• Carregando...
Plataforma P-70, da Petrobras, no pré-sal da Bacia de Santos: por falta de estrutura de escoamento, país reinjeta nos poços boa parte do gás natural que é extraído.
Plataforma P-70, da Petrobras, no pré-sal da Bacia de Santos: por falta de estrutura de escoamento, país reinjeta nos poços boa parte do gás natural que é extraído.| Foto: Marcelo Alves Vieira/Agência Petrobras

A busca por uma maior oferta de gás natural no país tem colocado em lados opostos o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. O ponto central é a prática adotada pela estatal de reinjetar cerca de metade do combustível extraído de campos em alto-mar, como os do pré-sal. Prates diz que "não existe crise e nem retórica de crise", mas o fato é que os dois travam um embate público há meses, que se acentuou recentemente.

Silveira argumenta que a ação da Petrobras gera desperdício do composto, que poderia ser aproveitado pela indústria. "Nós temos uma política, eu volto a dizer, comercial, predatória à justiça social do país, que é a política de reinjeção do gás por parte das petroleiras que exploram petróleo na costa brasileira", afirmou o ministro no dia 5 de junho em uma conversa com jornalistas.

A Petrobras, por sua vez, alega que, além do gás natural, o petróleo extraído vem acompanhado de dióxido de carbono, que não pode ser liberado na atmosfera, e que o hidrocarboneto é o veículo que permite levar o CO2 de volta aos reservatórios. Além disso, o processo de reinjeção de gás permite extrair mais petróleo, em razão das condições em que o óleo encontra-se na camada do pré-sal.

"É reinjetado porque tem que ser […] Não tem gás sobrando, e a Petrobras não sonega gás. O que tem está no mercado", disse o presidente da estatal no dia 14 de junho ao chegar para uma reunião do Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Confert), colegiado responsável pela revisão do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF).

“O que tem gás está aí no mercado. O que a gente tem que saber é o que fazer com ele. Se vai fazer fertilizantes, se vai colocar na térmica, se vai botar no carro, se vai botar na indústria. Não tem gás para tudo”, disse.

A Petrobras argumenta que o aproveitamento de gás que é reinjetado comprometeria a produção de petróleo, o que resultaria em prejuízo para o país em termos de arrecadação, royalties e divisas.

“O país é um país petrolífero. Infelizmente, o gás é associado ao petróleo. Nós precisamos do gás para produzir o petróleo. Se alguém quiser produzir mais gás do que petróleo, todos nós vamos perder dinheiro. Não só a Petrobras, mas o país”, afirmou Prates.

Em novembro de 2022, a taxa de reinjeção de gás natural atingiu 51,4% da produção, o maior patamar da série histórica. A média mundial de reinjeção de gás natural é da ordem de 20%.

A Coalizão pela Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima estima que o investimento em infraestrutura de escoamento do gás que hoje é reinjetado viabilizaria investimentos da ordem de R$ 70 bilhões em novos projetos das indústrias química, petroquímica e de fertilizantes.

A entidade, que reúne representantes desses setores e da indústria de gás natural, promete apresentar a Silveira nesta quinta-feira (27) um estudo feito do Instituto de Energia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), segundo o qual a oferta de gás ao mercado nacional pode ser triplicada até o fim da década.

O estudo afirma que as áreas mais promissoras para produção de gás natural não contêm níveis elevados de dióxido de carbono, como os campos de Bacalhau e de Tupi, que teriam em média 5% de CO2. O campo de Búzios, por sua vez, teria em torno de 25%, teor que ainda viabilizaria o seu tratamento e escoamento do gás especificado.

Os pesquisadores da PUC-RJ concluíram ainda que pouco mais de 50% do gás reinjetado é referente ao CO2 separado nas plataformas e de gás natural de arrasto, ou seja, volume que acaba sendo levado junto com o CO2 no processo de tratamento na plataforma.

Segundo o estudo, quase metade do volume reinjetado atualmente, ou cerca de 30 milhões de m3/dia, poderia vir para o mercado se houvesse capacidade de escoamento, o que significa que, havendo condições logísticas, a camada do pré-sal poderia de imediato duplicar o volume total hoje disponibilizado pela região.

Malha de gasodutos do Brasil é insuficiente

Entidades como a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) defendem que a utilização da parcela que é reinjetada permitiria reduzir significativamente o preço do produto, além de diminuir a dependência do Brasil da importação de fertilizantes.

Quase três quartos do gás natural produzido no Brasil vêm do pré-sal, por meio de plataformas offshore. Uma das moléculas que compõem o gás é o metano, que dá origem à amônia, base da ureia – que, por sua vez, é utilizada para produzir uma variedade de fertilizantes.

Mas para que uma parte maior do gás extraído do pré-sal pudesse ser aproveitada, diz a Abiquim, seria necessária a construção de gasodutos para ligar as plataformas ao continente ou a implantação de unidades de compressão do produto – nesse caso, o gás liquefeito seria transportado por navios.

Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a malha dutoviária do Brasil para transporte de gás natural tem cerca de 9,5 mil quilômetros, enquanto a Argentina tem 16 mil quilômetros de dutos para o combustível, embora seu território corresponda a um terço do brasileiro.

O Ministério de Minas e Energia (MME) quer enfrentar o gargalo por meio do programa Gás Para Empregar, que pretende impulsionar a produção e a estrutura de distribuição do combustível.

Hoje o gás para a indústria é comercializado em contratos que vão de US$ 13,34/MMBtu (milhão de BTUs) a US$ 18,44/MMBtu, segundo reportagem da "Folha de S.Paulo". Ao reduzir a reinjeção, o ministério projeta que o preço chegaria a US$ 7/MMBtu ou US$ 8/MMBtu, o que corresponderia a uma redução de 40% a 62%.

Petrobras e Shell dizem que gás distante da costa não é competitivo; ministro reitera críticas

Em um evento promovido no dia 15 de junho pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, Mauricio Tolmasquim, fez coro a Prates.

"O Brasil não tem tanto gás assim. Somos um país petrolífero, não gasífero. Precisamos entender isso, se não se criam frustrações. Queremos fazer algumas coisas que outros países com muito gás fazem, mas não temos como fazer", disse, conforme registrou a Agência Estado.

"Nosso gás está localizado a uma distância da costa e profundidade muito grandes. Não tem como competir com shale gas (dos EUA), o gás da Rússia ou outros de fácil extração. É uma decepção, mas o Brasil é rico em petróleo, energia eólica, solar e biomassa. No gás, Deus não botou tudo para a gente", prosseguiu Tolmasquim.

No mesmo evento, o presidente da Shell, Cristiano Pinto da Costa, também descartou a possibilidade de ampliar a utilização do gás encontrado em mares ultraprofundos. "Temos que desmistificar a questão do gás reinjetado no Brasil. Um gás extraído a 250 km da costa nunca vai ser competitivo", disse.

"O Brasil tem reservas de gás de 12 Tcf (trilhões de pés cúbicos, na sigla em inglês), enquanto a América do Norte tem 400 Tcf e, a Rússia, mais de mil. Só o campo na divisa do Catar com o Irã tem mais de 900 Tcf. A competitividade do gás brasileiro nunca vai chegar perto de outras regiões", afirmou.

No dia seguinte, Silveira falou sobre a discordância com a estatal na saída de um seminário promovido pelo grupo Esfera Brasil, no Rio de Janeiro. Ao ser questionado sobre as declarações de Prates, o ministro manteve o discurso.

"Entre agradar o Jean Paul e cumprir o compromisso do governo com a sociedade brasileira, de gerar emprego e combater a desigualdade, prefiro que ele feche a cara, mas que nós possamos lograr êxito", afirmou.

Mais adiante, em 24 de junho, Prates compartilhou no Twitter um artigo assinado por Thiago Homem, gerente de Reservatórios da Petrobras, e publicado no portal "Metrópoles", que defende a prática de reinjeção de gás.

"O que a Petrobras faz com o gás produzido? Em primeiro lugar, devemos lembrar que a maior parte do gás produzido no Brasil vem associada ao petróleo em campos do pré-sal com grande teor de gás carbônico", afirma o executivo no texto.

"Esse CO2 que vem com o óleo não deve ser liberado na atmosfera por provocar efeito-estufa. Logo, precisa ser reinjetado e o gás natural é justamente o veículo que leva o CO2 de volta aos reservatórios. Com esta operação realizada continuamente nas diversas plataformas do pré-sal, a Petrobras executa o maior processo de captura de carbono do mundo", prossegue.

"Outro aspecto que merece destaque é que, devido às condições específicas do pré-sal brasileiro, a reinjeção de gás proporciona um aumento na produção de petróleo e, portanto, gera maiores receitas e, consequentemente, maior arrecadação de tributos aos governos nos seus diferentes níveis, sendo a melhor solução para a sociedade", afirma o gerente de Reservatórios.

Na semana passada, o presidente da Petrobras voltou a falar sobre o assunto, mas para negar desavenças. “Não existe crise e nem retórica de crise. Temos que acabar com essa ideia de que o ministro [Alexandre Silveira] está brigando. Ele tem que cuidar de tudo. Ele tem direito de fazer cobranças e eu respeito todos os ministros”, disse Prates a jornalistas na última quarta-feira (19).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]