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Professor de química em cursinhos pré-vestibulares de Curitiba, Robert Nespolo passou dois anos guardando dinheiro  antes de botar o pé na estrada para  um ano sabático pelo  mundo com a esposa. | Arquivo pessoal/Robert Nespolo
Professor de química em cursinhos pré-vestibulares de Curitiba, Robert Nespolo passou dois anos guardando dinheiro antes de botar o pé na estrada para um ano sabático pelo mundo com a esposa.| Foto: Arquivo pessoal/Robert Nespolo

Nos Estados Unidos e na Europa é comum que adolescentes tirem um ano de folga entre o colégio e a faculdade antes de decidir o que vão fazer da vida. Conhecido como “gap year”, a ideia é que seja um período de reflexão, longe das distrações da rotina e das expectativas das pessoas ao seu redor. Se a ideia lhe parece boa, mas você já está na metade da carreira, não se desespere. Com bastante planejamento, é possível tirar um sabático em qualquer momento da vida.

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Seis anos depois da graduação, o americano Adam Kiefer tinha uma rotina convencional de quem trabalha em escritório em horário comercial. A morte precoce do pai, porém, o fez compreender que não poderia ficar adiando seus planos indefinidamente.

Isso me fez perceber que a vida é curta demais e que, se há alguma coisa que você quer fazer (como uma viagem prolongada), às vezes é melhor determinar um prazo e fazê-la ao invés de adiá-la até a aposentadoria

Foi com essa resolução que ele economizou durante quase dois anos para poder realizar o sonho de passar um ano sem parada fixa. Entre junho de 2010 e junho de 2011, ele passou 51 semanas viajando por 40 países em seis continentes e mudando sua visão de mundo. “Essa experiência foi extremamente importante porque me permitiu ver como as coisas são fora da ‘bolha’ da vida americana comum”.

Adam Kiefer trabalhou como voluntário no Virunga National Park, na República Democrática do Congo.Arquivo pessoal/Adam Kiefer

A viagem também mudou completamente a carreira do engenheiro de banco de dados visuais. Depois de trabalhar como voluntário no Virunga National Park, na República Democrática do Congo, ganhou um fundo de um projeto do Google para ajudar a monitorar a vida selvagem lá. “Eu visitei o parque como turista no meu sabático e a única maneira pela qual isso poderia ter acontecido era por meio de uma visita”.

Novas prioridades

Hoje, Kiefer voltou a trabalhar com a profissão que tinha antes da pausa na carreira, mas o modo de pensar é outro. “O sabático me tornou um profissional melhor porque eu me afastei do meu trabalho normal e tirei um tempo para recentralizar a minha vida”, explica, destacando que, desde então, viagens internacionais passaram a ser uma parte muito maior da sua rotina.

Essa mudança de perspectiva é um dos motivos para que, lentamente, os empregadores brasileiros estejam aderindo à prática de incluir períodos sabáticos no pacote de benefícios.

A multinacional do segmento químico Basf adotou, há dois anos, o programa Equilibre. Trata-se de um conjunto de iniciativas para melhorar o ambiente corporativo, tornando a companhia mais atraente para quem ainda não faz parte e melhorando o engajamento dos funcionários. Uma delas é a possibilidade de funcionários com bons resultados nas pesquisas de performance optarem pelo Time Out .

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A oportunidade pode ser usada para fazer cursos, se dedicar integralmente a alguma situação pessoal ou apenas para relaxar e ampliar horizontes. Os resultados já estão aparecendo, segundo o gerente sênior de recursos humanos da Basf para a América do Sul, Ramiro Luege.

Os funcionários que tiveram uma experiência internacional voltaram com um perfil multicultural mais interessante para trabalhar em uma empresa multinacional. Aqueles que saíram para lidar com alguma situação familiar voltaram mais engajados

Ele afirma, ainda, que o programa não tem o objetivo de melhorar a produtividade, mas sim manter o mesmo nível de performance com mais qualidade de vida para os funcionários. “É um risco que a gente tem que tomar na tentativa de reter ou atrair talentos”.

Planejamento é a chave

Enquanto Kiefer passou quase dois anos planejando seu gap year , Robert Nespolo e a esposa, a jornalista e advogada Themys Cabral, dedicaram quatro anos à poupança e mapeamento do que viriam a ser 362 dias de mochila nas costas. Apaixonados por viagem e ainda sem filhos, decidiram viver um ano “apenas para a gente e mais ninguém”, conta Nespolo.

Robert Nespolo e a esposa, a jornalista e advogada Themys Cabral.Arquivo pessoa/Robert Nespolo

“Tudo começa com o planejamento. Tem que pesquisar muito, ler muito, correr muito atrás, ter perseverança e foco”, afirma. Professor de química, antes de viajar ele dava aula em cinco cursinhos pré-vestibulares de Curitiba. Quando colocou o pé na estrada, tinha a vaga garantida em três deles para o retorno.

“Eles viram que a viagem não me engrandeceria apenas como pessoa, mas também como profissional”. Aliada a essa garantia na renda, o casal também conseguiu deixar guardada toda a verba da venda de um dos carros da família e o apartamento alugado pelo período do sabático.

“A gente tinha a preocupação com a volta, não tem como não ter. Mas seguir o planejamento faz com que as coisas saiam com mais facilidade”, garante Nespolo, que recebeu propostas de emprego antes mesmo de desembarcar em Curitiba.

Mesmo assim, adverte: “Se não tomar cuidado, o teu maior sonho pode virar o teu maior pesadelo”.

Sócio fundador da Mesa Corporate Governance e autor do livro “Sabático, um tempo para crescer”, Herbert Steinberg aconselha encontrar um equilíbrio entre a capacidade de sonhar e planejar:

Entre decidir-se e implementar o sabático, é necessário um tempo de pelo menos um ou dois anos para clarificar as metas, rever sonhos de infância e juventude, definir a natureza e os detalhes do projeto, verificar se é factível, determinar a duração, ajustar a questão familiar

Ou seja, deve-se fazer tudo com os pés no chão, sem queimar pontes ou esquecer da volta.

Reflexão e foco no futuro da carreira

Nem só de mochileiros é feito o grupo de pessoas que resolve apertar o pause e tirar um período para si mesmo. A pesquisadora e desenvolvedora de conteúdo para TV Juliana Torres, por exemplo, viu que precisava se especializar mais para poder crescer na profissão que escolheu. Então, a paulista enxugou os gastos, aumentou a carga de trabalho e economizou cada centavo para fazer um curso de roteiro em Los Angeles.

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“A experiência começou ótima, mas depois bateu a depressão”, relata. O choque foi muito grande: deixou apartamento, carro, amigos e emprego nos Estados Unidos para voltar a morar com a mãe, sem emprego, em um relacionamento à distância e se sentindo deslocada em seu grupo de amigos.

“Eu sentia falta de Los Angeles todos os dias e a falta de perspectiva me colocou em uma depressão profunda. Eu senti como se não tivesse o direito de ter sonhos, me senti traída pelos meus próprios planos”.

Superada a depressão, hoje ela voltou a morar em Los Angeles e a trabalhar com o que ama, além de ter descoberto na escrita uma nova paixão.

“Eu sempre soube que gostava de escrever, mas ter a chance de fazer isso profissionalmente e criar qualquer universo que eu quisesse criar foi maravilhoso”. Para ela, sair da rotina ajuda a colocar as coisas em perspectiva. “Não foi um sonho maravilhoso, não foi mágico, mas foi uma prova de que eu consigo fazer qualquer coisa, mesmo que seja duro e difícil”.

Steinberg acredita que essa resiliência tem muito a ver com o período sabático e com empregabilidade. “A interrupção planejada das atividades profissionais garante ao indivíduo tempo para refletir sobre a carreira, o significado social de seu trabalho e o uso adequado de suas competências e habilidades”.

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