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Martin Bruesch, um executivo de recursos humanos, deixa o carro em casa e pega um carro elétrico da CleverShuttle, em Berlim. Cada vez mais jovens fazem o mesmo. | Rolf SchultenBloomberg
Martin Bruesch, um executivo de recursos humanos, deixa o carro em casa e pega um carro elétrico da CleverShuttle, em Berlim. Cada vez mais jovens fazem o mesmo.| Foto: Rolf SchultenBloomberg

Durante anos, o executivo de recursos humanos Martin Bruesch foi o cliente padrão da indústria automobilística alemã. Ele costumava usar sempre uma perua Audi A4, de 211 cavalos, no trajeto entre sua casa e o escritório. Agora, seu carro pode ser visto quase sempre estacionado em frente ao seu apartamento no bairro de Charlottenburg, em Berlim, enquanto ele aciona um serviço de carona compartilhada.

“Se eu for realmente honesto comigo mesmo, bom, então ter um carro é caro demais com todas essas alternativas", diz Bruesch, aos 32 anos de idade, ao entrar em um dos Nissan Leafs movidos a bateria da startup CleverShuttle.

À medida que mais jovens como Bruesch deixam de dirigir para usar outras alternativas de transporte, o chamado “pico dos carros” fica cada vez mais próximo, ou seja, o momento em que as vendas de automóveis devem cair bruscamente em todo o mundo.

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Isso é especialmente verdadeiro nas grandes cidades, onde as pessoas estão cada vez mais inclinadas a compartilhar um carro ao invés de ter um que fica inativo a maior parte do tempo. O número de alemães com 25 anos de idade recebendo cartas de condução caiu 28% na última década, e esse é um comportamento semelhante em  praticamente todas as outras grandes economias. 

Este é um momento-chave de reflexão para uma indústria que pôde contar com três coisas desde que o automóvel foi inventado na Alemanha há mais de um século: os carros funcionavam com motores à combustão e as pessoas não apenas desejavam ter um, como também nem pensavam em fazer isso de uma forma que não fosse exclusiva. Na era do compartilhamento, das frotas movidas à bateria e dos carros autônomos, no entanto, as montadoras precisam se reinventar como empresas de mobilidade para sobreviver.

Não à toa, portanto, que a fabricante de luxo da Mercedes-Benz, a Daimler AG, tenha comprado uma participação na CleverShuttle após o início das operações da startup em 2016. O serviço usa um aplicativo tipo Uber para “emparelhar” indivíduos que buscam carona com outros na mesma vizinhança. Nas cinco cidades alemãs onde o CleverShuttle funciona, o número de usuários mais do que dobrou desde janeiro, para 650 mil.

Se avançarmos cinco anos no tempo, avalia a Berylls Strategy Advisors, uma consultoria de Munique, esses serviços afetarão as vendas de automóveis. Até 2030 nos Estados Unidos, onde os dados estão mais disponíveis, a Berylls prevê que as vendas totais de carros — tanto os particulares quanto os compartilhados — cairão quase 12%, para 15,1 milhões de veículos.

"Será a primeira vez que os fabricantes de automóveis terão que lidar com um declínio estrutural, e não por fatores temporários como a crise econômica", disse Arthur Kipferler, consultor da Berylls que, enquanto trabalhava para a Jaguar Land Rover Automotive Plc, ajudou a fechar o acordo entre a companhia e o auto serviço de táxi Waymo da Alphabet para o uso de 20 mil crossovers I-Pace.

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O problema é que não é tão simples substituir as vendas de carros pela receita dos serviços de mobilidade. Embora pesos-pesados alemães como Daimler, BMW AG e Volkswagen AG tenham investido centenas de milhões de euros em vários esquemas de compartilhamento de carros, eles não estão nem perto de atingir a sustentabilidade com eles. 

Considere o serviço de compartilhamento de carros DriveNow que a BMW começou em 2011, que cobra dos usuários por minuto pelo aluguel de mais de 6 mil BMWs e Minis em 13 cidades européias. Depois de sete anos, o serviço ainda está no prejuízo e, no ano passado, representou apenas 0,07% das vendas da empresa. O restante da receita da companhia veio principalmente da venda de quase 2,5 milhões de veículos de luxo, como o sedã BMW Série 3. 

Além do custo de se construir uma frota grande o suficiente para atender os clientes em toda uma cidade, há inúmeras despesas em andamento nesses serviços, como manutenção de carros, pagamento de motoristas e gerenciamento e atualização de softwares.

As próprias estimativas da BMW mostram que em uma década, um veículo de compartilhamento de carros substituirá três veículos de propriedade particular, e os serviços de mobilidade, incluindo carros autônomos, serão responsáveis por um terço de todas as viagens. Segundo a consultora Oliver Wyman, de Nova York, a mobilidade será um negócio de US$ 227 bilhões (200 bilhões de euros) até 2040. 

"As montadoras estão desesperadas para que suas divisões de mobilidade sejam monetizadas", disse Michael Dean, analista automotivo sênior da Bloomberg Intelligence. "Elas devem estar envolvidas no futuro da mobilidade para evitar que sejam deixadas para trás por Uber e Lyft." 

A Uber e sua concorrente chinesa, DiDi Chuxing, já estão avaliadas em cerca de US$ 124 bilhões — um pouco abaixo do valor de mercado de BMW e Daimler juntas, diz Dean.

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Tanta coisa está em jogo que a BMW uniu a DriveNow com o serviço car2go da Daimler em março. O objetivo deles: construir um one-stop-shop onde as pessoas podem fazer tudo, desde chamar táxis a localizar vagas de estacionamento e estações de carregamento para seus carros elétricos. 

"Como pioneiros da engenharia automotiva, não deixaremos a tarefa de moldar a mobilidade urbana futura a outras pessoas", prometeu o diretor executivo da Daimler, Dieter Zetsche, quando a parceria foi anunciada. 

A competição já é feroz. Na Alemanha, a infinidade de opções para ir do ponto A ao ponto B levou a própria operadora de trens do país, a Deutsche Bahn AG, a comprar uma participação na CleverShuttle, que não deixa de ser uma alternativa aos passageiros em dia de trens superlotados.

Os berlinenses podem entrar em carros alugados em qualquer rua, movidos à gasolina ou baterias. Podem usar uma das milhares de bicicletas de aluguel por apenas um euro a hora. E por 3 euros a cada 30 minutos, eles podem até mesmo navegar no centro da cidade em uma scooter elétrica. 

 Uma variedade semelhante de opções de mobilidade está disponível na maioria das grandes cidades desenvolvidas. As frotas de compartilhamento de carros em todo o mundo aumentaram 91% em tamanho no ano passado, de acordo com a Bloomberg New Energy Finance. Serviços como Uber, Lyft ou Grab, nos quais todas as montadoras investiram, atingiram quase um bilhão de usuários durante o segundo trimestre. 

Dividir o caminho com estranhos, a última moda, também está pegando. Além do CleverShuttle, a ViaVan começou algo semelhante em Londres, Amsterdã e Berlim na última primavera e uma joint venture entre a Daimler e a Via Transportation Inc. Volkswagen, sediada em Nova York, lançou, em julho, a Moia em Hanover, Alemanha, usando 35 vans elétricas projetadas pela VW — com a expectativa de crescer para 250 vans até 2020.

"Precisamos reduzir o tráfego nas cidades", disse Bruno Ginnuth, CEO da CleverShuttle. "Uma boa maneira de fazer isso é convencer as pessoas de que elas não precisam mais ter um carro." 

A CleverShuttle espera, pela primeira vez, ter lucro em uma cidade alemã, Leipzig, até o final do ano, e planeja comprar mais 130 carros a hidrogênio Nissan Leafs e Toyota Mirai para expandir em mais duas cidades. 

Os passageiros estão aprovando o serviço. Bruesch paga cerca de 8,50 euros pela viagem de 6,5 km até a praça central de Berlim, chamada Potsdamer Plaz, metade do preço de um táxi e menos do que pagaria estacionar o seu carro em uma das garagens próximas ao escritório. 

"É barato, não preciso procurar um estacionamento e gosto do fato de ser uma viagem ecologicamente correta", diz ele.

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