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 | Daniel Castellano
/ Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

A economia brasileira registrou em 2015 o pior desempenho em 25 anos. A queda de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, valor total da produção de bens e serviços do país) foi a maior desde os 4,3% de 1990 (veja infográfico abaixo), período marcado pelo confisco das poupanças pelo governo de Fernando Collor.

Além do número ruim do ano passado, boa parte das projeções apontam para uma queda superior a 3% este ano, o que garantiria o pior desempenho desde 1930 e 1931, quando, o mundo vivia a Grande Depressão provocada pela quebra da bolsa de Nova York. Naquele período, a economia brasileira recuou 2,1% e 3,3%, respectivamente. Foi a única vez que o PIB caiu por dois anos seguidos.

Economia do Paraná recuou 2,8% em 2015, menos que a média nacional

Indústria e serviços puxaram para baixo o PIB estadual. O único setor que cresceu no ano foi a agropecuária

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Os dados divulgados nesta quinta-feira (3) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística estão coalhados de recordes negativos, mas a novidade da economia em 2015, segundo a coordenadora de Contas Nacionais da entidade, Rebeca Palis, foi o tombo de 4% no consumo das famílias, que vinha sustentando o PIB, mesmo em 2014. “O consumo das famílias tem peso de mais de 60% na economia. A gente viu, em 2014, que a taxa de crescimento tinha desacelerado bastante, mas continuava positiva”, afirmou Rebeca.

Mercado deteriorado

Juros e inflação mais altos, redução do crédito e as condições ruins do mercado de trabalho, com aumento do desemprego e queda na renda, explicam o recuo no consumo das famílias, segundo a pesquisadora. Enquanto isso, a crise da indústria se aprofundou e os investimentos seguiram ladeira abaixo. Consequentemente, o PIB de serviços, que vinha se sustentando, também encolheu 2,7%.

“Diferentemente de outros momentos de recessão no passado recente, como em 1999, 2003 e 2008, desta vez poucas coisas se salvaram”, afirmou o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale.

Para explicar tamanha retração, economistas citam uma conjunção de fatores, como crise política, desdobramentos da Operação Lava Jato (sobre a política e sobre investimentos em infraestrutura e no setor de petróleo), equívocos da política econômica nos últimos anos, efeitos da correção iniciada em 2015 e a piora no cenário externo, com queda nas cotações de matérias-primas.

Pedro Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp, chamou atenção para a queda nos investimentos, impactada, em sua visão, pelo recuo nos aportes do governo por causa do ajuste fiscal e pelos efeitos da Lava Jato.

Em 2015, os investimentos despencaram 14,1%, levando a taxa a 18,2% do PIB. “Até 2014, a taxa de investimento vinha se mantendo na casa de 20%, a despeito da desaceleração do consumo e da economia”, disse Bastos. Com a queda de 3,8% no PIB e o aumento da população, a renda per capita nacional caiu 4,6%, para R$ 28,8 mil.

Crise no consumo

A crise entrou de vez na casa dos brasileiros em 2015. Com mais gente desempregada, ou ganhando menos, e a inflação elevada corroendo o poder de compra, o consumo das famílias despencou 4%. É a primeira retração desde 2003 e a maior já registrada pelo IBGE na série atual, iniciada em 1996. “A grande crise que existe hoje é de perspectiva. O brasileiro não vê luz no fim do túnel. Se as pessoas têm medo do futuro, elas não pegam crédito e não consomem”, explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, que analisa o comportamento das classes C, D e E.

Investimento derrete

O cenário político conturbado, as investigações da Lava Jato e a falta de horizonte para a retomada na atividade econômica fizeram os investimentos tombarem 14,1%. A chamada Formação Bruta de Capital Fixo, que mede o investimento privado em máquinas e equipamentos, vem caindo persistentemente desde o terceiro trimestre de 2013. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), “períodos longos de queda do investimento são preocupantes porque não apenas comprometem a capacidade futura de produção como também contribuem para a obsolescência da estrutura produtiva do país ”.

Campo se salvou

A única boa notícia em meio ao desastre do PIB nacional foi o desempenho do setor agropecuário, que cresceu 1,8%. Ainda assim, o PIB da agropecuária foi o menor desde 2012, quando recuou 3,1%. Soja e milho garantiram o avanço do campo no ano passado. Em 2015, o volume de soja cresceu 11,9%, enquanto o milho avançou 7,3%. O Brasil produziu 201,4 milhões de toneladas de grãos, o maior volume da história. “A queda das cotações internacionais foi compensada pela alta do câmbio e favoreceu o setor. Poderíamos ter crescido muito mais se toda a economia estivesse bem”, afirma o analista técnico e econômico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), Robson Mafioletti.

Desastre industrial

Dos setores produtivos do PIB, a indústria teve a maior retração, de 6,2%. É uma queda sem paralelo na história recente da economia. O PIB da indústria encolheu 1,4% no último trimestre de 2015, completando sete trimestres seguidos de baixa, o que nunca foi registrado desde, pelo menos, o início da década de 1980. “A indústria foi afetada por juros mais altos e crédito crescendo menos. Além disso, o governo tirou incentivos no começo do ano de 2015, o que prejudicou a indústria”, disse Rebeca Palis, gerente das Contas Nacionais trimestrais do IBGE.

Análise: Difícil dizer de onde virá a recuperação

Economia continua em queda e retomada tem tudo para ser lenta

O resultado do PIB de 2015 assusta por sua dimensão incomum na economia brasileira e pela tendência de queda ainda não estancada. Se não houver nenhum novo fator negativo, como uma crise internacional deflagrada pela China (pouco provável) ou uma piora no cenário político interno (imprevisível) a economia brasileira ainda vai levar mais dois ou três trimestres para se estabilizar. Talvez isso só ocorra no começo do ano que vem.

Esse é o tempo em que as famílias vão continuar cortando gastos, em que os investimentos vão continuar caindo e em que o governo terá de conter suas despesas. Hoje é difícil dizer quem vai parar de cortar primeiro. As empresas têm poucos incentivos para investir devido ao cenário de incerteza, lentidão na abertura de setores para o investimento privado e os efeitos do encolhimento do setor de petróleo. O governo terá de continuar cortando porque é sua ruína fiscal uma das causas da recessão. E as famílias, abatidas pelo desemprego crescente, estão recusando novas dívidas e economizando.

Assim, a estabilização – que, em outras palavras, significa que a economia deixa de encolher de um trimestre para o outro – além de demorar para chegar, virá sem um sinal claro de onde virá a recuperação. A melhor notícia é que a desvalorização do real começa a surtir efeitos positivos. É pouco provável, no entanto, que o setor externo puxe uma recuperação rápida como em 2003-2004, quando o boom das commodities ajudou o país a sair da crise.

A saída pelo aumento do consumo também é uma possibilidade, desde que o mercado de trabalho não afunde em ritmo maior até o fim deste ano. Ainda é cedo para dizer como a crise vai ferir a renda familiar, em queda menor do que o recuo do PIB. De qualquer forma, mesmo no melhor cenário, não haverá um boom de consumo como na crise de 2008-2009, quando incentivos de crédito fizeram parte do trabalho de recuperar o país.

O investimento deve continuar caindo até deglutir dois grandes problemas: a crise no setor de petróleo e o recuo na construção civil. Há capital no mundo disposto a investir no país, desde que ele faça o trabalho básico de conceder à iniciativa privada projetos de infraestrutura. O país terá de melhorar a regulação e ficar mais aberto a empresas estrangeiras capazes de fechar o buraco aberto no setor pelo envolvimento de empreiteiras no escândalo da Lava Jato.

Por último, o melhor que o governo tem a fazer é controlar seus gastos para ajudar a conter a inflação e abrir espaço para o Banco Central reduzir seus juros. Uma recuperação calcada no gasto público é inviável neste momento.

A retomada da economia, portanto, tem tudo para demorar e ser lenta. Não é um cenário inevitável. Com um ambiente de negócios ruim, o país tem muito a ganhar com reformas que destravem o setor produtivo e melhorem as perspectivas de quem investe.

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