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Em Girls, série da HBO que conta a história de quatro jovens americanas, não ter Facebook é “ter classe” | Divulgação/HBO
Em Girls, série da HBO que conta a história de quatro jovens americanas, não ter Facebook é “ter classe”| Foto: Divulgação/HBO

Qual a diferença, perguntei a um amigo que escreve colunas de tecnologia, entre o magnata da mídia bilionário Mark Zuckerberg e um outro magnata da mídia bilionário, Rupert Murdoch?

Quando Rupert invade a sua privacidade, respondeu meu amigo via email, é contra a lei. Quando Mark faz isso, é o futuro.

Existe uma verdade nessa tirada: Nós condenamos as violações expostas no escândalo dos grampos telefônicos nos tabloides britânicos de Murdoch, enquanto entregamos nossa privacidade numa escala muito maior no Facebook e chamamos isso de "comunidade". Nosso amor pelo Facebook tem sido um amor submisso.

Mas agora, nem tanto. Nas últimas semanas, parece que o mundo começou a lançar um olhar suspeito para essa mega-plataforma global. Por mais que isso possa não agradar os executivos do Facebook, é algo bom para o resto de nós – e talvez para o futuro da rede social, também.

A história recente do fenômeno do Facebook tem sido uma série de desilusões.

A mais visível foi a decepção da oferta de ações públicas – decepcionante, no mínimo, para os investidores que esperavam virar as ações para ganhar dinheiro rápido. Como apontou o meu colega, Joe Nocera, a oferta pública inicial fez exatamente o que deveria fazer; eles arrecadaram US$16 bilhões para a jovem companhia investir em seu futuro a longo prazo. Mais do que isso, a queda vertiginosa do valor das ações desde o lançamento produziu um ceticismo saudável em relação a outros negócios novos da internet. Ainda assim, não deve ter sido legal para quem trabalha no Facebook acordar um dia e ver manchetes contendo as palavras "fiasco" e "vexame", ou ler coberturas de imprensa que sugerem que os publicitários não estão convencidos a respeito do Facebook como uma plataforma de marca.

E aí tem a atenção persistente focada no lado negro da vida online. Já não era uma ideia inteiramente nova um ano atrás, quando eu reclamei numa coluna que as pseudo-amizades do Facebook e a conectividade efêmera do Twitter estavam substituindo o contato e a intimidade reais. As respostas da época – "Ludita!", "Sacrilégio!" – sugeriam que um bom número de pessoas havia elevado uma ferramenta muito útil à condição de objeto de adoração cega. Mas as pesquisas reforçam o argumento de que as redes sociais, embora uma inovação com um menu maravilhoso de usos práticos, não são uma máquina da felicidade. "O Facebook Está Nos Deixando Solitários?" perguntava a capa da revista The Atlantic do mês passado. Um "sim" retumbante – solitário, narcisista e doente de fato – foi a resposta.

E os missionários de marketing do Facebook também não devem estar felizes que o seu produto esteja mostrando sinais de estar não sendo mais tão legal. Embora o Facebook tenha colonizado boa parte da população mundial, há provas anedóticas de que os adolescentes estejam levando suas festinhas online para outras plataformas – Twitter, Tumblr, Xbox – em parte pelo Facebook ter se tornado um lugar para a mamãe e o papai. Você sabe que o zeitgeist está começando a ir contra você quando o seu produto é alvo de piada da série Girls, o melodrama agressivamente descolado da HBO focado na geração Y.

SHOSHANNA: Ai, meu Deus! Você tá falando sério? Assim – isso é tipo não ter Facebook.

JESSA: Eu não tenho Facebook.

SHOSHANNA: Você é classuda pra c*****.

Podemos ver um pouco de justiça poética nisso tudo se lembrarmos que, antes de adquirir sua aura messiânica, o Facebook tem suas origens num algoritmo que tinha a missão nada nobre de deixar alunos tarados de Harvard darem notas para a aparência de suas colegas.

Devemos suspeitar da moda de afirmar de que o Facebook já era tanto quanto da sua euforia original. Lee Rainie, que estuda cultura online no Centro Pew de Pesquisas, disse que as pesquisas não refletem uma reação significativa contra o Facebook até agora; o império ainda cresce rumo ao bilhão de usuários, e mais e mais pessoas afirmam utilizá-lo todos os dias. O que mudou é que os usuários se dizem mais cuidadosos sobre publicar informações pessoais – sobretudo se estão contemplando uma procura de emprego, uma inscrição numa faculdade ou um novo romance. E muitos usuários do Facebook – um terço deles, segundo uma nova pesquisa da Reuters/Ipsos – estão diminuindo o tempo que passam nele.

"A fase de paixão inicial agora está se transformando numa fase mais madura", me disse Rainie.

Uma das histórias mais interessantes que eu li recentemente foi sobre a entrada do Facebook no jogo de influências em Washington. Todas as companhias, claro, protegem seus interesses. Mas o modo do Facebook de fazer amizade entre os poderosos é original. Ele ganha as graças dos membros do Congresso mandando ajudantes para maximizar o poder de agradar o eleitorado e assegurar a releição de suas páginas no Facebook.

O que será que o Facebook quer com seus novos amigos em Washington? Não é difícil de imaginar. Já que o caminho para a prosperidade mais promissor para o Facebook é o de vender anúncios com base no que você curte ou não, a companhia ficará receosa com qualquer tentativa do governo de aplicar padrões de privacidade que interfiram com as habilidades da companhia de utilizar as suas informações.

Além de Washington, os ativistas a favor de várias causas têm reclamado do Facebook por ele não proteger dissidentes que utilizam o site para expor e mobilizar as pessoas contra regimes políticos opressores. Os críticos afirmam que a política da companhia de proibir pseudônimos – com o intuito de garantir um comportamento online mais civilizado (e, como poderia especular alguém mais cínico, para enriquecer o valor de sua base de usuários para os anunciantes) – faz com que ele seja uma ferramenta de comunicação online arriscada em

Em algum lugar do seu caminho entre ser um nerd de Harvard e um titã do Vale do Silício, Mark Zuckerberg adotou uma ideologia de "transparência radical". Ele deve estar recebendo uma dose desconfortável disso agora. Esse surto de escrutínio deverá nos transformar em consumidores mais inteligentes e mais sóbrios. O desafio para o Facebook agora é manter a confiança desses usuários que ficaram mais espertos, embora esteja nos usando como commodities – isto é, como nos vender sem nos assustar.

Tradução: Adriano Scandolara.

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