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Alex deixa vazia a garagem no prédio onde mora: casa própria é a prioridade | Hugo Harada/ Gazeta do Povo
Alex deixa vazia a garagem no prédio onde mora: casa própria é a prioridade| Foto: Hugo Harada/ Gazeta do Povo

Cenário

Renda e crédito são os motores do consumo

O aumento na renda foi a variável que, isoladamente, mais contribuiu para a ampliação da base de potenciais consumidores de veículos no Brasil, garantindo a possibilidade de mais da metade dos consumidores financiar um carro novo. O aumento total na renda média dos domicílios brasileiros entre junho de 2003 e agosto de 2010 e um reajuste mais leve no preço do automóvel (veja quadro nesta página) fizeram com que a compra do veículo passasse a pesar menos no bolso do trabalhador. Se considerada a renda bruta domiciliar per capita, o incremento foi ainda maior, de 63,9%. Em seguida vem o fator crédito, com a ampliação do prazo médio de financiamento e a queda pela metade da taxa média de juros ao consumidor. Juntos, esses fatores contribuíram com 35% do ingresso dos consumidores em potencial.

Considerando o comprometimento máximo de 30% da renda familiar – índice apontado como "saudável" pelos economistas –, em junho de 2003 8,24 milhões de famílias (17% dos domicílios brasileiros) tinham renda suficiente para arcar com a parcela de R$ 799,82 para a compra de um veículo, nas condições vigentes à época. Levando-se em conta o aumento da renda domiciliar, o barateamento do crédito, o alongamento dos prazos e o comportamento dos preços dos veículos até agosto deste ano, chega-se ao número de 22,4 milhões de famílias com condições de financiar um carro popular, com uma parcela mensal de R$ 593,70.

"Tudo passa pelo crédito. As famílias dependem do crédito para a aquisição do primeiro veículo ou para a compra do primeiro carro novo. Outro fator fundamental é o aumento na renda. A partir do momento em que aumenta a renda, há um aumento quase automático no consumo, criando um círculo virtuoso: mais renda, mais consumo, mais demanda, mais produção, mais oferta, mais emprego", avalia Girard.

Segundo o consultor, outro fator poderia ajudar a impulsionar ainda mais o setor automotivo: a redução da carga tributária. Ele lembra que, durante a crise econômica internacional, a redução da alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os automóveis foi usada pelo governo como medida anticíclica para manter o mercado interno aquecido. "O Brasil tem uma das tributações mais altas do mundo para o setor automotivo, que pode representar entre 55% e 60% do preço final de um carro", diz.

  • Confira as condições necessárias para comprar um automóvel

Duas em cada dez famílias brasileiras que andam a pé têm condições econômicas para financiar a compra de um carro popular zero quilômetro comprometendo no máximo 30% de suas rendas com as parcelas mensais do financiamento. Esse contingente, de 7 milhões de famílias, representa seis vezes a frota atual de Curitiba, proporcionalmente a capital mais "motorizada" do país, e equivale a quase três anos de produção da indústria automobilística brasileira. O que indica que, mantidas as condições atuais, o mercado nacional terá demanda suficiente para continuar aquecido ao longo dos próximos anos.

Os dados fazem parte de um estudo feito pelo Departamento de Pesquisa Econômica do Santander Global Banking & Markets, com base na análise das três condições essenciais que possibilitam a compra de um veículo: preço, renda e crédito. De acordo com o levantamento, a evolução desses três fatores macroeconômicos entre os anos de 2003 e 2010 contribuiu para aumentar em 14,2 milhões o número de famílias com poder aquisitivo suficiente para comprar um carro novo.

Para calcular essa demanda potencial, a pesquisa analisou os microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, que mostra que 7,05 milhões de famílias com condições de arcar com a parcela de um automóvel novo ainda não têm carro ou motocicleta. O número já considera o desempenho do mercado doméstico, que vendeu aproximadamente 3 milhões de veículos entre maio de 2009 e agosto de 2010.

Mas, apesar de surpreendente – a indústria brasileira demoraria 2 anos, 9 meses e 25 dias para atender a essa demanda potencial –, o número é considerado "conservador", já que não considera eventuais compras de famílias que já têm pelo menos um veículo, nem a troca do veículo atual por um zero quilômetro. "Qualquer mudança em algum dos fatores [renda, preço e crédito] pode ampliar ainda mais esse número", avalia a economista do Santander Luiza Betina Petroll Rodrigues, responsável pela pesquisa.

Luiza pondera que o dado não representa uma certeza de demanda. "Este número não é uma garantia, mas é um forte indicador que representa um potencial de crescimento. Se um terço dessas pessoas comprar uma tevê de plasma em vez de comprar um carro, isso por si só já ajuda a manter o mercado interno aquecido", considera Luiza. No entanto, a economista alerta para o risco de que esse excesso de consumo pressione a inflação. "Em termos macroeconômicos, qualquer demanda adicional pode gerar inflação, e deve ser contida pela autoridade monetária", avalia.

Casa própria

Já o consultor do setor automotivo Olivier Girard, da Macrologística Consultores, pondera que esse risco inflacionário, embora real, é pouco provável. "É preciso considerar que é impossível que 7 milhões de pessoas queiram comprar um carro de uma hora para outra", avalia. Segundo ele, esse potencial de consumo tende a ser diluído em outros itens, como eletrodomésticos, eletrônicos ou mesmo a aquisição da casa própria.

Este é o caso do analista de sistemas Alex Yukio Wassano. Com salário de R$ 2,6 mil e sem dívidas, ele tem renda suficiente para comprar o primeiro carro, mas prefere economizar o dinheiro para dar entrada em um apartamento. "Ter um carro acaba acarretando uma série de gastos desnecessários. E, na verdade, eu não preciso de um, já que moro perto do trabalho", justifica.

Alex conta que pretende economizar mais dois anos para dar a entrada na compra de um imóvel. Mesmo assim, o carro zero não fica de fora de sua lista de projetos para o futuro. "Quando já estiver com o apartamento, aí, sim, pretendo comprar um carro, mas isso ainda vai levar um tempo", diz.

A percepção é de que casos como o de Alex são a regra. Na semana passada, a Federação Nacional da Distri­­buição de Veículos Automotores no Paraná (Fenabrave-PR) "culpou" o mercado imobiliário pela previsão de crescimento do mercado automotivo em 6%, abaixo da meta para 2010. "Parte dos consumidores migrou para a construção. O Paraná, e principalmente Curitiba, teve muitos lançamentos imobiliários e as pessoas estão pagando as prestações, além do aluguel. Quando os imóveis forem entregues, elas não irão precisar se preocupar mais com o aluguel e o dinheiro volta a circular", considera o diretor-geral da Fenabrave-PR, Luís Antonio Sebben.

Otimismo - Anfavea vê crescimento, mas falta infraestrutura

A Associação Nacional de Fabrican­tes de Veículos Automo­tores (Anfa­vea) prevê um crescimento de quase 50% na produção das montadoras nos próximos cinco anos, saltando dos 3,4 milhões de veículos que devem ser fabricados em 2010 para 5 milhões de unidades em 2015.

"As perspectivas da Anfavea são de que o mercado automotivo brasileiro tem forte potencial de expansão nos próximos anos, considerando-se as favoráveis condições de manutenção da economia estabilizada, com novos investimentos, maior produção, mais emprego, poder de compra e maior consumo, inclusive com a inserção no mercado consumidor de novas camadas sociais da população", afirmou a associação, em nota.

A Anfavea credita ainda o potencial do mercado brasileiro ao baixo índice de motorização do país. No Brasil, há um veículo para cada 6,9 habitantes, contra um índice de um carro por habitante nos EUA, um por 2 na Europa e um por 4,5 na Argentina.

Obstáculos

Mas, embora a estrada para o crescimento sustentado da indústria automobilística brasileira esteja bem pavimentada, nuvens carregadas indicam que é preciso ficar atento aos desequilíbrios econômicos glo­­bais que surgem no horizonte. Possíveis reflexos da guerra cambial, da crise fiscal na Europa ou mesmo de situações internas inesperadas são a prova de que, em se tratando de economia, é impossível saber de antemão o que vai acontecer após a próxima curva.

"Sempre há de se trabalhar com as incertezas nas previsões econômicas", aponta Roberto Marx, professor do Curso de Capacitação em Análise e Projeto de Negócios no Novo Setor Automotivo na Fundação Vanzolini. Segundo ele, a desvalorização do dólar e o consequente barateamento das importações já têm provocado efeitos no segmento de peças e equipamentos. "Pode haver uma diminuição do índice de nacionalização dos veículos produzidos aqui. Não se pode considerar apenas quem monta o veículo, mas toda a cadeia", diz.

Mesmo assim, Marx ressalta que, no cenário atual, essas incertezas são menores do que o otimismo, que tem prevalecido em toda a cadeia produtiva do setor automotivo brasileiro. E, apesar de os carros caberem cada vez mais no bolso dos consumidores, a preocupação é se eles continuarão cabendo nas ruas das grandes cidades brasileiras. "Onde vão circular todos esses carros? Grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro já estão a beira de um congestionamento generalizado", pondera.

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