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Quem quiser fazer negócios em Rondonópolis, cidade de Mato Grosso a 230 quilômetros da capital, Cuiabá, precisa acordar bem cedo. Todas as grandes empresas da cidade começam seu expediente às 7 horas, e muitas vezes os diretores chegam ainda mais cedo aos escritórios. Boa parte dessa gente madrugadora veio do Paraná a partir de 1975 para transformar a localidade, à época uma cidadezinha que vivia da pecuária e da lembrança da mineração de diamantes, na capital da soja do país – uma metamorfose que tem tudo a ver com a destruição dos cafezais paranaenses, ocorrida há exatos 30 anos.

A geada negra de 1975, que mudou a história paranaense ao aniquilar a principal cultura agrícola existente no estado, tornou a vida difícil para muita gente. Ao mesmo tempo, outros fatores surgiram para dar um empurrão extra. No Oeste do estado, a construção da usina de Itaipu obrigou pelo menos 8 mil agricultores a deixarem suas propriedades, gerando uma demanda por terra que não tinha como ser suprida na região. Ao mesmo tempo, culturas tradicionais no estado, como o trigo e o algodão, sofriam com o clima e com a conjuntura econômica. Em escala menor, uma geada ocorrida em 1983 repetiu para os produtores de trigo o estrago que os cafeicultores haviam sentido oito anos antes.

Produtores de lugares como Cornélio Procópio, Loanda, Maringá, São Miguel do Iguaçu e Engenheiro Beltrão começaram a sonhar com as terras planas e baratas de que se falava, mais ao Norte. Começou então um movimento migratório impressionante, que fez com que o estado perdesse 13% da população ao longo dos anos 80. O estado de Mato Grosso foi um dos principais destinos. A magnitude da migração pode ser avaliada pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2001, a Pnad mostrava a presença de 248 mil pessoas residentes em Mato Grosso que declaravam ter nascido no Paraná – o equivalente a 9,6% da população total, e o maior contingente de migrantes no estado. A pesquisa também não deixa dúvidas sobre o que eles foram fazer por lá: 68% deles vivem em áreas rurais.

O resultado da presença dos paranaenses – e também de gaúchos e catarinenses, que se transferiram em menor número para colonizar a região – pode ser visto nas estatísticas agrícolas do estado. Segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola do IBGE, o Mato Grosso colheu este ano 17,7 milhões de toneladas de soja, que equivalem a 26,5% da safra brasileira. Apesar da seca que abateu a fértil região Sul do estado, a colheita aumentou 21% em relação a 2004. Também está entre os maiores produtores de algodão e de milho. Os índices de produtividade do estado chamam a atenção de agricultores estrangeiros, que freqüentam as grandes fazendas matogrossenses para entender a razão de seu sucesso.

Para os migrantes que os recebem, a Rondonópolis de hoje lembra a Londrina dos anos 60 e do início dos 70. Uma intitulava-se a Capital Mundial do Café, a outra costuma usar o apelido de Capital Nacional do Agronegócio. Lá, famílias paranaenses que antes apertavam-se em pequenas propriedades descobriram o caminho para o crescimento. "No Paraná nós éramos colonos", diz Tarcísio Sachetti, com o mesmo sotaque que trouxe do Oeste do estado. "Hoje somos empresários. Passamos do faturamento de alguns milhares de reais para o milhão de dólares."

Não é exagero. O caso dos Sachetti – uma família de nove irmãos que vivia de uma propriedade de 130 alqueires em São Miguel do Iguaçu – é um bom exemplo. Chegaram a Itiquira, na região de Rondonópolis, em 1983. A princípio era apenas um projeto do engenheiro agrônomo Rogério, conhecido pelo apelido de Chicão, recém-formado na Universidade Estadual de Maringá. Mas a produtividade era alta e, um a um, os membros da família foram chegando. Hoje a família inteira está no estado. Gerencia um grupo que possui doze fazendas, somando 66 mil hectares em várias regiões de Mato Grosso. O arquiteto Adílton elegeu-se prefeito de Rondonópolis no ano passado, e o irmão Moisés é diretor do Detran de Mato Grosso. Uma história semelhante à do paranaense mais conhecido por aquelas bandas: o governador Blairo Maggi – tido como o maior produtor de soja do mundo –, cujo pai, André, era vizinho de Bonifácio, o patriarca dos Sachetti, em São Miguel do Iguaçu.

Para quem conheceu o desastre que foi a geada de 75, Rondonópolis é algo muito semelhante ao paraíso. É o caso de Orlando Polato, que tinha 22 anos quando a lavoura que a família tinha em Engenheiro Beltrão foi arrasada. "Não sobrou nem um pé de café, nem uma espiga de trigo", diz. Até então os Polato, que estavam entre os maiores produtores de trigo do Paraná, julgavam-se relativamente seguros por plantar café em terras altas – tanto que, nos primeiros momentos, a geada provocou mais surpresa do que tristeza. "O pai chamou a gente para ver o gelo, era uma novidade para todo mundo", diz Caetano Polato, irmão de Orlando. "O trauma veio depois e foi um sofrimento para a família toda. Foi como se tivesse pegado fogo em tudo."

Depois de arrancar o café, os Polato ocuparam as terras de Engenheiro Beltrão com soja. Hoje não têm mais nada no Paraná. Plantam soja, milho e algodão, investiram na produção de sementes de soja e em uma companhia de logística. Suas áreas de cultivo, divididas em três fazendas nas regiões Sul e Norte de Mato Grosso, ocupam um território maior do que o do município de Engenheiro Beltrão, de onde saíram há 25 anos. Nessa vastidão, cerca de 51 mil hectares, há um lugar muito mais sentimental do que econômico para o café. Há dois anos os Polato iniciaram um plantio experimental de dois hectares na Fazenda Bahia, a fazenda-modelo do grupo, localizada na região da Serra da Petrovina, no município de Alto Garças. Caetano diz que o teste não deu certo. Para produzir café na escala necessária para as grandes áreas do Centro-Oeste, seria necessário irrigar os pés no período de seca, que vai de maio a setembro. "Não temos água suficiente para isso na serra", conta Orlando. No sangue dos Polato, o café não corre mais.

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