Apesar de o PIB brasileiro ter tido um bom desempenho no pós-pandemia, com um crescimento de 5% em 2021 e expectativa de expansão próxima de 3% para 2022, o histórico não é dos mais favoráveis.
Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que entre 1980 e 2022 o Brasil cresceu ao ritmo médio de 2,3% ao ano, apenas a 92.ª taxa de expansão do PIB entre 135 países com dados completos. No mesmo intervalo, a economia mundial avançou 3,4% ao ano, em média. Nesses 43 anos, o crescimento anual do PIB brasileiro foi inferior ao mundial em 31 ocasiões, e superior apenas em 12.
Um dos motivos que explicam os números piores que a média global, segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, são as instabilidades macroeconômicas ao longo desse período. “Inicialmente tivemos os problemas com a hiperinflação. E mais recentemente, com a questão fiscal”, diz.
Sílvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, diz também que, ao longo desse período, o Brasil tomou decisões que não são compatíveis com o crescimento econômico de médio e longo prazo. “Não foram feitas escolhas para assegurar o crescimento da produtividade”, afirma.
Mas há exceções, cita o economista. Os períodos de maior avanço, em termo de reformas e mudanças, foram durante o Plano Real e nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Gabriel Fongaro, economista sênior do Julius Baer Family Office (JBFO), destaca, que para garantir o crescimento no longo prazo, é preciso estar com a “casa arrumada”. O que, segundo ele, passa por uma política econômica previsível. “Do lado monetário foi feito um avanço importante, com o BC independente. Do lado fiscal, é necessário sinalizar em direção a um arcabouço fiscal”, diz Fongaro.
Mas, segundo ele, a questão fiscal é uma condição necessária, mas não suficiente para assegurar o crescimento. Outros fatores relevantes são ter mão de obra qualificada e estoque de capital suficiente – como, por exemplo, acesso a tecnologias inovadoras.
“Atualmente, temos uma série de entraves ao crescimento: educação de baixa qualidade, economia fechada, muita incerteza jurídica, baixa taxa de investimento e pouca atratividade para os investidores”, cita o economista da JBFO.
Após dois anos de bom desempenho, o país parece prestes a voltar ao padrão de baixo crescimento. O ponto médio das expectativas de consultorias e bancos indica um avanço de apenas 0,8% do PIB em 2023.
Incertezas e falta de continuidade desestimulam investimentos
Um fator que pesa contra o país, de acordo com o coordenador de contas nacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudio Considera, são as incertezas em relação às instituições brasileiras. “Isso acaba espantando os investidores estrangeiros e desestimula os nacionais", diz.
Um dos exemplos apontados pelo especialista da FGV é a questão tributária. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que o país edita em média 2,26 normas tributárias por hora de dia útil, na soma de municípios, estados e União. “Isto acaba tirando a segurança do investidor", diz Considera.
Ele destaca que também é preciso continuidade no desenvolvimento de políticas públicas. “É preciso pensar também no longo prazo”, diz o especialista. Um exemplo positivo, nesse sentido, é a educação no Ceará. “Entra governo, sai governo, a estratégia é mantida”, afirma.
Baixa qualidade na educação inibe o crescimento
Um dos fatores que contribuiu para inibir o crescimento da economia brasileira nos últimos 40 anos foi a questão educacional. “Temos um problema histórico de qualificação da mão de obra. É um reflexo do processo de tomada de decisões no Brasil”, cita Campos Neto, da Tendências.
Ele lembra que Brasil e Coreia do Sul tinham, no fim dos anos 60, aproximadamente a mesma renda per capita. O tigre asiático investiu em programas de qualificação educacional e de mão de obra, tornando-se uma das economias mais dinâmicas. Em 2021, segundo o Banco Mundial, a renda per capita sul-coreana era de US$ 32,6 mil, 3,8 vezes a brasileira.
“Temos uma produtividade baixa e estagnada, o que impede um crescimento sustentável de longo prazo. E essa dificuldade está associada à falta de qualidade na educação”, diz Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV.
Investimento produtivo é menor que em outros emergentes latino-americanos
Outro problema é a baixa capacidade de poupança no Brasil. No terceiro trimestre ela correspondeu a 16,2% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um ponto percentual maior maior que a do mesmo período de 2021.
Isso faz com que a taxa de investimento produtivo sofra fortes oscilações. “Nos últimos sete anos chegou a um patamar próximo de 15,5% do PIB, mas nos últimos anos deu uma melhorada”, diz o economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos. No terceiro trimestre, ela fechou em 19,6% do PIB.
Mesmo assim, o número brasileiro está abaixo do observado em outros emergentes latino-americanos. No Chile, o investimento equivale a 21,5% do PIB; no Peru, são 21,7%; Colômbia, 22,7%; e, no México, 22,3%.
Margato atribui o desempenho brasileiro às frequentes mudanças na condução da política econômica e às fragilidades institucionais do país, o que contribui para aumentar a incerteza entre os empresários.
Outro agravante é que a capacidade de investimento do estado é mínima. “Despesas obrigatórias são mais de 90% do total”, ressalta Campos Neto. Isto se traduz, por exemplo, na redução dos investimentos em transporte.
Dados do Orçamento Geral da União compilados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostram que em 2021 foram realizados R$ 9,23 bilhões em investimentos na área, na soma de desembolsos do setor público e da iniciativa privada. É o menor valor, já descontada a inflação, desde 2006. E representa uma queda real de 68,3% em relação ao pico, registrado em 2010.
Reformas são essenciais para assegurar crescimento mais forte
Um dos desafios para assegurar um crescimento mais forte da economia brasileira é a execução de reformas. “Temos um ambiente de negócios extremamente complexo”, destaca Margato, da XP. O país ocupa a 133.ª posição no ranking do Índice de Liberdade Econômica, da Heritage Foundation, que avalia 177 países. É considerado como "majoritariamente não livre".
Um dos principais gargalos é o tributário. Campos Neto, da Tendências Consultoria, qualifica o sistema brasileiro, que tem suas bases no fim dos anos 60, como muito ruim: “Ele é complexo, gera insegurança e favorece o contencioso, pois as empresas têm dificuldade em saber o que é o certo a se fazer”.
Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a reforma tributária é a que está mais madura para ser realizada. Duas propostas – as PECs 45 e 110 – tramitam no Congresso, O idealizador da primeira, Bernard Appy, foi nomeado para a secretaria especial da reforma tributária pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Outra reforma relevante é a administrativa. Contudo, o sócio da Tendências não vê espaço para ela avançar, devido às ligações do novo governo com o funcionalismo público.
Desindustrialização também favorece baixo crescimento
Outro problema, segundo Considera, é a rápida desindustrialização da economia brasileira. O peso da indústria de transformação nacional que chegou a ser de 36% do PIB em 1985, hoje não representa um terço disso. Ela perdeu espaço tanto no exterior, quanto no mercado interno. E um dos países que ocuparam esses espaços foi a China.
“Não se cresce sem uma indústria forte e só na base dos serviços”, destaca. O problema é agravado pela alta nos juros, que torna mais difícil a compra de bens duráveis e gera incertezas sobre a criação de oportunidades de trabalho com carteira assinada.
Vale, da MB Associados, aponta que a indústria se manteve mais fechada desde a década de 1980 e ficou praticamente fora das cadeias globais de produção.
O coordenador da FGV destaca que a recuperação da indústria de transformação brasileira vai ser árdua e de longa duração: “Exigirá medidas continuadas de vários governos para voltar a ocupar papel relevante na economia. Será necessário adquirir tecnologia moderna para aumentar sua competitividade internacional e, em conjunto com as universidades, inovar e aprimorar a tecnologia adquirida”.
Um dos caminhos pode ser o aproveitamento do potencial gerado pela agropecuária brasileira. O agronegócio já representa quase um quarto do PIB nacional, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP).
Este é o primeiro texto da série de reportagens "País em marcha lenta", que busca mostrar quais os obstáculos ao crescimento econômico no país e o que fazer para acelerar essa expansão.
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