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Até dezembro devem amadurecer as novas propostas do grupo dos 20 países em desenvolvimento (G 20) para a Organização Mundial do Comércio (OMC). A data será o limite final para a 6.ª Reunião Ministerial da OMC, que acontecerá em Hong Kong, a ex-colônia inglesa que tornou-se área administrativa da China em 1997.

Em seu retorno ao Brasil, após visita a Angola, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, comentou à Agência Brasil, a proposta que o G 20 vem defendendo. Segundo Amorim, a proposta chegou perto do consenso na última reunião da OMC, a Conferência Mini-ministerial, em Dalian, cidade do noroeste chinês, próxima à fronteira com a Coréia do Norte.

O G 20 fez uma proposta como o objetivo de alcançar o equilíbrio nas negociações envolvendo a agricultura em três pilares. O primeiro é de apoio doméstico e prevê a definição de um patamar para redução das tarifas que gerem distorção do comércio mundial.

O segundo pilar é o congelamento de todos os subsídios à exportação. Diz ainda que todas as formas de subsídio deveriam ser eliminadas em um período não superior a cinco anos.

No terceiro pilar, sobre acesso a mercado, os integrantes do G 20 consideram que uma fórmula de redução tarifária linear dentro de faixas é a melhor alternativa para avançar nas negociações.

O ministro disse que sempre haverá setores "mais retrógrados", mas se mostrou otimista quanto à proposta que, segundo ele, foi bem recebida pelos Estados Unidos e pela União Européia. "Eu tenho a convicção que nós vamos avançar", disse. Acompanhe, a seguir, a entrevista do ministro sobre a proposta do G 20.

Agência Brasil – Como foi a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) na China, este mês?

Celso Amorim – A reunião foi importante. Porque é uma dessas reuniões com um grupo de ministros apenas. É claro que a OMC tem mais de 150 membros e esse é um grupo de uns 25 a 30 países. E nessa reunião o G 20 articulou uma proposta sobre agricultura para permitir o avanço das negociações, sendo que já tínhamos obtido em julho do ano passado alguns parâmetros gerais.

Então, agora fizemos uma coisa mais específica que não é ainda o resultado das negociações porque não temos números finais, mas há uma estrutura em todos os chamados três pilares da negociação agrícola: tanto a parte de acesso aos mercados, quanto a parte de subsídios e exportação, quanto a parte de subsídios internos.

Foi muito importante porque o próprio G 20 já reúne muitos países em desenvolvimento, variados tipos desde o Brasil e a Argentina, por exemplo, que são muito competitivos na área agrícola, até países de menor desenvolvimento relativo, como a Tanzânia. Ou ainda grandes países, mas, que têm uma agricultura familiar como a Índia e o Egito. A proposta foi bem recebida tanto pelos Estados Unidos como pela União Européia, como uma possível base para negociação. Isso foi um passo muito importante.

É claro que tudo isso que é dito, às vezes, em nível político, depois tem que ser confirmado, em nível técnico. Vamos continuar avançando, não sei se vamos conseguir um avanço muito grande antes do final de julho, como gostaríamos. Mas tenho a convicção que vamos avançar. Certamente no chamado outono europeu, setembro ou outubro, de tal modo que, quando chegarmos ao fim do ano, na reunião de Hong Kong, essa sim uma reunião ministerial plena, tenhamos condições de estarmos já bem próximos de um resultado para o final da rodada.

ABr – Em que se baseia a proposta? Ela busca garantir uma competitividade mais leal?

Celso Amorim – Ela se baseia no próprio mandato de Doha e no acordo quadro que houve em julho do ano passado em Genebra. Tanto um quanto outro apontam neste sentido, de você eliminar os subsídios de exportação. O próprio presidente dos Estados Unidos, George Bush, falou em eliminar os subsídios internos e ampliar as condições de acesso a mercado. Com isso você favorece quem é mais competitivo e é muito importante para os países em desenvolvimento.

Certamente somos grandes exportadores agrícolas, mas também para países que poderiam ser exportadores e que não são em função desses subsídios ou dessas barreiras de acesso ao mercado. E mesmo para os países que não exportam tanto, mas também sofrem os efeitos desses subsídios porque isso pode levar que produtos entrem no mercado deles perturbando, inclusive, a produção interna.

É por isso que conseguimos formar o G 20, com um grupo variado de países que tem como objetivo comum é eliminar essas distorções no comércio agrícola. Fazendo uma brevíssima recapitulação: desde que o GATT (sigla em inglês para Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio) foi criado, praticamente todas as negociações se concentraram em produtos industriais.

Mas recentemente se expandiram para parte de serviços e propriedade intelectual. A agricultura tinha ficado, eu não diria que totalmente de fora, mas em grande parte de fora. Então, agora estamos justamente querendo recuperar esse atraso.

ABr – A proposta pode enfrentar resistências?

Celso Amorim – Sempre haverá setores mais retrógrados ou setores que se beneficiam de recursos públicos. Na realidade quando você compra um quilo de carne, vamos dizer na Europa, se for carne européia, metade do que você está comprando é subsídio. É esse tipo de concorrência desleal que queremos eliminar, ou pelo menos se não conseguirmos eliminar totalmente, diminuir de forma substancial. Temos feito isso, inclusive nos contenciosos, como o algodão, o açúcar, que, aliás, estão servindo de impulso para algumas reformas. Isso certamente ocorreu no caso da política européia em relação ao açúcar, não de maneira suficiente, mas houve uma reforma, está havendo uma reforma.

E também os Estados Unidos estão começando a tomar medidas no caso do algodão. Isso vai incentivar outros países a entrarem com casos semelhantes a outros produtos. Então, no fundo, essa ação que tivemos também na parte de solução de controvérsias tem alimentado positivamente a parte de negociações e vice-versa.

Há uma sinergia positiva entre o que temos feito na negociação graças ao grupo dos 20 que surgiu quase que espontaneamente em Cancun e foi muito criticado. Hoje em dia você vê tanto Estados Unidos como União Européia. Aliás, o Peter Mandelson, que é o comissário europeu para comércio exterior, disse que o centro de gravidade da rodada é o grupo dos 20.

ABr – As negociações em torno da quebra de patente do antiretroviral e do fim de subsídios norte-americanos ao algodão podem ser discutidas juntas?

Celso Amorim – Acho que são questões paralelas. São questões importantes. A quebra da patente tem sua própria justificativa. Primeiro no próprio acordo de propriedade intelectual da OMC e, depois, na declaração de Doha que reconhecem que os objetivos de saúde pública não podem ser afetados pelas normas de propriedade intelectual. Então, isso é uma questão a parte.

Às vezes, as coisas podem parecer misturadas porque na questão do algodão que o Brasil pediu direito de retaliar, mas esperamos que não ocorra, porque se os Estados Unidos cumprirem o que estão dizendo não vai ser necessário retaliar. A outra questão é específica de necessidade social e de saúde pública que a nosso ver tem que prevalecer sobre normas de caráter puramente comercial.

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