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O Brasil tem alguns bolsões de prosperidade: capitais, cidades litorâneas ou de alto IDH são as que têm mais ricos no país. Para formar esse mapa, é preciso dissecar as informações de renda e patrimônio da Receita Federal: é por meio de dados do Imposto de Renda que se traça uma linha de riqueza. Nesse sentido, não há maior concentração do que no Lago Sul, região nobre de Brasília.
Lá, casa de muitos servidores federais, o rendimento médio dos moradores era de cerca de R$ 23 mil por mês em 2018, 19 vezes a média de renda da população brasileira naquele ano, de R$ 1,2 mil. Considerando-se apenas os declarantes do IR, a renda média no bairro salta para R$ 38,4 mil mensais, que é 4,5 vezes a média recebida por todos os brasileiros que declararam Imposto de Renda em 2019, sobre os ganhos obtidos em 2018. Pelos critérios da Receita, só precisavam apresentar a declaração anual aqueles que receberam rendimentos tributáveis superiores a R$ 28.559,70 em todo o ano.
Esses números foram obtidos por meio das informações da Receita Federal sobre o Imposto de Renda Pessoa Física de 2018 e dados do IBGE organizados pelo economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, no documento “Onde estão os ricos do Brasil?”.
O pesquisador ainda fez a comparação entre a média de rendimentos da população em geral e apenas entre aqueles que declaram IR. Para chegar a esses números, Neri calculou a proporção de declarantes de IR em relação à população total. Também usou a renda média declarada no IR dividida pela população total ou pelos declarantes, desconsiderando rendas informais ou não declaradas. Embora também tenha levantado os dados sobre patrimônio, ele concentrou a análise na renda.
“Os dados do IRPF (…) nos permitem captar a renda dos mais ricos brasileiros com mais propriedade que os dados de pesquisas domiciliares tradicionalmente usados em estudos sobre pobreza e desigualdade. Assim, podemos pensar os critérios para declaração do Imposto de Renda como uma espécie de linha de riqueza que permite identificar os residentes no país com maior poder de compra seguindo as regras tributárias vigentes”, argumenta Neri no documento.
Ele ainda explica que, por mais que haja incentivos para os segmentos mais ricos da população subnotificarem a renda declarada no IR, ela ainda é superior a relatada a pesquisas domiciliares, como é o caso da Pnad, do IBGE.
Lago Sul: a elite do funcionalismo concentra mais renda
O economista se debruçou sobre os dados específicos do Distrito Federal, unidade da federação que tem maior renda média. Ali, foram abertos os dados por regiões administrativas. O Lago Sul é a porção mais rica do DF – se fosse um município, seria o mais rico do Brasil. Lá, a renda média dos moradores é de R$ 23 mil, número que salta para R$ 38,4 mil entre os declarantes.
Como o nome indica, a região administrativa fica localizado na margem sul do Lago Paranoá e tem uma situação bastante privilegiada na comparação com a realidade brasileira. O IDH da região já bateu 0,945, o que representa um indicador de altíssima qualidade de vida.
O bairro nobre da capital federal é o lar de muitos servidores públicos, principalmente da União. Dados da Receita Federal já mostraram que, entre as dez carreiras com maiores salários no Brasil, seis são do setor público. Na avaliação de Neri, essa combinação de dados mostra a urgência da discussão sobre a reforma administrativa, numa ampla revisão dos custos do estado brasileiro. Mas a tendência é de que essa pauta fique apenas para 2021.
Outras cinco regiões do DF concentram bastante renda. Nelas os moradores ganham, em média, bem menos que os do Lago Sul – mas muito mais que a média dos brasileiros. De acordo com a pesquisa de Neri, a renda média dos moradores supera o patamar dos R$ 10 mil no Lago Norte (R$ 12,1 mil), Sudoeste/Octagonal (R$ 11,4 mil), Jardim Botânico (R$ 10,9 mil), Brasília/Plano (R$ 10,4 mil) e Park Way (R$ 10,3 mil).
Observando apenas a renda média dos declarantes de IR, é a região da SIA (Setor de Indústria e Abastecimento) que apresenta a segunda maior média de vencimentos na capital federal: R$ 25,2 mil. Ainda com ganhos acima de R$ 20 mil estão os moradores do Sudoeste/Octagonal e Park Way, com rendimentos superiores a R$ 20,3 mil.
Confira o ranking das regiões mais ricas de Brasília
Onde estão os outros ricos brasileiros
A análise dos dados por estados mostra que seis unidades da federação concentram a população mais rica, independentemente do recorte (população geral ou declarantes de IR): Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Na outra ponta, estados do Nordeste e Norte são os de menor renda média. O lanterna nos dois rankings é o Maranhão, seguido de perto pelo Pará.
No Distrito Federal, a renda média da população calculada pelo economista é de R$ 2,9 mil, ante R$ 1,2 mil da média do Brasil. Quando restringe o recorte para o universo dos declarantes, o número sobe para R$ 11,9 mil contra R$ 8,5 mil dos brasileiros em geral. No ranking que considera apenas os declarantes de IR, a renda média dos moradores do Distrito Federal é quase o dobro da dos maranhenses (R$ 6,2 mil).
Além do Distrito Federal, apenas São Paulo (R$ 9,3 mil) e Rio de Janeiro (9,7 mil) têm declarantes de IR que ganham mais do que a média nacional. A riqueza é tão concentrada nessas unidades da federação que acabou puxando a média brasileira para cima de quase todas as demais UFs.
Onde os ricos querem morar
O desempenho dos estados na listagem dá pistas sobre outras escolhas feitas pelos ricos brasileiros. A avaliação de Marcelo Neri é de que as pessoas de maior poder aquisitivo optam por lugares com melhor qualidade de vida para morar, não seguindo apenas critérios econômicos, mas ponderando sobre oportunidades de trabalho para profissionais liberais em geral. E isso explica o desempenho das cidades, nos rankings de capitais e municípios.
No caso das capitais, observando a renda média da população, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, São Paulo e Curitiba apresentam valores superiores a R$ 3 mil – e maiores também do que os de Brasília, sexta no ranking. Quando o recorte vai para a renda média dos declarantes, são quatro capitais com valores superiores a R$ 12 mil: São Paulo (R$ 12,7 mil), Florianópolis (R$ 12,4 mil), Vitória (R$ 12,2 mil) e Porto Alegre (R$ 12,1 mil).
Ao ampliar a análise para todos os municípios do país, são pequenas cidades que lideram o ranking da renda média geral, como Nova Lima (em Minas Gerais, com renda média de R$ 6,2 mil), Santana de Parnaíba (em São Paulo, com R$ 5,3 mil médios) e Aporé (em Goiás, e R$ 5,2 mil de renda média). Na sequência, aparecem São Caetano do Sul (SP) e Niterói (RJ), com rendimentos de R$ 4,5 mil e R$ 4,1 mil, respectivamente, além de cidades como as capitais Florianópolis e Vitória e ainda Santos, no litoral paulista.
Na avaliação de Neri, essas cidades combinam elementos atrativos para as pessoas de maior poder aquisitivo, desde bairros exclusivos até bons indicadores de IDH. Ele ainda observa que algumas das cidades listadas no topo do ranking de renda média tem grande proporção de pessoas com diploma de curso superior, cobertura de internet e quantidade de automóveis per capita, “sugerindo que cidades praianas são atrativas para as pessoas de alta renda, e não apenas pelos seus atributos produtivos ou econômicos”, pondera.