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| Foto: Marcelo Casall/ABr

Ficha corrida

Como evoluiu a tentativa brasileira de legislar sobre crimes digitais.

1996 – O PL 1.713/96, de Cássio Cunha Lima, falava em "crimes cometidos nas redes de computadores". Não foi adiante, mas seu relator sim.

1999 – Luiz Piauhylino (PTB/PE) se baseou no projeto anterior para criar o PL 84/99, que tipifica crimes como ataques de hackers e o uso indevido de senhas.

2001 – Mais de 50 países, como EUA e Japão, assinam a Convenção de Budapeste, lei mundial sobre cibercrimes. O Brasil não é signatário.

2003 – A Câmara aprova e encaminha o projeto para o Senado. Lá, sob relatoria de Eduardo Azeredo, ele é anexado a outros dois: PLS 76/2000 e PLS 137/2000.

2008 – As mudanças criam o nome "Lei Azeredo", que é aprovada em 11/7. O PL volta para a Câmara. No mesmo dia começam os protestos.

2009 – É lançada uma petição online; a lei começa a ser chamada de "AI-5 digital". Durante o Fórum Internacional do Software Livre, o presidente Lula chama a lei de "censura" .

2010 – Depois de meses de relativo silêncio, parlamentares aprovam o texto em duas comissões. A primeira, em 5 de agosto; a segunda, em 6 de outubro.

Ela fez muito barulho nos últimos dois anos, mas passou quase despercebida em 2010. A Lei sobre Crimes de Informática (PL 84/99), também conhecida como Lei Azeredo ou "AI-5 Digital", esteve tramitando na Câmara, onde já recebeu o segundo parecer favorável dos deputados. Falta pouco para ir ao plenário – e, de lá, ser sancionada pelo presidente.

"Há uma pressão muito forte da sociedade para que seja aprovada", justifica o deputado Régis de Oli­­veira (PSC-SP), relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. "Recente­mente eu assisti a uma reportagem sobre crimes pesados como pedofilia, invasão de bancos por hackers, que es­­tão sem previsão legal." O deputado explica que o projeto já estava pronto há alguns meses esperando uma negociação com o Ministério da Justiça e outros deputados. "Eu falei 'não vou mais segurar isso'. É só fazermos o texto. Aprova o que tem que aprovar e depois a gente vai consertando."

O texto apresentado pela CCJ apresenta algumas modificações ao projeto original enviado à Câmara em 2008 pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). As mudanças foram baseadas na Convenção de Budapeste, legislação internacional sobre crimes eletrônicos firmada em 2001, da qual o Brasil não é signatário. O texto do tratado tipifica, entre ou­­tros, o crime de violação de direitos autorais e propõe o armazenamento de dados de navegação em tempo real. "O Brasil tem de se adaptar ao texto", diz Oliveira, que consultou delegados e especialistas em direito digital para a modificação.

"O texto melhorou porque responsabilizou o provedor de conteúdo. Na convenção de Budapeste há este ponto", explica Alexandre Atheniense, advogado especializado direito digital.

Briga

Os pontos polêmicos que levaram a lei a ser batizada de "AI-5 digital" continuam. O texto original atribuía aos provedores de acesso a responsabilidade de armazenar e fornecer informações de navegação para a apuração de crimes. Agora, os provedores de conteúdo, isto é serviços de e-mail e publicadores de blogs, além do Google, por exemplo, também passarão a ter essa responsabilidade.

"Os provedores têm a obrigação de guardar os dados, esse ponto está pacificado pela jurisprudência", explica o advogado Renato Opice Blum, que foi um dos consultados por Régis de Oliveira. "É só o IP, mostra o local de origem, e não o conteúdo. É como o número de telefone, e não a conversa", explica.

Oliveira diz que é a favor do armazenamento de todos os da­­dos. "Só assim vamos combater a pirataria, os hackers, esse pessoal todo que usa computador para fins inadequados."

Além disso, outra mudança é que os dados poderão ser divulgados ao Ministério Público ou à polícia sem a necessidade de uma or­­dem judicial. O texto do projeto compara isso a uma ocorrência na rua: "Quando um ônibus atropela alguém e a placa é anotada, a autoridade policial não necessita solicitar ao juiz que determine a remessa do dado (de quem dirigia etc.)".

Atheniense teme que, com essa redação, o provedor seja compelido a passar mais informação do que o objeto de investigação. "Você está indo contra a Cons­tituição, que prevê a quebra de sigilo de da­­dos só por ordem judicial. Poderia haver vulnerabilidade em relação à invasão de privacidade", critica.

"Essa é uma mudança grave para pior", critica Paulo Rená, que foi um dos responsáveis pelo Mar­­co Civil da Internet quando trabalhou no Ministério da Justiça e autor de um mestrado sobre o acesso à internet como direito no Bra­sil. "O projeto segue a linha da criminalização do uso da internet. A tecnologia é tratada como se fosse uma fonte de riscos para a sociedade", diz ele. "Basta um pedido para que os prestadores de serviço fi­­quem com a atribuição de vigiar seus clientes."

O Ministério da Justiça diz que está analisando o novo texto do PL 84/99 e, por enquanto, não se manifestará sobre o tema. Mas o órgão, por meio de sua assessoria, diz que "está aberto ao diálogo com congressistas e com a sociedade para a construção de um consenso em torno da regulação da internet".

Embora reconheça que o texto apresentado por Oliveira tenha algumas melhorias pontuais, Paulo Rená critica o fato de o legislador não ter citado o Marco Civil da Internet, legislação criada pelo Ministério da Justiça e discutida ao longo deste ano que garantiria direitos dos internautas – como privacidade, liberdade e neutralidade.

O Marco apoiaria alguns temas propostos no PL 84/99, como a guarda de registros de navegação. Mas Atheniense, por exemplo, diz que ainda é cedo para fazer um paralelo entre as duas propostas de regulamentação. "Estamos falando de uma lei que está tramitando há 11 anos no Congresso. O Marco Civil é bem intencionado, mas não nasceu ainda. Quando for ao Congresso, passará por uma série de comissões, ainda vai haver muito debate. É preciso se basear no que está mais próximo de se tornar lei."

E, sim, está próximo. O projeto agora tramita na Comissão de Ciên­­cia e Tecnologia, Comunica­ção e Informática da Câmara e es­­pera o parecer do deputado e relator Júlio Semehini (PSDB-RJ). "A minha parte eu cumpri", diz Oli­­veira. "Eu não fui reeleito, e não iria segurar isso. E soltei agora até para acelerar o processo". Ele acredita que a aprovação pode sair ainda neste ano.

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