como decretos, regulamentos e instruções normativas para avançar em pontos importantes, como compras públicas, lei simplificada das sociedades anônimas, enquadramento das S.A. no Simples, regulação de stock options, tributação trabalhista, entre outros pontos.

Igor Nazareth, subsecretário de inovação no Ministério da Economia, explica que o marco começou a ser discutido no fim do ano passado com diversos agentes do ecossistema de inovação como o grupo Dínamo, a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), o hub de inovação aberta do Grupo Telefônica Wayra, a Anjos do Brasil, a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), a Endeavor, além de startups e escritórios de advocacia.

“O texto que está em consulta pública até 23 de junho é resultado das discussões com mais de 160 pessoas, sendo [elas] de 50 instituições privadas e 20 instituições públicas como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Finep e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O objetivo foi identificar as barreiras e quais os instrumentos que poderiam ser criados para apoiar o crescimento e desenvolvimento das startups”, diz Nazareth.

Para ele, o alto volume de contribuições não significa que o texto tenha sofrido muitas alterações em relação ao que foi discutido com o mercado. O secretário explica que, por mais que tenha sido amplamente discutido com as instituições, ainda está longe de cobrir o universo de mais de 12 mil startups existentes no Brasil, investidores-anjo, empreendedores e demais interessados.

Igor Nazareth, subsecretário de inovação no Ministério da Economia
Igor Nazareth, subsecretário de inovação no Ministério da Economia.| Washington Costa/Divulgação

“Queremos analisar as contribuições o mais rápido possível, e encaminhar o documento para o Congresso, após uma negociação interna com diversos órgãos do governo. O texto já despertou o interesse de vários parlamentares e da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital [comandada pelo deputado JHC (PSB-AL)]. Estamos trabalhando não só com um projeto de lei, mas também com alternativas infralegais como decretos ou instruções que possam alterados. A expectativa é de que o marco seja um divisor de águas para alavancar as startups e o empreendedorismo inovador”.

Igor Nazareth, subsecretário de inovação no Ministério da Economia.

O que é preciso para destravar as startups

Raphael Braga, superintendente da área de empreendedorismo e investimento da Finep, coordenou o grupo de trabalho de facilitação de investimentos, um dos quatro que debateram o tema – os outros foram os de compras públicas, relações trabalhistas e ambiente de negócios. Ele explica que hoje os agentes atuam em um ambiente de incertezas jurídica e o marco tenta corrigir essa dificuldade de mercado.

“O objetivo é estabelecer um ambiente mais propenso para a criação e desenvolvimento de novos negócios e facilitar a relação investidor e startup. Hoje, por exemplo, se a startup recebe um investimento de uma pessoa jurídica, não pode ser enquadrada no Simples”, exemplifica. A Finep tem uma série de programas de apoio a startups e dispõe de R$ 60 milhões por ano para investimento de até R$ 1 milhão por empresa.

Fernando Rieche, gerente no departamento de empreendedorismo do BNDES e responsável pelo Programa BNDES Garagem, destaca que o banco já apoia há anos as startups por meio de fundos de capital semente e venture capital, o que deu à instituição um conhecimento das dificuldades que as startups enfrentam. Para ele, o Marco não só vai beneficiar as startups com potencial de crescimento mas também toda a economia.

“Há no marco pontos importantes, como a Sociedade Anônima Simplificada, que evita as barreiras das sociedades limitadas e reduz os custos das SAs. Os esclarecimentos quanto à responsabilidade solidária e às stock options vão evitar questões jurídicas que podem ser dúbias. No fomento a P&D, o marco permite de forma mais clara o investimento em fundos de apoio a startups, incentivando que grandes empresas aumentem investimento em inovação [corporate venture]. Já o termo de colaboração para testes de inovação permite que órgãos públicos contratem startups de forma mais célere e regulamentada”, enumera o gerente do BNDES.

Amure Pinho, presidente da ABStartups, diz que a única preocupação é de que o texto receba muitas emendas durante a tramitação no Congresso e acabe sendo desfigurado. Ele explica que existem uma série de assuntos nas quatro principais verticais – aspetos trabalhistas, compras públicas, investimento e ambiente regulatório – que precisam ser pacificados e discutidos.

 “Há uma série de ações que combinadas vão criar um ambiente favorável. O projeto que foi a consulta pública já sofreu alterações. Vamos fazer contribuições e convocar as startups a contribuírem também. Queremos que esse documento reflita as discussões que tivemos nos últimos dois anos, senão será uma derrota. No momento que chegar nas mãos dos parlamentares, pode virar um  Frankenstein”.

Amure Pinho, presidente da ABStartups.

Diego Perez, diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs e CEO da plataforma de financiamento coletivo StartMeUp, elenca os principais pontos da proposta de Marco Legal. O primeiro ponto é a definição do que é uma startup, que poderá ser definida por critérios como faturamento, número de funcionários, tempo de constituição. Analisa-se por exemplo se é necessário alterar a Lei Complementar 123, que no artigo 65 tem uma definição do que é uma startup. Outra questão é qual o regime jurídico ideal: Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro real.

“Além disso, deve ser definido o limite de faturamento, se se adota os R$ 4,8 milhões do estatuto da Micro e Pequena Empresa, os R$ 16 milhões da Comissão de Valores Mobiliários para empresa de pequeno porte elegível para receber o FIP Capital Semente, ou mesmo se seriam os R$ 78 milhões do regime de lucro real. Avalia-se também se seria necessário ter um investimento mínimo em pesquisa e desenvolvimento com várias faixas variando de 5%, a acima de 15% ou acima de 15%. Tudo isso está relacionado à definição de startup”.

Diego Perez, diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs e CEO da StartMeUp.

O que compõe o Marco Legal das Startups

Ao todo, o documento trabalha com seis projetos de lei. O primeiro seria a modificação da Lei das SAs para incluir o novo regime de Lei da Sociedade Anônima Simplificada. Perez destaca que o regime de SA é mais apropriado para receber investimentos porque protege o patrimônio do investidor, que se torna acionista e não sócio. Além disso, alguns instrumentos de governança conferem transparência no uso do capital investido. “O investimento em SA tem tributação mais leve”, acrescenta.

O segundo PL trata de responsabilidade solidária. Hoje para encerrar uma empresa o empreendedor precisa provar que todos os impostos foram pagos. A proposta é tirar essa obrigação da empresa e fazer com que o empreendedor se responsabilize por eventuais tributos não pagos. O terceiro PL é relativo a compras públicas, visando a facilitar a contratação de startups pela administração pública.  O quarto PL prevê a mudança no regime do Simples Nacional afim de permitir o enquadramento de SAs. O quinto PL é um ajuste nas leis que obrigam a investimentos de P&D – Lei de Informática e também outras relacionadas à Aneel e à ANP –, permitindo que parte desses recursos sejam aplicados em fundos de investimento que apoiam startups e não só em parcerias com universidades e institutos de pesquisa. E finalmente o sexto PL abrange contrato de investimento em startups, liberação de stock options sem que seja considerado como remuneração sujeita a tributação trabalhistas e previdenciárias.

“A ABFintech considera que o Marco Legal é um movimento positivo para aprovar pleitos que eram discutidas isoladamente e que agora estão num pacote só possa ser aprovado de forma mais simples. Entre as contribuições que faremos será o de elevar para R$ 78 milhões o limite para a definição da SA simplificada, que no documento é de R$ 16 milhões”, sinaliza Peres.

Ele destaca que para a StartMeUP, a lei da SA simplificada vai ajudar a captação de investimentos. Hoje poucas empresas que recorrem ao crowdfunding são SAs. “Com a nova legislação será possível fazer mini IPOs com maior segurança jurídica e operações mais eficientes”, acredita Peres.

Renato Valente, country manager da Wayra Brasil e diretor da Anprotec, destaca que o mais interessante do Marco é definir um padrão regulatório colocando todos os agentes na mesma página. Outro objetivo é aumentar a segurança jurídica.

“A Wayra é o hub de inovação aberta da Telefônica e parceira do BNDES Garagem. Temos um fundo para investimento que apoia entre seis e oito empresas por ano no Brasil. Desde 2012, começamos investindo R$ 50 mil e hoje o valor já está em R$ 500 mil por empresa. Já foram investidas 70 empresas num volume total de R$ 12,5 milhões”, diz Valente.

Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil, também considera fundamental o marco. Ele explica que a entidade tem como propósito o fomento ao investimento-anjo. Isso se dá por meio de três ações: rede de investidores em nível nacional; capacitação e educação; e influência em políticas públicas. “Vamos analisar o documento que está em consulta pública e encaminhar nossas contribuições”, diz Spina.

Renata Mendes, gerente de advocacia da Endeavor
Renata Mendes, gerente de advocacia da Endeavor.| Divulgação/Endeavor

“O texto é inédito até para quem participou, pois o governo trabalhou nele por dois meses até chegar ao modelo final que foi à consulta. O interessante foi deixar aberta para o público a questão da definição do que é uma startup, tema que gerou muitas discussões. As próprias startups vão poder dizer o que é importante para ser considerada uma startup”, ressalta Renata Mendes, gerente de advocacia da Endeavor, organização que apoia o empreendedorismo no Brasil e em 37 países. A empresa participou da roda de discussão que ocorreu em São Paulo (as outras três foram em Brasília).

Fernando Bousso, advogado sênior da equipe de tecnologia e proteção de dados do Baptista Luz Advogados e mentor da aceleradora Darwin, ressalta que o Brasil tem um ecossistema com diversos players como aceleradoras, fundos de investimento, investidores anjo, e universidades, mas o ambiente de negócios é muito burocrático.

“É preciso promover algumas mudanças que fomentem a inovação e facilitem a captação de investimentos. O marco legal visa a justamente complementar e, eventualmente, quando necessário, ajustar o ambiente regulatório. Nós participamos das discussões para elaboração do documento e vamos contribuir na consulta pública e eventuais audiências públicas”, diz Bousso.

O texto foi bem recebido também pelas startups. Luciano Tavares, fundador da fintech Magnetis afirma que uma regulação atenta às mudanças do mercado é fundamental para o crescimento de novos modelos de negócios no Brasil.

“O Marco Legal é muito bem-vindo por desburocratizar o desenvolvimento das startups, abrindo caminho para a expansão desse mercado. A expectativa é de que a regulamentação contribua para o crescimento das fintechs como um todo, atraindo investimentos para o mercado e fomentando novos modelos de negócios”, diz Tavares.

Bernardo Pascowitch, fundador e CEO da Yubb, observa que muitas vezes as startups têm dificuldade de fazer parcerias com instituições de maior porte, que têm preocupação com segurança jurídica, principalmente em relação a serviços financeiros. Para ele, faz falta ter um marco legal, com regime tributário específico para startups de base tecnológica. “Essa é uma oportunidade de termos um regime jurídico próprio e incentivos”, diz Parscowitch.

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