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Curitiba – Desde 1937, quando a Constituição do Estado Novo de Getúlio Vargas fez a primeira menção sobre referendo na história brasileira, o país elegeu oito presidentes, viveu duas ditaduras e fez apenas duas consultas populares, ambas sob a forma do plebiscito, tratando da escolha do regime de governo, com uma delas (1963) sendo realizada como alternativa a um conflito civil.

O referendo de hoje – o primeiro da história do país – pode ser encarado, portanto, como sinal de que a democracia brasileira, que desde a reabertura em 1985, conseguiu eleger quatro presidentes sem o fantasma do golpe militar, amadurece, ainda que as trancos e barrancos.

"É o reconhecimento da soberania popular", diz o jurista Fá-bio Konder Comparato, um entusiasta das formas de democracia semidireta. Konder sintetiza o pensamento de uma série de especialistas que vêem a sociedade brasileira como a grande ganhadora da consulta popular de hoje.

Mais do que uma decisão sobre a proibição ou não do comércio de armas e fogos, o referendo pode inaugurar no Brasil uma tradição presente em diversos países. "Muitas das chamadas democracias consolidadas se utilizam bastante desse tipo de consulta", explica o juiz federal e professor de Direito Friedmann Wendpap.

A Suíça, por exemplo, já realizou mais de 500 referendos. Os países nórdicos, como Suécia e Noruega, também se utilizam do expediente. Nos Estados Unidos e no Canadá, os estados e as províncias aproveitam as eleições majoritárias para perguntar uma série de outras questões. "São coisas pequenas, decisões que dizem respeito à própria comunidade" explica Angela Moreira, mestre em Ciências Políticas e Coordenadora do curso de Ciências Políticas das Faculdades Curitiba.

Ela conta que uma província canadense já perguntou, por exemplo, em que tipo de garrafa as bebidas alcóolicas poderiam ser vendidas. "Para nós parece uma coisa sem sentido, mas é algo relativo a noção de cidadania das pessoas, ao poder de decisão que as pessoas têm."

No entendimento de muitos especialistas, é exatamente na esferas estadual e municipal que os referendos poderiam ser melhores aproveitados. "É onde as questões estão efetivamente mais próximas da população", diz o sociólogo Lejeune Mato Grosso Carvalho, ex-presidente da Federação Nacional dos Sociólogos.

Opinião semelhante tem o juiz Wendpap. "A população de uma cidade, por exemplo, poderia decidir sobre todo o planejamento urbano de sua cidade, poderia deliberar sobre o plano diretor, enfim, sobre os caminhos que o município pretende tomar", afirma. Mas faz uma ressalva. "Não podemos cair no assembleísmo, em uma disputa de poder entre grupos. Na esfera regional e nas consultas federais temos que ter cuidado para não simplificar demais questões que não são simples."

O juiz refere-se às possíveis consultas sobre aborto e eutanásia. "O referendo atual, por exemplo, deixa tudo a cargo do sim ou não, não existem poréns, não existe espaço para uma argumentação. Isso precisa ser pensado."

A grandiosidade da consulta sobre o comércio de armas também tem seu aspecto negativo, segundo Angela. Para ela, ao se propor uma pergunta para todos os eleitores brasileiros, se esquece de várias peculiaridades locais. "O correto é que tivéssemos perguntas por estado. Proibir o comércio de armas de fogo na área urbana do Rio de Janeiro é uma coisa, nas pequenas e médias cidades de Santa Catarina é outra."

Além do conteúdo, há ressalvas quanto à própria forma do referendo. "É lógico que democracia não tem preço, mas os R$ 200 milhões utilizados na operacionalização do processo são sim, muito dinheiro", conclui Wendpap.

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