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 | Anis Mili/Reuters
| Foto: Anis Mili/Reuters

O escritório no 12º andar do mais antigo quartel-general do Fundo Monetário Internacional (FMI) combina com a formalidade gentil do americano David Lipton, técnico de carreira do organismo e hoje seu vice-diretor-gerente. O ambiente é sóbrio e austero – embora a vista da capital americana seja espetacular. Braço direito de Christine Lagarde, Lipton fala com propriedade sobre a América Latina, região sobre a qual já se debruçou. Evita palavras fortes e é extremamente político, mas deixa transparecer decepção com o desempenho do Brasil.

Vários mercados emergentes voltaram a registrar fluxo positivo de capitais no último mês e meio. Isso reflete apenas uma comunicação melhor do Federal Reserve (banco central americano), sobre os passos do fim gradual da política de estímulos, ou os fundamentos dos emergentes melhoraram?

A visão do mercado é que as perspectivas melhoraram. Em alguns casos, países tomaram medidas e seus pontos fortes estão aparentes. Isso é particularmente verdade no caso da periferia da Europa.

E outros emergentes?

É importante reconhecer que o grosso do crescimento no mundo ainda vem dos emergentes, que estão crescendo mais rapidamente que os países avançados. Mas alguns emergentes estão mais inclinados a crescer mais rapidamente. Outros usaram os espaços de manobra que tinham para proteger-se durante a crise financeira (de 2008), e agora têm de se ajustar. Os mercados são sensíveis a quem tem pouco espaço de manobra. Mas, de forma geral, os emergentes fortaleceram sua situação quando a mudança nos EUA entrou na pauta, e os mercados reconheceram isso.

O Brasil é um desses emergentes?

O Brasil está se recuperando do período de crescimento baixo pelo qual passou dentro das condições de crise que o mundo viveu. Mas tem mais a fazer para estabelecer o tipo de crescimento elevado que o povo brasileiro quer e o povo brasileiro deveria ter. Projetamos expansão pouco abaixo de 2% este ano, não é o tipo de crescimento que elevará o padrão de vida ao longo do tempo no Brasil. A questão mais importante é que poupança e investimento continuam muito baixos e, como resultado, a segurar o crescimento. O Brasil aprendeu da forma mais difícil que não pode ficar gerando déficits em conta corrente e pegando dinheiro do resto do mundo para gerar crescimento, tem que ter poupança maior, que é um desafio para o país. Ao mesmo tempo, o consumo tem puxado o crescimento, não o investimento. A não ser que o investimento aumente substancialmente, o Brasil não terá o tipo de expansão que quer. A não ser que haja um ambiente melhor para a atuação privada, a falta de investimentos vai segurar o crescimento.

A única ação positiva que vem sendo reconhecida pelo FMI no caso do Brasil é a política monetária. Para outros países o Fundo mencionou passos como reformas na China, na Índia e no México. O governo brasileiro está errando na condução das políticas ou em oferecer resposta mais forte aos desafios?

O México acaba de embarcar em significativas reformas estruturais, abrindo o setor de petróleo, depois de décadas fechado, e criando competição nas telecomunicações, setor controlado por poucos. Não sabemos quais serão os resultados, mas achamos que elas caminham na direção certa. O Brasil poderia agir mais na criação de um ambiente melhor para investimentos, que vão gerar empregos e crescimento. Não é uma questão simples, mas criar este ambiente e abrir mais a economia, submetendo-a a pressões competitivas, é provavelmente a melhor direção.

O FMI está decepcionado com o desempenho brasileiro?

Não vemos as coisas emocionalmente. Teremos o diálogo anual de avaliação de políticas com o governo brasileiro e usaremos este espaço para expressar nossa visão e oferecer sugestões.

O Brasil acabou de ser rebaixado pela S&P. Há uma crise de confiança?

Não vejo por este prisma. Há ações que o governo pode implementar após as eleições para criar um melhor ambiente de negócios, ao qual a confiança provavelmente responderá.

As eleições podem atrapalhar a condução de políticas em 2014?

Quando há eleições, surgem pressões sobre o orçamento. O governo tem política fiscal e objetivos fiscais claros. Temos concordado bastante sobre política fiscal, as recomendações são mais no longo prazo, no sentido de ter comprometimento claro com posição fiscal estável e forte. A confiança nas finanças públicas ajudará a reconstruir a confiança do setor privado.

Na América Latina, temos o México com reformas em boa direção, o Brasil e o crescimento lento, Argentina e Venezuela em situação ruim, mas o Peru com bom desempenho. O que está diferenciando os países?

Os países na América Latina são muito diferentes entre si, não se pode generalizar. Há diferentes tendências atualmente. No México, no Peru e no Chile, estão sendo implementadas reformas, está criando-se uma base para crescimento mais robusto no longo prazo. Cada um desses países está vivendo uma desaceleração, como o Brasil, mas o que é positivo nos três é que eles estão dando passos que fortalecerão o potencial de crescimento já no médio prazo. Há países como o Brasil, que estavam crescendo e tendo bom desempenho, mas se beneficiariam da adoção de reformas para aumentar a perspectiva de expansão no médio prazo. E há os países que desenvolveram problemas financeiros mais severos, a Venezuela sendo o caso mais extremo. A Argentina passou por alguns estresses no início do ano. Esses países têm de lidar com as turbulências financeiras para evitarem um período longo de fragilização econômica.

A China é um importante fator para a América Latina, sua fornecedora de matérias-primas, e os chineses começaram a fazer reformas financeira e fiscal. O FMI está satisfeito com a velocidade das reformas?

A China está implementando reformas importantes e necessárias. Houve o Congresso do Partido Comunista, no qual foi desenhada uma abordagem ampla. Se realmente implementarem as reformas, a economia seria fortalecida e o crescimento, reequilibrado (investimento para consumo). Ao mesmo tempo, eles estão lidando com problemas associados à rápida expansão do crédito e à proliferação de financiadores e tomadores, incluindo o sistema de shadow banking (sem regulação). Também há outros riscos, como o ambiental. Portanto, eles têm muito a fazer. Mas nossa visão é a de que a China dispõe das ferramentas para enfrentar os desafios.

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