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Porque a Apple ganha dinheiro vendendo telefones em vez de publicidade, é capaz de se manter como resistência a uma variedade de pragas digitais: defensora de sua privacidade, agitadora contra a desinformação e a doutrinação, e até mesmo uma guerreira plausível contra o vício da tecnologia. | Stephen Lam/AFP
Porque a Apple ganha dinheiro vendendo telefones em vez de publicidade, é capaz de se manter como resistência a uma variedade de pragas digitais: defensora de sua privacidade, agitadora contra a desinformação e a doutrinação, e até mesmo uma guerreira plausível contra o vício da tecnologia.| Foto: Stephen Lam/AFP

Há tempos o mundo dos negócios é atormentado por catastrofistas da Apple – investidores, analistas, executivos rivais e jornalistas que olham para a empresa mais valiosa do mundo e declaram que ela está iminentemente condenada.

A preocupação dos críticos em relação a ela é compreensível, mesmo que seu erro reincidente seja um tanto hilariante. O crescimento de duas décadas da Apple, saindo de uma quase falência na era do computador pessoal para a primeira empresa de trilhões de dólares, desafiou todas as regras aparentes do setor da tecnologia.

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Não é de se esperar que empresas que fazem hardware caro sejam tão populares, rentáveis ou permanentes. Para um monte de gente na indústria, o sucesso da Apple pode parecer um acaso, e cada novo obstáculo enfrentado – a popularização do Android, a morte de Steve Jobs, a saturação do mercado de smartphones, a ascensão da inteligência artificial e do software na nuvem – era um auspício de seu fim.

Mas este ano, quando se prepara para lançar um novo conjunto de iPhones, a história em torno da Apple surpreendentemente mudou: em uma era de ceticismo cada vez maior sobre o impacto da indústria da tecnologia na sociedade, seu modelo de negócios tornou-se de fato sua vantagem mais duradoura.

Vender telefones em vez de publicidade

Porque a Apple ganha dinheiro vendendo telefones em vez de publicidade, é capaz de se manter como resistência a uma variedade de pragas digitais: defensora de sua privacidade, agitadora contra a desinformação e a doutrinação, e até mesmo uma guerreira plausível contra o vício da tecnologia, problema possibilitado pelo fascínio de seus próprios dispositivos.

Embora já seja mais rentável que alguns de seus rivais, parece provável que a Apple saia ainda mais forte da temporada de crise da tecnologia. Em longo prazo, sua força crescente poderia alterar profundamente a indústria.

Durante anos, as startups que visam o público consumidor se inspiraram no Google e no Facebook, oferecendo inovações às massas a preços irrisórios, ou mesmo gratuitamente, mas há limites para o modelo do “almoço na faixa”.

Se o negócio da Apple se tornar a norma amplamente seguida, poderemos ver uma indústria mais cuidadosa com os perigos e excessos da tecnologia. E também mais exclusiva, onde os ricos obtêm as melhores inovações e os pobres enfrentam mais riscos.

“Por causa do modelo de negócio da Apple – porque seu lucro vem do hardware lucrativo que vende –, tem sido muito mais fácil para ela fazer certas escolhas e determinações sobre como abordar os problemas da indústria”, disse Carolina Milanesi, analista da Creative Strategies, empresa de pesquisa de tecnologia.

Apple foi visionária ao defender segurança digital

A força da mensagem é simples: pagar pela tecnologia é a melhor maneira de assegurar sua segurança digital e cada novo perigo on-line é mais uma razão para investir no modo de vida Apple.

Estes não são argumentos novos para a empresa. Enquanto o Google e o Facebook buscavam uma escala mundial, oferecendo serviços gratuitos ou baratos resultantes da venda de anúncios, Tim Cook, executivo-chefe da Apple, alertava sobre os riscos de um mercado de publicidade descontrolado na internet.

“Estou falando com vocês aqui do Vale do Silício, onde algumas das empresas mais proeminentes e bem-sucedidas construíram seus negócios, induzindo seus clientes a serem complacentes com suas informações pessoais”, disse ele a uma plateia em 2015.

Para muitos, incluindo este que vos fala, os argumentos de Cook soaram alarmistas e tendenciosos, mas depois de dois anos de escândalos, parece até que ele pegou leve.

Embora seus negócios continuem, Facebook e Google, as maiores empresas de publicidade do mundo da internet, agora enfrentam escrutínio global por propagar a desinformação, o proselitismo e o que os críticos dizem ser os efeitos desestabilizadores de seus produtos na política e na sociedade.

A Amazon é amada pelos clientes, mas seu rápido crescimento gera ansiedade econômica sobre o futuro dos empregos. Os três gigantes são considerados alvos crescentes da perseguição antitruste nos Estados Unidos e em outros países.

Por outro lado, o modelo de negócio da Apple a afasta da maioria dos medos tecnológicos surgidos nos últimos anos. Embora a maior parte de seus lucros venha do comércio global de smartphones, os aparelhos da Apple não respondem pela maior parte das vendas, acabando com o medo de um monopólio.

Os preços elevados também oferecem uma expectativa da segurança, dando-lhe maior liberdade de policiar propriedades on-line com sua App Store, seu diretório do podcasts e seu aplicativo de notícias. Dez anos atrás, quando Jobs impôs regras na loja de aplicativos proibindo programas não confiáveis e pornográficos, foi chamado de puritano; agora, suas regras parecem visionárias.

A Apple está contratando jornalistas humanos para desenvolver um serviço noticioso por assinatura que pode resultar em um contraste com o ambiente inconsequente das notícias das redes sociais.

Seu compromisso com a seleção de experiências on-line também a transformou em um tipo de árbitro moral da tecnologia. Quando a empresa decidiu barrar o conspirador de direita Alex Jones de seus serviços recentemente, eliminou grande parte da ansiedade gerada por ele na indústria. Muitas outras companhias de tecnologia imediatamente fizeram o mesmo.

A Apple na mira de Trump

A Apple não escapou totalmente da crítica na era Trump; sua confiança na China, onde faz seus produtos e aposta crescer e onde esses produtos obedecem à censura do governo, parece ser um problema cada vez maior.

No entanto, até agora, Cook conseguiu superar ventos políticos complicados. De alguma forma, conseguiu criticar a política do presidente Donald Trump ao mesmo tempo em que se beneficiava de seus cortes de impostos; escapou também de um impacto negativo da guerra comercial, pois a administração Trump removeu várias categorias de produtos, na sua última rodada de tarifas, que poderiam afetar a Apple.

Seu modelo de negócio “segurança em primeiro lugar” pode se tornar cada vez mais importante conforme a tecnologia vai ficando ainda mais íntima. Os telefones mais novos da empresa podem ser desbloqueados através de detalhes de seu rosto, enquanto seu relógio inclui sensores sofisticados para monitorar seus movimentos e sua saúde. Ao oferecer esses e outros avanços, a empresa pode argumentar, não sem razão, que apenas seu negócio livre de anúncios pode proteger essas informações confidenciais.

Mas vale a pena notar que esse modelo não está disponível para todos. No primeiro semestre deste ano, depois que Cook levou alguns golpes nos escândalos do Facebook, Mark Zuckerberg, o executivo-chefe da rede social, apontou os limites inerentes ao modelo da Apple.

“A realidade atual é que se você quiser criar um serviço que ajude a conectar todo mundo, então haverá um monte de gente que não terá condições de pagar”, Zuckerberg disse ao jornalista Ezra Klein.

Desde então, a Apple aumentou os preços dos seus telefones, e conforme o mercado de smartphones vai desacelerando, o refúgio dos perigos da vida on-line oferecido pela empresa pode ficar bem mais caro.

A desigualdade é a história de nossa era e não é nenhuma surpresa que possa se tornar o enredo dominante da tecnologia também. Conforme o mundo digital vai ficando mais assustador, a tecnologia da Apple pode vir a se parecer com um oásis caro para os ricos do mundo; todos os outros têm que se arriscar com o almoço na faixa.

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