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A crise da dívida externa brasileira nos anos 80 é um bom exemplo do que está acontecendo agora com a Grécia, e que arrisca se alastrar para outros países europeus, como Espanha, Portugal, Irlanda e Itália. A visão é do economista Armando Castelar, para quem, a exemplo do ocorrido no Brasil há mais de vinte anos, os governos daqueles países devem passar por um longo e sofrido período de digestão do pesado endividamento contraído com as chamadas políticas anticíclicas que se seguiram à eclosão da crise financeira global.

Para Castelar, apesar de toda a aclamação que se fez do papel do Estado na saída da crise global, os governos não são invulneráveis e os efeitos colaterais das políticas anticíclicas acabam chegando. Agora, ele resume, aqueles países terão a tarefa politicamente inglória de diminuir gastos e aumentar impostos, para produzir superávits primários que reduzam suas enormes dívidas – exatamente como o Brasil fez para superar as "décadas perdidas" e voltar a crescer. Castelar, que trabalha com Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC), no Gávea Investimentos, falou com a reportagem na quinta-feira:

O senhor acha a crise grega parecida com o ocorrido no Brasil no início dos anos 80?

A experiência brasileira daquela época tem muito a mostrar sobre a dificuldade que terão esses países que aumentaram muito o seu endividamento. É um problema complicado, com vários desdobramentos pela frente. Como no Brasil do início dos anos 80, é uma situação em que o setor privado estava muito endividado, houve uma mudança drástica na economia, e o setor público assumiu essa dívida que era do setor privado. Isso dá um alívio muito grande no início, porque a crise acabou sendo bem mais suave do que se chegou a projetar. Mas agora vem exatamente a digestão desse remédio que foi dado para o setor privado, e, digamos, o veneno passou para o setor público.

O que a lição do Brasil mostra para esses países?

No nosso caso, o país passou mais de 15 anos tentando ver como faria para reduzir o tamanho da dívida e para ter recursos para pagar os juros que incidiam sobre ela. O Brasil tentou com inflação, teve uma série de choques heterodoxos que também embutiam calote na dívida, e só mais à frente fez realmente um esforço forte de ajuste fiscal, elevando o superávit primário. Mesmo assim, demorou anos para criar credibilidade.

Como fica a visão sobre o papel do Estado depois dessa segunda etapa da crise?

É óbvio que é preciso Estado e que o mercado não funciona da melhor maneira sozinho – isso está em qualquer livro-texto de Economia. Agora, com a crise global, houve esse discurso muito forte do fortalecimento do Estado, do Estado salvador e da sua importância na economia. Esse segundo ato da crise, no qual o problema chegou ao Estado, vai mostrar que esses remédios que foram dados tiveram efeitos colaterais. Foram medidas necessárias na situação a que se chegou, mas só se chamou a atenção para o lado bom do aumento do gasto público. Na verdade, tem também um lado muito ruim, e acho que essa é uma lição para o Brasil: sair aumentando o gasto público pode ser muito bom no curto prazo, mas a conta chega algum dia.

E como superar esse tipo de crise?

A experiência do Brasil ilustra muito bem que não é uma crise que vá ser superada com rapidez. Há questões políticas importantes envolvidas. Repare que, no caso da Grécia, o problema é que o governo promete reduzir o déficit público de 12,7% para 3% do PIB em três anos. O que obviamente implica um volume de corte de gastos que politicamente é muito complicado de fazer passar. E não é um problema de um ou dois anos, está-se falando de quatro, cinco anos ou até mais.

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