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Na economia, início do terceiro mandato de Lula tem sido marcado por iniciativas voltadas para o curto prazo, relançamento de antigos programas, revogação de medidas dos antecessores e “fogo amigo” do PT sobre iniciativas na área fiscal.
Na economia, início do terceiro mandato de Lula tem sido marcado por iniciativas voltadas para o curto prazo, relançamento de antigos programas, revogação de medidas dos antecessores e “fogo amigo” do PT sobre iniciativas na área fiscal.| Foto: Andre Borges/EFE

Os primeiros meses do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm sido marcados, na área econômica, por uma obsessão por soluções de curto prazo; reversão de medidas dos governos de Jair Bolsonaro (PL) e Michel Temer (MDB); resgate de antigos programas e ideias; e "fogo amigo" do PT sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Lula e sua equipe vêm colecionando iniciativas de cunho populista em busca de resultados imediatos, tais como ganhar popularidade, anabolizar o crescimento econômico ou simplesmente demarcar território em relação ao governo passado.

Mesmo o chamado arcabouço fiscal apresentado por Haddad, que mira o longo prazo, está calcado em um conceito arraigado no PT que se provou desastroso no passado recente: a ampliação do gasto público para impulsionar a atividade econômica.

Recebido com certa condescendência por parte do mercado financeiro, o plano fiscal busca zerar o déficit primário das contas públicas no ano que vem e gerar superávits de 2025 em diante. O programa, porém, substitui o atual teto de gastos por um piso, com previsão em lei de aumento real das despesas todos os anos, a ser coberto por alta de arrecadação – o que, na visão de muitos analistas, só será possível com mais carga tributária.

Ainda que pretenda equilibrar as finanças do governo sem qualquer corte ou racionalização de gastos, o plano tem sido atacado por integrantes do PT, que o consideraram "conservador".

O deputado Linderbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, disse que a regra fiscal é "pacto com o diabo" e "pode ser mortal para Lula". Na visão do parlamentar, o presidente pode pagar um "alto preço por não adotar posturas econômicas mais expansionistas e por manter o arcabouço conservador proposto por Haddad".

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), criticou o plano em reunião do Diretório Nacional do partido, afirmando que ele pode inibir o crescimento econômico, segundo relatos de participantes à "Folha de S.Paulo".

Gleisi também havia feito duras críticas a outra medida de Haddad, a retomada de tributos federais sobre os combustíveis. A intenção do ministro era de reduzir o déficit público; a da deputada, de evitar perda de popularidade do governo.

As críticas do PT às medidas da Fazenda nas contas públicas refletem tanto o apego a facilidades que criem uma sensação de bem-estar no curto prazo – caso dos benefícios fiscais – quanto a crença do partido na capacidade do gasto público de gerar emprego e renda, que se baseia na ideia de que seria o Estado o principal responsável pelo desenvolvimento econômico.

"Esta é uma agenda não sustentável, que acaba contribuindo para a inflação", comenta Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e sócia da Tendências Consultoria.

Lula prestigiou Haddad tanto na reoneração dos combustíveis quanto no caso do arcabouço fiscal. E deu um puxão de orelha no ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, por anunciar um programa para passagens aéreas de R$ 200 para aposentados e estudantes sem antes consultar a Casa Civil.

Mas o próprio presidente tem dado sinais de ansiedade, afirmando em discursos que não pode errar e que foi eleito para entregar resultados. Também cobra mais otimismo e menos lamentação de seus ministros sobre o crescimento econômico.

Veio de Lula a maior pressão para providenciar o aumento do salário mínimo para R$ 1.320 e da faixa isenta de Imposto de Renda para R$ 2.640 a partir de maio. Tanto Haddad quanto a ministra do Planejamento, Simone Tebet, buscavam empurrar para a frente esses reajustes, cientes de seu impacto sobre as contas públicas.

Ataques ao Banco Central e canetada saem pela culatra e pioram custo do crédito

O professor do Ibmec-MG Cláudio Shikida diz que historicamente os governantes brasileiros buscam facilidades que permitam puxar votos ou ampliar popularidade – tendência que o novo governo segue à risca. "Muitas vezes os ônus destes benefícios acabam sendo pagos no longo prazo", aponta Shikida.

Embora o populismo econômico costume cobrar sua fatura a prazo, algumas medidas da nova gestão petista se provaram contraproducentes muito rápido.

Os sucessivos ataques de Lula contra o Banco Central e as metas de inflação, por exemplo, não apenas não ajudaram a reduzir a taxa básica (Selic) como pioraram as expectativas de inflação e juros. O resultado é que o início dos cortes na Selic, cobrado pelo presidente, parece ter ficado ainda mais distante.

O espaço para cortes diminuiu do fim do ano passado para cá. Se no início de novembro havia sinalização de um corte de dois pontos percentuais na taxa Selic em 2023, agora esse espaço caiu para um ponto percentual, segundo a mediana das projeções do mercado. Lula, apesar disso, mantém a pressão sobre o BC em declarações públicas.

Também no campo dos juros, uma canetada orquestrada pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, para reduzir a taxa máxima dos empréstimos consignados do INSS fez bancos privados e até públicos suspenderem a concessão de financiamentos nessa modalidade, empurrando aposentados para linhas muito mais caras. O dano foi tão grande que o governo teve de agir para rever a taxa.

Enquanto isso, o BNDES estuda revisar sua taxa de juros – a TLP, criada no governo Temer – e retomar a política de juros subsidiados, dentro de um plano para fazer o banco de fomento dobrar de tamanho. O que, se confirmado, reduzirá a "potência" da taxa Selic, que atua apenas sobre o crédito com recursos livres, podendo assim encarecer o crédito para quem não tem acesso às linhas do banco de fomento.

Outra medida que ainda está no campo das promessas e que também pode prejudicar a economia é a intenção do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, de acabar com o saque-aniversário do FGTS, sob o pretexto de proteger o trabalhador. Além de impedir o acesso a um dinheiro que poderia ser direcionado ao consumo ou a investimentos mais rentáveis, a iniciativa acabaria com uma das modalidades de crédito mais baratas do mercado, que usa esse saque como garantia.

Governo relança antigos programas e reverte medidas de Bolsonaro e Temer

Lula já relançou ao menos três programas de cunho econômico adotados em suas gestões anteriores: o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Mas o retorno ao passado promovido pelo novo governo – refletido no lema "O Brasil voltou", repetido várias vezes por Lula em discurso sobre os primeiros 100 dias de gestão – não se limita a essas iniciativas.

Está em curso uma ampla reversão de ações dos antecessores Bolsonaro e Temer, que vai bem além do fim do saque-aniversário do FGTS e da retomada do protagonismo do BNDES. Alguns exemplos:

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, diz que o Brasil tem grandes dificuldades em avançar numa agenda de longo prazo. "Não houve reformas entre 2005 e o início do governo Temer, em 2016", lembra. E mesmo as reformas realizadas de 2016 em diante agora estão ameaçadas.

Não há comprovação de essas medidas possam impulsionar o crescimento econômico de forma duradoura e sustentável. No caso do saneamento, o discurso oficial diz que as modificações do marco vão "destravar" investimentos no setor, permitindo desembolsos de R$ 120 bilhões até 2033.

Os números, porém, indicam que o marco facilitou o investimento privado. Apenas os contratos firmados até abril de 2022 sob o novo marco já asseguravam desembolsos de quase R$ 50 bilhões. "Investir em saneamento básico é uma das políticas mais importantes que há, pois reduz a necessidade de gastos com o Sistema Único de Saúde", observa o professor do Ibmec-MG.

Um dos objetivos da legislação aprovada no governo Bolsonaro foi barrar estatais que não conseguissem comprovar capacidade econômico-financeira para cumprir as metas de universalização do acesso a água tratada e a coleta de esgoto. O que Lula fez com seus decretos foi reabrir as portas para estatais problemáticas – que não investiam o necessário – atuarem no setor.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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