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Londrina – Faz três décadas que Londrina perdeu o título de "capital mundial do café". A geada negra de 1975 matou os cafezais, que cobriam toda a metade norte do Paraná, e tirou do estado a liderança nacional na produção de uma das bebidas mais consumidas do mundo. Mas um marco da saga cafeeira no estado permanece de pé.

Sólido e concreto. Exatos 17 andares de concreto. Trata-se do Edifício América, inaugurado em 1960 – auge do ciclo cafeeiro – para concentrar a comercialização do café. Foi o primeiro "arranha-céu" da segunda maior cidade paranaense, hoje com 480 mil habitantes, e marcada por uma impressionante verticalização.

Agora espremido entre prédios bem mais altos e modernos que ele, o Edifício América teima em manter sua vocação. Das 64 salas, apenas quatro não são ocupadas por gente que se dedica à venda de café: três escritórios de advocacia e uma agência de turismo. No restante do prédio, ainda se respira café. Literalmente, já que o produto é torrado e moído ali mesmo, para prova e classificação. Todos os andares são ocupados por corretoras, exportadoras e até uma bolsa de mercadorias – que fez concessões a outros produtos, mas tem no café seu carro-chefe.

O movimento, no entanto, nem de longe lembra o de há quatro décadas. "Aqui era um formigueiro. Havia fila de clientes", lembra José Gonçalves da Cruz, porteiro do prédio há 35 anos. No saguão, na entrada dos dois elevadores – então os mais modernos do mercado e hoje ultrapassados –, Cruz encontrou muito "japonês, europeu e americano". Mas, "não vêm mais pessoas de fora", conforma-se. "Naquela época corria mais dinheiro em Londrina que hoje."

Mas ainda corre muito dinheiro pelo Edifício América. "Fazemos negócios de milhões de cruzeiros por telefone", conta o corretor Celso Lemos, 77 anos, esquecendo-se de atualizar a moeda corrente no Brasil. Lemos se instalou no prédio em meados da década de 70 ("nunca fiz a conta direito"), depois de trabalhar, nos anos dourados, como piloto.

Numa época de poucas estradas – a Rodovia do Café (BR-376), que liga o norte do estado a Paranaguá, só viria a ser totalmente asfaltada em 1984 –, carros raros e lentos, o avião era o meio mais comum de transporte. Dinheiro para bancar os custos não faltava. Hoje sócio na corretora CL, Lemos transportava os clientes até as lavouras, para que conferissem, in loco, a qualidade do produto que iriam comprar.

Na cidade, charretes atuavam como táxis. Durante o dia, levavam os endinheirados do café aos bancos e ao pujante comércio. À noite, o principal destino das charretes era a lendária zona de prostituição, na região onde hoje se localiza a moderna rodoviária de Londrina.

O Edifício América reuniu, em escritórios, todo o comércio do café, até então espalhado nas calçadas da região central. "Era uma atividade amadorística, que se profissionalizou aos poucos. Até hoje somos uma referência no Brasil", conta Luiz Roberto Ferrari, 46 anos, filho do primeiro corretor a se instalar no prédio: Aldo Ferrari, 79, já aposentado.

Luiz Roberto, que "nasceu com o prédio", em 1960, e se criou em suas salas e corredores, hoje é dono da empresa Produção Corretora de Mercadorias e presidente da Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina, instalada no primeiro andar do América há dez anos.

Nesta safra, o edifício deverá comercializar cerca de 80% da safra paranaense de café – algo como 1,78 milhão de sacas de 60 quilos – e ainda parte da colheita de Rondônia, quinto maior produtor, atrás do Paraná. As 30 maiores exportadoras brasileiras do produto mantêm escritórios no prédio, mas o movimento declina ano a ano. Em 1960, o Centro do Comércio do Café de Londrina tinha 400 associados. Esse número está em 50. O sindicato dos corretores passou de 600 para 50 sócios no período.

Com a evolução dos leilões virtuais, pelo computador, a circulação física do café pelo prédio diminuiu. Mas é comum o visitante dividir espaço no elevador com amostras acondicionadas em latinhas.

Esse clima e o cheiro de café torrado, ao contrário de incomodar, são um estímulo para o advogado Afonso Celso Noronha Dutra, de 66 anos, um dos intrusos no edifício do café.

Há três anos, ele conseguiu o que antes era impossível: alugar uma sala sem atuar na área.

"É um local bom, central, e uma referência para os clientes, pelo café e o relógio [instalado no alto do prédio]", afirma Dutra, que milita na advocacia geral com o filho Luiz Augusto, de 33 anos.

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