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Rolagem dos precatórios

Senado está a uma votação de legalizar “calote” em credores dos governos

Davi Alcolumbre, presidente do Senado: Casa está prestes a aprovar "calote" em credores de precatórios.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado: Casa está prestes a aprovar "calote" em credores de precatórios. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

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O Senado está a apenas uma votação de legalizar um "calote" em credores de estados e municípios — e ainda fazer um grande favor ao governo federal. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 66/2023 acaba com o prazo de pagamento dos precatórios devidos por governos regionais, reduz o índice de correção dos valores e, no caso da União, ainda retira esses compromissos do arcabouço fiscal — o que, na prática, abrirá espaço para outros gastos.

Tem mais: o texto também prevê a renegociação facilitada das dívidas dos municípios, em modelo semelhante ao aprovado para os estados em 2024, por meio do Propag. E permite que os entes subnacionais renegociem, com prazos e taxas para lá de camaradas, suas dívidas com o INSS.

A PEC 66 já passou pela Câmara e foi aprovada em primeiro turno pelos senadores, por 62 votos a 4. Falta apenas a votação em segundo turno e a consequente promulgação pelo Congresso para que as novas regras entrem em vigor — emendas constitucionais dispensam sanção presidencial.

Segundo a seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Paraná), a nova PEC compromete a eficácia das decisões judiciais e a segurança jurídica no país, além de criar um cenário de inadimplência estrutural. A entidade afirma que os pagamentos anuais de precatórios, se seguirem o que está proposto na PEC 66, seriam insuficientes para cobrir as novas decisões judiciais, resultando em um crescimento exponencial da dívida pública.

“A PEC 66/2023 é uma proposta extremamente preocupante. O Congresso Nacional está prestes a votar uma emenda à Constituição que, na prática, institucionaliza o calote permanente de estados e municípios em relação aos seus credores”, afirma o presidente da OAB Paraná, Luiz Fernando Casagrande Pereira.

Fila de 17 anos no Paraná mostra impacto para credores

Pereira explica que a proposta afeta pessoas físicas e jurídicas que ganharam na Justiça o direito de receber valores dos estados e municípios.

"Os credores vão perder dinheiro ao esperarem nessa fila que hoje, no Paraná, por exemplo, está em 17 anos. Muitos morreram e muitos outros vão morrer na fila dos precatórios. Muitas empresas quebraram e outras vão quebrar na fila dos precatórios", afirma.

Ferramenta da OAB revela salto bilionário nas dívidas

A OAB, inclusive, publicou uma ferramenta para calcular como a PEC contribuirá para o aumento da dívida com precatórios dos estados brasileiros e dos municípios paranaenses.

No caso do Paraná, a correção proposta pela PEC – pelo IPCA + 2% ao ano –, considerada a inflação de 2024 (3,8% + 2% = 5,8%) e somada ao limite anual imposto pela proposta para o pagamento de precatórios, faria com que a dívida estadual saltasse, em uma década, de R$ 8,1 bilhões para R$ 19,8 bilhões — um aumento de 143%.

Custos são repassados aos credores, diz economista

Segundo o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, a PEC repassa os custos dos precatórios para os credores — um jogo que acontece há muito tempo.

“Os estados e municípios têm força dentro do Congresso para passar essas PECs que parcelam o pagamento dos precatórios", afirma o economista. Segundo ele, se aprovada, esta será a décima renegociação de precatórios validada pelo Congresso.

O pesquisador afirma ainda que a PEC causa distorções profundas: 

“São duas coisas. Uma é o afrouxamento da restrição de caixa dos estados e municípios, que podem gastar mais. E a segunda é o chamado risco moral, com a sinalização de que se pode acumular precatórios e não pagar, porque lá na frente virá outra medida aliviando, outro refinanciamento", explica.

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Correção menor que a Selic reduz valor real das dívidas

Outro ponto da PEC 66/23 é que ela altera o fator de correção dos precatórios. Atualmente, essas dívidas são corrigidas pela taxa Selic, hoje em 15% ao ano. A nova proposta prevê atualização anual pelo IPCA + 2%, ou seja, a inflação mais 2%.

Em épocas de juros altos, como agora, o índice proposto é significativamente inferior à Selic. Na prática, ao longo do tempo, essa diferença pode corroer o valor das dívidas frente aos rendimentos de mercado, prejudicando ainda mais os credores.

Estados e municípios terão limite anual para quitar precatórios

Além de reduzir a correção das dívidas, a PEC 66/2023 ainda estabelece um percentual máximo da receita de estados e municípios que pode ser destinado ao pagamento de precatórios, postergando os pagamentos de forma indefinida.

Marcos Mendes explica que esse percentual varia de 1% a 5%, aproximadamente, de acordo com o tamanho das dívidas. Os estados e municípios com maiores dívidas terão que pagar um percentual maior, e vice-versa.

“Fazendo as contas, a gente vê que esse percentual fixado não será suficiente para quitar as dívidas com os precatórios. Na verdade, as dívidas vão se acumular e crescer como uma bola de neve", afirma.

Governo federal se livra de precatórios na meta fiscal

Não são apenas os estados e municípios que serão beneficiados pela PEC 66/2023. A proposta também representa um grande alívio para o governo federal, pois estabelece que os precatórios devidos pela União fiquem fora do limite de gastos e não afetem a meta fiscal. O governo federal também se beneficia do reajuste menor da dívida, pelo IPCA + 2%.

Com a aprovação da PEC, a decisão do Supremo Tribunal Federal de reincorporar os precatórios à meta fiscal a partir de 2027 deixaria de valer, liberando no orçamento os R$ 124,3 bilhões antes estimados para o pagamento dessas dívidas.

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Mesmo com precatórios fora da meta, dívida da União cresce

Conforme mostrou a Gazeta do Povo, se contabilizado na meta de 2027, o pagamento dos precatórios poderia provocar um apagão fiscal no governo federal, deixando-o sem recursos para despesas básicas, como os pisos da educação e da saúde.

Apesar de não serem contabilizados na meta, os precatórios federais impactam a dívida pública. Em junho, a dívida pública bruta do país, como proporção do PIB, fechou em 76,6%.

Estados e municípios terão renegociação amena com INSS e União

As benesses para estados e municípios previstas na PEC 66/23 também não se limitam aos precatórios. A proposta também prevê condições especiais para a renegociação de suas dívidas com o INSS. Além disso, estende aos municípios as condições de renegociação das dívidas estaduais aprovadas em 2024.

Mais uma vez, não há estimativas de impacto para os cofres públicos. Marcos Mendes afirma que essas medidas contribuem para acelerar o repasse da dívida de estados e municípios à União, aumentando a dívida pública geral de forma acelerada.

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